Quase dois terços dos professores admitem que a motivação para estar na escola diminuiu nos últimos anos

Fenómeno revelado por estudo pioneiro da Universidade do Minho começou no anterior Governo. Projecto traçou um retrato de uma escola burocrática na qual os docentes se sentem cada vez menos realizados.

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Estudo sobre professores começou em Janeiro de 2011, apanhando o período de vigência do memorando JOSÉ FERNANDES

A ideia de que a classe docente estava hoje desmotivada em face das alterações introduzidas no exercício da profissão pelos últimos dois governos tem sido apontada por sindicatos de professores e dirigentes escolares. “O nosso contributo é que agora há evidência empírica, que nos permite ter uma leitura mais abrangente e uma maior compreensão sobre o que é o trabalho docente e como foram eles afectados”, defende Maria Assunção Flores, coordenadora desta investigação.

Os resultados finais do projecto TEL – Teachers Exercising Leadership (“Os professores e o exercício da liderança”) são apresentados esta sexta-feira, no campus de Braga da Universidade do Minho, e lançados em livro ("Profissionalismo e Liderança dos Professores"), num seminário sobre Profissionalismo Docente, no qual estará presente David Frost, professor da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, que foi consultor do trabalho.

Nas conclusões são identificadas duas grandes tendências: a intensificação e a burocratização do trabalho dos professores, bem como a precariedade laboral e o empobrecimento dos docentes. Os números apurados são elucidativos: 61,6% admite que a sua motivação tem vindo a diminuir, desde 2009. No mesmo sentido, 45,5% dos professores inquiridos consideravam que a sua motivação era moderada, ao passo que 17,4% a consideravam baixa, havendo um grupo que admita ser muito baixa (5,4%).

O estudo começou em Janeiro de 2011, pelo que apanhou todo o período de vigência do memorando de entendimento, mas uma vez que o inquérito aos docentes foi aplicado no primeiro semestre de 2012, os dados dizem respeito a um período anterior ao do pedido de ajuda estarna de Portugal, até 2009. Nesse período, 44,5% dos professores dizem que a sua realização profissional também decaiu, ainda que o número dos que dizem que esta se manteve seja muito aproximado deste (41,7%).

Outras das conclusões a que chegaram os investigadores do projecto TEL é que “o trabalho e a condição docente se deterioraram” nos últimos anos. Para tal contribuíram “mudanças ao nível das políticas e da administração do sistema educativo” como Estatuto da Carreira Docente ou a Avaliação do Desempenho, explica Maria Assunção Flores, que é também presidente da Associação Internacional de Estudo dos Professores e do Ensino e a da direcção do Conselho Internacional da Educação para o Ensino.

Quase a totalidade dos professores considera que a burocracia nas escolas aumentou – 95,4% concordam ou concordam totalmente com a afirmação. O número sobre ainda mais (96,7%) quando a questão colocada se prende com o aumento da carga de trabalho. Três quartos defendem também que aumentou o controlo sobre o seu trabalho e apontam também críticas à comunicação social: 90% dizem que a informação veiculada pelos media tem diminuído o prestígio da profissão docente.

As palavras dos professores são também elucidativas: falam em “tsunami legislativo”, “legislação mirabolante”, a “imagem desgastada” e o “massacre sistemático” da comunicação social e da sociedade. Segundo os professores, a desvalorização da profissão acontece também ao nível das instâncias políticas, influenciando negativamente as relações dos professores com os alunos e as famílias e destes com a escola.

O projecto TEL foi financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e partiu de um inquérito por questionário aos professores a nível nacional em que participaram quase 3000 docentes, desde o pré-escolar ao ensino secundário. Os resultados foram depois aprofundados numa segunda fase da investigação, com trabalho no terreno, com entrevistas a professores, directores e alunos, em 11 escolas de todo o país.

Um “último reduto” na sala de aula
Traçado o retrato de uma classe profissional vencida, havia uma pergunta a que Maria Assunção Flores, a coordenador do estudo “Os professores e o exercício da liderança” queria encontrar resposta: O que move os docentes neste momento. “Percebi que a situação que é vivida, não paralisa os professores”, diz ao PÚBLICO a investigadora.

Entre os inquiridos, 66,8% garantem que o seu empenho se manteve, apesar da falta de motivação. No contacto com os docentes nas 11 escolas do país onde fez trabalho de campo encontro exemplo de resiliência. “Apesar da desmotivação os professores permanecem comprometidos com os alunos e a sua aprendizagem. A sala de aula e o contacto com os alunos é o local onde vão encontrar motivação para continuar a trabalhar todos os dias, uma espécie de “último reduto” da sua autonomia, profissionalismo e realização profissional, defende.

A investigadora destaca ainda a “liderança” e o “profissionalismo” dos professores como aspectos positivos a reter deste trabalho: “Há uma ênfase na ética de cuidado, o que se relaciona com a sua preocupação central com a aprendizagem e o bem-estar das crianças e dos jovens”.

Maria Assunção Flores deixa também algumas recomendações no livro que é apresentado esta sexta-feira, com as conclusões das investigações. Para a especialistas, a investigação demonstrou que os professores diversificam e, nalguns casos, “até aumentam” os níveis e os modos de expressão do profissionalismo e do exercício da liderança num contexto de crise na profissão.

Por isso, defende que é necessário ultrapassar uma visão redutora e parcial que tende a focalizar-se nos aspectos episódios e negativos do ensino e das escolas e de se “fazer jus à riqueza de projetos e atividades” que são desenvolvidos pelos alunos e professores. “Os desafios da escola e do profissionalismo e liderança dos professores são difíceis, complexos e exigentes e, por isso, devem ser apoiados e estimulados no sentido da melhoria da escola e das aprendizagens”, defende.

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