"É preciso aumentar os níveis de sucesso da recuperação de empresas"
O presidente do Iapmei, Miguel Campos Cruz, avança que uma das ideias em estudo é colocar “mentores” a apoiar os planos para viabilizar negócios em dificuldades.
Assume funções numa altura em que a economia começa a dar alguns sinais de recuperação. Isso traz desafios diferentes aos que se impuseram ao Iapmei nos últimos anos?
Temos desafios adicionais, nomeadamente no que diz respeito a capitalização de empresas, à necessidade de as empresas fazerem novos investimentos de natureza produtiva, com carácter inovador. Desse ponto de vista, os desafios que vão aparecendo em matéria de financiamento às empresas são completamente diferentes. Adicionalmente, coincide com o momento em que temos uma alteração do quadro comunitário e numa altura em que, para o estabelecimento do acordo de parceria [entre o Governo e a Comissão Europeia], foi preciso desenvolver um trabalho em articulação com várias entidades.
Como avalia, no novo quadro comunitário, a mudança de estratégia que privilegia mais os incentivos às PME?
É importante esse tipo de focalização. E estes incentivos têm de estar muito concentrados em duas áreas-chave: a promoção de empreendedorismo e a capacitação de empresas, no que toca à inovação, investigação e desenvolvimento. A nossa intenção é que estas duas grandes linhas sejam concretizadas isoladamente ou em ligação às entidades do sistema científico e tecnológico.
O Portugal 2020 introduz uma lógica de avaliação intermédia dos projectos. Há algum risco de concentração dos investimentos em algumas empresas, pelo facto de a meio do programa poderem receber mais fundos?
Não creio. Em primeiro lugar, os fundos destinados às empresas vão ter objectivos muito concretos e avaliações de mérito de projecto. Há com certeza empresas que podem vir [buscar fundos] mais do que uma vez, mas isto deve pressupor uma grande capacidade de avaliar as capacidade adicionais apresentadas pelas empresas. Adicionalmente, deve haver um nível de simplificação de natureza administrativa que nos permita fazer um acompanhamento cada vez mais profundo dos investimentos realizados. No actual quadro comunitário, houve cerca 13.500 projectos aprovados. Em matéria de acompanhamento, há projectos que têm naturalmente de ser privilegiados. Esta possibilidade de simplificar, de tornar ainda mais transparente, mais clara a forma como os projectos são avaliados traz uma crescente capacidade de alargar a base de projectos que podem ser apoiados.
Foi criado um grupo de trabalho para simplificar a aplicação do Portugal 2020. Que medidas serão tomadas?
Já há muitas medidas que estão a ser trabalhadas. Uma delas tem a ver com os chamados custos de referência no âmbito da investigação e desenvolvimento: um exemplo típico será a contratação de um conjunto de professores universitários que vão, durante um determinado período de tempo, trabalhar numa empresa; não estamos de todo interessados em andar a ver recibos de vencimento, descontos para a Segurança Social, etc. Podemos utilizar um conjunto de custos de referência que auxiliem a empresa no tipo de informação que nos tem de prestar.
O novo quadro prevê reembolsos de fundos caso as empresas não cumpram os objectivos. Há algum risco de bons projectos não irem a jogo?
Não creio. Já hoje temos um conjunto de objectivos, de grelhas de avaliação de mérito. Se os objectivos não são cumpridos, fazemos cair esses projectos. O que está em causa é tornar este exercício mais transversal, mais claro, com uma métrica que seja apresentada a priori, que seja mais clara para os promotores. Não creio que isso signifique que haja mais empresas que não vão a jogo. Nada impede que um determinado projecto aprovado – e que por algum motivo não conseguiu ter as condições adequadas para executar o projecto nos prazos previstos – não possa depois vir apresentar esse projecto, reunidas essas condições.
Um dos problemas centrais das empresas é o endividamento excessivo. Que caminhos vão ser seguidos no plano que está a ser fechado pelo Governo, em articulação com o Iapmei?
