“É mais importante vir aqui apanhar um pouco de sol com a família”
Não faltaram razões para a abstenção entre os portugueses que encheram neste domingo os centros comerciais. A desilusão com os políticos era uma delas, mas também com o sistema, que exclui as pessoas. Se todos pudéssemos votar cada lei, através da internet, então, defendem alguns, valeria a pena participar.
Carlos está desempregado, à espera da reforma. Foi empregado comercial, chegou a gerir o seu próprio negócio. “Tive ambições na vida. Acreditei neste país. Tudo falhou. Hoje, sinto-me enganado. Não votar é uma das formas de conseguir manter a cabeça levantada”.
Retail Park da Coina, Barreiro, três da tarde. Sónia Bernardo, 38 anos, técnica de conservação e restauro, está a ganhar coragem para ir até à estação de voto. Resta-lhe um vago sentido de obrigação, mas pouca vontade. Votar não é só o acto de preencher o boletim, é todo um processo de empenho e interesse. Quando se falharam esses primeiros passos, é mais difícil dar o último. Sentada ao sol com o marido e o filho de cinco anos numa esplanada em frente ao Aki, Sónia ainda admite cumprir o ritual. Se o fizer, levará a indecisão até ao último minuto. “Ainda não sei em quem votar. Decido quando chegar lá, em frente ao boletim de voto. Não conheço bem todos os partidos, eles não informaram bem as pessoas. Ganhe quem ganhar, não fará qualquer diferença. E os partidos novos que surgiram, parece-me que são apenas algumas pessoas a tentar arranjar emprego”.
Marco Bernardo, 38 anos, técnico de logística, marido de Sónia, parece já ter decidido pelos dois. “Está-se aqui tão bem ao sol”. Vai abster-se, não por preguiça, nem desinteresse, mas porque deixou de acreditar no sistema. “A política é um negócio”, diz. “Se a ideia é que o povo participe nas decisões, então por que não põem cada uma delas à votação? Hoje, com a internet, seria muito fácil. Acho bem que os deputados redijam as leis, mas depois, em vez de as votarem no parlamento, colocavam-nas à consideração dos eleitores. Através da internet, diríamos se concordávamos ou não”.
Tal como existe hoje, o sistema não é para levar a sério. “Se Deus me ajudar, não vou lá hoje votar”, diz Marco. “É mais importante vir aqui apanhar um pouco de sol com a família”.
Centro Comercial Colombo, quatro e meia da tarde. Rita Fernandes, 40 anos, reformada por invalidez, não vota desde o tempo de António Guterres. “Os grandes interesses económicos controlam os partidos”, explica ela. “É verdade que não conheço bem os candidatos. Mas isso é porque há muito perdi o interesse. Não me informei. Talvez seja erro meu. Mas sinto-me muito desiludida com os governos dos últimos anos. Tanto de esquerda como de direita. Não lhes noto qualquer diferença. Por isso prefiro vir para aqui conversar”.
Rita está sentada na zona da restauração do Colombo, com a avó e um amigo da avó. A toda a volta não há uma mesa livre, o centro comercial está repleto e frenético. Rita gosta de vir até aqui passar os seus tempos livres. Também costuma frequentar o centro comercial Vasco da Gama. “Não acho que estas eleições sirvam para alguma coisa. Bruxelas é uma terra muito distante. As eleições locais são as únicas que interessam, hoje em dia”. Em Alvalade, onde Rita reside, a junta de freguesia têm estado a submeter os seus orçamentos à aprovação dos moradores, explica ela. “Acho isso muito positivo. As pessoas deveriam ter uma participação mais activa na política local, nas coisas que lhes dizem respeito. E na política nacional deveriam ser chamadas a participar na escolha dos líderes partidários. Eles deveriam ser eleitos por quem quisesse votar. Só assim seriam políticos credíveis. Tenho muita pena de lhe estar a dar estas respostas, tenho mesmo muita pena”.
Mafalda Girão, 25 anos, um mestrado recém-concluído em Neurociências com média de 19, talvez ainda vá votar. Talvez. Mas todos os argumentos que apresenta vão no sentido contrário. “As pessoas que elegemos não fazem nada. Não melhoramos. A mim, faz-me impressão. Aquelas pessoas fazem promessas, e depois não cumprem. O país confia nelas, mas não fazem nada. Não há um sentido de responsabilidade”.
Mafalda e a amiga da mesma idade, Joana Correia, vêem com agrado uma mudança para um sistema mais participativo, em que as pessoas pudessem votar as grandes decisões, pela internet. “Sentir-me-ia mais incluída”, diz Mafalda. Joana subscreve.
O sentimento de exclusão rouba a vontade de participar, ou alimenta-a, no caso dos mais teimosos. É um dilema do país que Ermelinda e António Vicente, 60 anos cada um, instalaram no seio do casal: ele foi votar, ela ficou no carro à espera. “Estou farta! Farta!”, diz Ermelinda. “O voto não adianta nada. Estou desiludida. É a primeira vez na vida que não voto. Mas nada me convenceu. Não quis saber dos programas nem dos candidatos. Não ouvi nada, não sei nada”. António, funcionário dos Correios, concorda em tudo com a mulher, auxiliar numa escola infantil. Mas foi votar. “Para lhes fazer ver que estou descontente”.
Supermercado Lidl de Xabregas, seis e meia da tarde. Gabriela Pimenta, 43 nos, desempregada, veio comprar pão e cervejas. Não sabia que havia eleições. “Vi na televisão, mas não me lembrei que era hoje. A política não é para mim. Os políticos não querem saber de mim, eu pago-lhes na mesma moeda. Tenho dois filhos e não tenho dinheiro para lhes dar uma refeição decente. Não voto, mas se votasse era naquele advogado que não tem medo de dizer a verdade na cara das pessoas”. Gabriela refere-se a Marinho e Pinto, mas não conhece nenhuma das suas propostas. O importante é ter coragem de “dizer a verdade na cara das pessoas”. É apenas isso que Gabriela, se por acaso se tivesse lembrado do dia das eleições, esperaria de alguém que a representasse no Parlamento Europeu.