Morreu Massimo Vignelli, para quem o design era “diminuir a quantidade de vulgaridade no mundo”
Um dos mais influentes designers gráficos do séc. XX, criou a sinalética e um polémico mapa do metro de Nova Iorque onde só lhe interessava “o esparguete”. Autor dos logótipos da American Airlines, Benetton e dos famosos brown bags do Bloomingdale's.
Os obituários de Massimo Vignelli descrevem-no assim, como essa figura tutelar do design gráfico que marcou uma paisagem e ajudou a criá-la – especialmente em Nova Iorque. Mas ele, a quem muitos dos seus pares e jovens fãs escreveram e escrevem ainda nas últimas semanas agradecendo-lhe pela inspiração, considerava-se um “arquitecto da informação”. Mestre da clareza e simplificação, o seu trabalho ou nos entra olhos dentro ou já entrou, pessoalmente, nas ruas da cidade cuja sinaléctica do metro desenhou ou nos filmes e imagens que retratam a cinematográfica cidade em todos os seus ângulos.
Massimo Vignelli desenhou capas de livros, sacos de compras dos grandes armazéns americanos Bloomingdale’s (o famoso brown bag e o lettering ainda hoje usado no logótipo da marca), Saks e Barneys, brochuras ainda em uso para o Serviço de Parques Nacionais dos EUA e inúmeros trabalhos para dezenas de marcas. Das companhias aéreas (criou a identidade gráfica da American Airlines, usada durante 45 anos) à computação (IBM), passando pelas italianas Pirelli, Olivetti, Perugina, pela cadeira empilhável Handkerchief para a Knoll e até a sinaléctica do Museu Guggenheim de Bilbau, além da redefinição, em 1995, da identidade empresarial da Benetton, que alinhou num rectângulo verde que depois se colocaria nas famosas campanhas de grande impacto social da marca italiana.
Admirador de Le Corbusier e Mies van der Rohe e arquitecto de formação, o designer era conhecido pela sua visão modernista – Michael Bierut, designer gráfico e sócio da maior consultora de design do mundo, a Pentagram, considera que “Massimo, provavelmente mais do que qualquer outra pessoa, tem o crédito de introduzir um ponto de vista modernista europeu ao design gráfico americano”, disse ao The New York Times.
Com o seu colega holandês Bob Noorda, criou a sinalética do metropolitano de Washington (paralelepípedos que se tornaram a imagem do sistema de metro da capital norte-americana) e de Nova Iorque, cidade a que chegou em meados da década de 1960 e da qual desenhou, em 1972, um polémico mapa do metro que diluía a cidade sobre o solo nas linhas coloridas que simbolizavam os percursos dos comboios subterrâneos. É talvez o seu trabalho mais discutido e, simultaneamente, criticado, e o que surge no topo do seu currículo mediático.
Eliminada a familiaridade que a identificação de bairros, parques ou monumentos criava entre a vida que corria debaixo do chão e a que pulsava acima dele, gerou, por exemplo e como recorda o The New York Times, críticas dos turistas, confusos na medição das distâncias. Aquilo que agora conhecemos, um mapa em que a terra é bege, o parque verde e o rio azul, era em 1972 “um diagrama e não um mapa”, nas palavras do próprio Vignelli, em que a terra era branca, a água bege e os parques cinzentos. As linhas coloridas eram delineadas em ângulos de 45 ou 90 graus ao invés das curvas e contracurvas dos mapas mais convencionais (e actuais). Não era o primeiro a fazê-lo e o seu diagrama será inspirado pelo mapa do metropolitano de Londres, criado por Henry Beck em 1933 e cuja versão actualizada ainda é usada na capital britânica.
Às críticas sobre a inteligibilidade de um dos suportes essenciais de sobrevivência na metrópole da costa Este dos Estados Unidos, Vignelli respondeu de forma solta ao The New York Times em 2006: “O que é que isso interessa? Quer-se ir do ponto A para o ponto B, ponto final. A única coisa que interessa é o esparguete”, o nome dado às mais de 30 linhas que formam, num mapa, o complexo metropolitano de Nova Iorque.