Algumas coisas foram sendo feitas ao longo do tempo: a criação das linhas de crédito foi algo que se revelou particularmente importante numa determinada altura. Ao longo do tempo, houve um alargamento das maturidades. É verdade que temos vindo a trabalhar com vários agentes, incluindo os ministérios das Finanças, Economia, Justiça, no sentido de reformular os instrumentos em matéria de capitalização de empresas. Uma das coisas que está em cima da mesa é a criação da Instituição Financeira de Desenvolvimento, que tem a capitalização como um dos pressupostos-base.
A criação desta instituição vem esvaziar alguma atribuição do Iapmei?
Não. O cerne da actuação do Iapmei é a proximidade às empresas. O Iapmei trabalha para instrumentos em conjunto com entidades que eram suas participadas. A Instituição Financeira de Desenvolvimento vai agregar um conjunto destes instrumentos e vai ser um utilizador das verbas do próximo quadro comunitário, nas dotações para a engenharia financeira. Desse ponto de vista, o Iapmei vai trabalhar com a instituição financeira tal como trabalhava com estas suas participadas. Não há nada que possa intuir algum tipo de esvaziamento.
Uma das críticas da Comissão Europeia e do FMI foi o facto de ainda não estar muito claro o papel do banco de fomento. Para si, isso está claro?
Vários membros do Governo têm vindo a apresentar questões relativamente importantes sobre o funcionamento da Instituição Financeira de Desenvolvimento. É óbvio que, neste momento, não foi apresentado o seu modelo de financiamento, mas muito já foi dito sobre esta matéria.
Mas o plano que está a ser desenhado vai mais longe, prevendo também a reformulação de mecanismos de recuperação de empresas.
Na última avaliação da troika, foram levantadas algumas questões sobre o Processo Especial de Revitalização (PER) e sobre o Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (Sireve). O potencial de acesso a estes instrumentos face ao nível de endividamento das empresas levanta um conjunto de preocupações. Precisamos de trazer as empresas mais cedo a estes instrumentos. Muitas já vêm num estado financeiro em que a recuperação é extremamente difícil. Isto tem consequências na nossa capacidade de recuperação e na utilização de instrumentos subsequentes, como o Revitalizar [fundo de apoio a empresas com potencial].
Por que é que as empresas não recorrem mais cedo?
Há uma tendência dos gestores para ir resistindo, ir substituindo dívida, tentando aguentar. Há aqui uma questão de natureza cultural, com certeza. Temos de trabalhar um sistema de alerta que permita tornar a gestão mais consciente e recorrer a estes instrumentos mais cedo.
Nesse sistema de alerta, que indicadores serão tidos em conta e quem vai vigiá-los?
É preciso olhar para um conjunto de indicadores e avaliar se há algum tipo de risco. Tem de ser uma actuação articulada entre vários agentes, nomeadamente o Ministério da Economia e das Finanças. Há um conjunto de agentes que estão a trabalhar no sentido de haver partilha de informação e criar um sistema de alerta precoce.
Esse sistema de alerta também vai avisar os credores?
O importante é informar as próprias empresas. O objectivo é ter as empresas a recorrer mais cedo aos instrumentos.
Se o alerta disparar, as empresas vão ser obrigadas a tomar medidas?
Será uma questão de decisão política. Vemos as empresas muito concentradas na capacidade de satisfazer a procura, na abordagem a determinados mercados, e em muitos casos ignorando um conjunto de outros indicadores. É essencial tornar a decisão de gestão mais consciente sobre o momento em que é preciso pedir ajuda, independentemente de ter ou não potencial de mercado.
Mas que indicadores são esses?
Dívida versus o volume de negócios, por exemplo.
A troika tem sido muito crítica do PER e do Sireve. Estes instrumentos têm de se tornar mais atractivos? No Sireve não houve propriamente um boom de adesões.
