Combate político passa hoje dos Estados para o nível europeu em torno da sucessão de Durão Barroso
Uma possível aliança entre o PPE e os socialistas poderá fornecer a porta de saída de que os líderes precisam para sair do actual dilema e avançarem com um nome alternativo para presidir à Comissão.
O desentendimento opõe o Parlamento Europeu (PE) e os chefes de Estado ou de Governo dos 28 e vai estalar, mesmo se por enquanto em surdina, já na terça-feira, quando as duas instituições se reunirem, cada uma por si, para analisar o resultado das eleições e começar o processo de escolha do futuro presidente da Comissão, que iniciará funções a 1 de Novembro.
Se os membros do PE têm as ideias claras, os líderes europeus estão mergulhados no maior embaraço, de tal forma que nenhum nome para suceder a Barroso sairá do seu jantar informal de terça-feira.
Quanto muito, Herman Van Rompuy, que preside à reunião, deverá receber um mandato dos 28 para consultar o PE sobre um nome consensual para as duas instituições.
O dilema resulta de uma ambiguidade do Tratado de Lisboa, de 2009, segundo o qual cabe aos líderes escolher o presidente da Comissão, embora tendo “em conta” o resultado das eleições europeias e em consulta com o PE, tendo o escolhido de ser aprovado por uma maioria absoluta dos eurodeputados – 376 num total de 751.
Este poder de confirmar – ou rejeitar – a escolha dos Governos levou as grandes famílias políticas europeias (que juntam os partidos políticos nacionais em grupos parlamentares consoante a cor política) a tentar apropriar-se do direito de escolher o sucessor de Barroso.
Cada partido europeu indicou assim um candidato formal ao posto, garantindo aos eleitores que o nome indicado pelo grupo parlamentar mais votado será o próximo presidente da Comissão.
Toda a campanha nos 28 países, que contou em muitos casos com a participação dos candidatos-chefes de fila foi assim feita com a promessa de que ao votarem nos seus partidos nacionais, os eleitores estarão igualmente a participar na escolha do futuro presidente da Comissão Europeia. A promessa resulta de uma tentativa de aumentar a taxa de participação eleitoral na UE que, em 2009, se ficou nos 43%.
Entre os cinco candidatos aos posto, só os chefes de fila das duas maiores famílias políticas – PPE (democratas-cristãos / conservadores) e socialistas – é que poderão, realisticamente, aspirar ao cargo: Jean-Claude Juncker, ex-primeiro ministro do Luxemburgo e ex-presidente do eurogrupo (ministros das finanças do euro) e Martin Schulz, presidente – alemão – do PE, respectivamente.
O problema é que a maioria dos Governos da UE – incluindo a Alemanha e Reino Unido – recusa terminantemente abdicar da sua prerrogativa de nomeação do presidente da Comissão.
Pior ainda, nenhum dos candidatos suscita grande entusiasmo entre os líderes, mesmo se, entre os dois, Juncker é o menos problemático. Ao invés, ao longo de dois anos de presidência do PE, Schulz foi-se tornando cada vez mais impopular, incluindo entre os líderes socialistas, como o presidente francês, François Hollande.
Aliás Angela Merkel, chanceler alemã, só cedeu à ideia de avançar com Juncker enquanto chefe de fila do PPE para tentar neutralizar a candidatura de Schulz e, mais ainda, com a esperança secreta de que os dois candidatos se anulassem mutuamente. O que é precisamente o que poderá vir a acontecer.
Mesmo se não querem abdicar de um poder que lhes é dado pelo Tratado, vários Governos reconhecem apesar de tudo a dificuldade extrema que representará escolherem um presidente da Comissão que vá contra a vontade do PE. Isto porque uma eventual recusa do candidato dos Governos pelos eurodeputados abrirá uma séria crise institucional numa altura em que a UE precisa de se concentrar na resolução da crise económica e social em que está mergulhada.
“Há uma dinâmica que se gerou em torno dos candidatos e que vai ser muito difícil de contrariar”, reconhece um alto responsável europeu.
Guy Verhofstadt, líder dos liberais no PE e respectivo candidato à Comissão, garante que se os líderes escolherem um presidente que não seja um dos cinco chefes de fila será “o fim da democracia europeia durante 20 ou 30 anos”. Além disso, garantiu há um mês em entrevista ao PÚBLICO, “nunca haverá uma maioria” no PE para aprovar um nome alternativo.
Verhofstadt teria razão na eventualidade de um dos dois grandes partidos conseguir uma maioria absoluta nas eleições de hoje ou, pelo menos, um resultado a grande distância do segundo lugar. Os dois cenários estão totalmente excluídos: segundo as sondagens, o mais provável é o PPE e os socialistas atingirem resultados muito próximos, com uma diferença muito curta de deputados.
Mais: segundo todas as previsões, a única maioria parlamentar que será possível constituir no próximo PE – essencial para permitir a aprovação da legislação europeia em que os eurodeputados têm cada vez mais poder (em conjunto com o Conselho de ministros dos 28) – será baseada numa aliança permanente entre o PPE e os socialistas para a legislatura que arranca a 1 de Julho.
Esta aliança poderá fornecer a porta de saída de que os líderes precisam para sair do actual dilema e avançarem com um nome alternativo para presidir à Comissão. A lógica deste cenário é que tendo os dois maiores grupos de se aliar, os respectivos candidatos à presidência da Comissão se anularão mutuamente em favor de um nome consensual para ambos.
É neste contexto que a francesa Christine Lagarde (PPE), directora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI) é uma das possibilidades que tem vindo a circular como possível alternativa.
Apesar disso, o nome que mais tem vindo a progredir na reflexão dos Governos, muito em segredo, é o da primeira ministra – socialista – da Dinamarca, Helle Thorning-Schmidt.
Outros governantes gostariam de ser contemplados, como os primeiros-ministros da Finlândia, Polónia e Irlanda, Jyrki Katainen, Donald Tusk e Enda Kenny, respectivamente.
O imbróglio só terá uma solução lá para meados de Junho.