Contestada portaria que põe médicos de família a fazer consultas de medicina do trabalho
Associação de empresas de saúde no trabalho junta-se a Ordem e sindicato dos médicos na contestação ao diploma.
Os críticos do diploma alegam que os médicos de família não têm formação para assumir esta tarefa, além de estarem já sobrecarregados com trabalho nos centros de saúde. Mas a APEMT acrescentou terça-feira um argumento suplementar: o de que esta portaria põe risco um “grande número” de postos de trabalho nestas empresas que têm feito “avultados investimentos em infra-estruturas e meios humanos” nos últimos anos.
Garantindo que o objectivo que presidiu à elaboração deste diploma foi apenas o de "facilitar os procedimentos dos trabalhadores por conta própria, como as empregadas domésticas, que recorreram sempre ao seu médico de família para serem regularmente observados e as micro-empresas com meios económicos reduzidos para contratarem um serviço de medicina do trabalho", o Ministério da Saúde assegura que não há "usurpações de funções, nem sequer aumento do número de consultas de medicina geral e familiar". "O que há é a formalização e regularização da situação de todos aqueles que sempre foram apenas ao seu médico de família ou aos centros de saúde para poderem aferir do seu estado de saúde", assevera o ministério, que lembra que esta possibilidade está prevista na lei desde 2009 e que na altura não foi contestada.
A portaria vem, de facto, regulamentar uma possibilidade prevista desde 2009 - a das consultas de medicina do trabalho serem asseguradas pelo Serviço Nacional de Saúde em determinados casos. O diploma possibilita a transferência, para os médicos de família (através dos Agrupamentos de Centros de Saúde), da competência de vigilância da saúde do trabalho no caso dos funcionários de micro-empresas (com menos de dez empregados) que não exerçam actividade de risco elevado, trabalhadores independentes, de serviços domésticos, trabalhadores agrícolas sazonais, pescadores de embarcações até 15 metros, entre outros.
Esta opção legislativa “assenta em pressupostos que se revelam manifestamente erróneos e desfasados da realidade”, contesta, porém, a APEMT, em comunicado, lembrando que há “largos milhares de utentes/trabalhadores que não têm sequer acesso a um médico de família”.
Também o colégio da especialidade de Medicina no Trabalho da OM repudiou e exigiu a “imediata anulação” da portaria, num parecer preliminar em que sublinha que os médicos de família não têm a formação necessária para assegurar estas funções. “Se assim não fosse, não se compreenderia que o Estado português tivesse criado a carreira médica de Medicina no Trabalho” e validado os respectivos planos de formação com “quatro anos de duração”, frisa.
"No cenário actual de carência de médicos de família (...), esta portaria agrava o acesso aos cuidados de saúde, debilita os centros de saúde e as unidades de saúde familiar e ainda prevê uma necessidade de formação", criticou igualmente a Asssociação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar. Rui Nogueira, vice-presidente desta associação, admitiu mesmo ao jornal i que a associação poderá alinhar na recomendação do princípio de dever de escusa, proposta avançada pelo SIM neste fim-de-semana. O sindicato avisou que vai recomendar aos médicos de família que se recusem a fazer estas consultas, uma vez que não têm formação necessária.
O Ministério da Saúde adianta que a portaria foi elaborada por técnicos da Direcção-Geral da Saúde "altamente conhecedores desta problemática" e nota que "as centrais sindicais foram ouvidas através do Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social".