A verdade é que o seu mapa foi substituído em 1979, não sem ser integrado na importante colecção de design do Museum of Modern Art (MoMA), e elogiado pela comunidade de design – o crítico de arquitectura da revista New Yorker chamou-lhe “uma peça quase canónica de design gráfico abstracto”. Contudo, há três anos, Vignelli foi novamente convidado a trabalhar o seu diagrama do metro de Nova Iorque, desta feita para uma versão interactiva, que até hoje se encontra online para assinalar as frequentes mudanças de fim-de-semana do serviço. Quanto à duradoura sinalética, Vignelli e o seu sócio criaram ainda o Graphic Standards Manual, um objecto quase de culto que define as fontes tipográficas a usar na orientação dos passageiros, sem serifas (traços e curvas nas extremidades de alguns tipos de letra) para facilitar a visibilidade a partir de qualquer ângulo, a aplicação da fonte Standard (que depois evoluiria para Helvetica) e a localização da informação, por exemplo.
Não é só o MoMA que conta com o seu trabalho nas suas colecções. Também o Metropolitan ou o Cooper-Hewit National Design Museum, bem como vários museus europeus, guardam no seu acervo peças de Vignelli. Michael Bierut, também fundador do site Design Observer, escreveu terça-feira sobre o seu amigo e mentor: "Aprendi a desenhar na escola de design. Mas aprendi a ser designer com Massimo Vignelli”. Lança-se depois numa imagem para explicar a importância do trabalho do seu mestre.
Bierut descreve um momento em que a cidade, o mundo, parecia ser desenhado pelo seu patrão: “Para chegar ao escritório, andava no metro com sinalética Vignelli, partilhava o passeio com pessoas que levavam consigo sacos de compras do Bloomingdale’s desenhados por Vignelli, passava pela Igreja de St. Peter com o seu órgão desenhado por Vignelli a ver-se da janela”. E essa constatação ganhava nova realidade graças à força gravitacional de Massimo Vignelli, que atraía ao seu atelier os melhores designers do mundo e figuras como Jacqueline Kennedy Onassis.
“Aprendi a pensar o design gráfico como uma forma de criar uma experiência”, escreve ainda Bierut, algo “duradouro, até intemporal”, termo que o próprio Vignelli considerava "um jogo perigoso" nos últimos anos de vida, mas que faria parte da essência da Vignelli Associates – resumida agora, no momento da despedida do seu fundador com uma frase sua no site da empresa: "Gosto que o design seja semanticamente correcto, sintaticamente consistente e pragmaticamente compreensível. Gosto que seja visualmente poderoso, intelectualmente elegante e, acima de tudo, intemporal".
Nascido em 1931 em Milão, considerou que a sua vocação era a arquitectura, disciplina que estudou, a par de arte, tendo depois trabalhado como designer em Murano. Primeiro em Itália, depois já nos Estados Unidos e casado com a sua companheira de sempre, a também designer Lella Elena Valle, fundou e trabalhou em empresas de design que se viriam a tornar importantes intervenientes no mercado. Teve dois filhos e três netos e criou com Lella Valle e com o Rochester Institute of Technology o Vignelli Center for Design Studies. A doença que causou a sua morte não foi tornada pública, tendo escolhido passar os seus últimos dias em sua casa, em Manhattan.
Ao longo da sua carreira recebeu a medalha AIGA (com a sua mulher, em 1983), o primeiro prémio presidencial de design dos EUA, em 1985, ou o prémio carreira do Cooper Hewitt em 2005. Para ele, tal como é mencionado no livro How to Think Like a Great Graphic Designer, de Debbie Millman, citado pela FastCo Design, o design é “diminuir a quantidade de vulgaridade no mundo”.