Até Abril, no Sireve, estamos a falar de 400 processos, dos quais 200 foram concluídos, com cerca de 6000 postos de trabalho associados. No PER, houve cerca de 1700 pedidos e 1100 concluídos, que abrangem 17.500 postos de trabalho. Os números do Sireve aumentaram um pouco, mas não houve um boom. Temos de trabalhar os próprios planos de recuperação e a sua sustentabilidade. A atractividade de um instrumento como o PER, que é um mecanismo de renegociação de dívida para recuperação, depende se os credores acreditam ou não na recuperação da empresa. A atractividade tem muito a ver com a taxa de sucesso. Aquilo em que temos de trabalhar é na segmentação na área da recuperação entre as empresas de micro dimensão e as maiores para haver um tratamento diferenciado.
Haverá um PER específico para microempresas?
Esta segmentação é mais a pensar no Sireve, porque há um potencial de negociação com parcelas de credores. Mas é uma ideia em laboração, que resulta dos comentários feitos pela troika. No Sireve, 85% são micro ou pequenas. Isto pode dar-nos algumas pistas sobre a introdução dessa diferenciação.
Como vê as críticas da Comissão Europeia aos constrangimentos de capacidade do Iapmei para lidar com tantos processos?
Quando olhamos para nível de dívida das empresas e se isso corresponder a um aumento do recurso a estes instrumentos, nessa altura, esta capacidade mediadora do Iapmei tem os seus limites. Qualquer entidade da administração pública tem, neste momento, constrangimentos na utilização de recursos. Outra questão que temos de trabalhar, e isso tem consequências na capacidade de gestão destes projectos, tem a ver com os níveis de selectividade nas aprovações. É preciso fazer adaptações para impedir que processos que não tenham outra solução que não a insolvência estejam a recorrer a instrumentos como o PER [que é destinado a empresas pré-insolventes].
Neste plano há alguma alteração relacionada com a administração fiscal, já que há empresas que se queixam que é o Estado que está a bloquear planos de recuperação?
Quer o fisco, quer a Segurança Social têm sido parceiros activos nos processos de recuperação. Na generalidade dos processos, as dívidas a entidades de natureza pública não representam em média mais do que 7% a 10%. O fisco, como qualquer outro credor, actua muito em função se acredita ou não na recuperação.
Nunca teve conhecimento de algum caso em que, apesar da qualidade do plano de recuperação, o fisco se tenha oposto?
Não, não há qualquer tipo de obstaculização por parte nem do fisco, nem da Segurança Social. Por princípio, não há. Tudo tem a ver com a credibilidade que o credor atribui ao plano de recuperação.
A este nível nada será alterado portanto.
Uma das questões que temos de trabalhar é a solidez dos planos e isso pode significar estabilizar actuações de credores de uma determinada maneira. Não estou a dizer que não se deva repensar estas questões, mas o cerne da questão está no próprio plano e não nos credores. Temos de conferir a este processo cada vez mais nível de segurança, de credibilidade.
No PER, estes planos são feitos pelos administradores de insolvência. Está a dizer que poderá haver uma maior participação do Iapmei?
Não obrigatoriamente do Iapmei. Tal como no empreendedorismo apostamos tanto em lógicas de mentoring [aconselhamento empresarial dado por um mentor], é preciso algum tipo de acompanhamento para a preparação destes planos, mas isso não quer dizer que seja necessário alterar a posição relativa dos gestores de insolvência.
Criar a figura de um mentor não é o mesmo que dizer que os administradores de insolvência não estão a fazer bem o seu trabalho?
Não, não é esse o ponto. Como muitas empresas recorrem muito tarde aos instrumentos, os planos são feitos em função da situação da empresa. Não estou a discutir a credibilidade dos planos. O que estou a dizer é que temos de alargar o número de planos credíveis e de aumentar a sua sustentabilidade. Isto significa que temos de ter um efeito de massa crítica. Mais empresas a vir mais cedo significa que temos de as trabalhar com mais cuidado. E isto não tem a ver exclusivamente com o PER, mas também com o Sireve. É preciso aumentar os níveis de sucesso. Não é nenhuma crítica a nenhum dos envolvidos.
Esse acompanhamento poderá ser feito por que entidade?
É uma questão que vamos ter de pensar porque é obviamente complicada, do ponto de vista legal, de conflitos de interesses.
Em relação aos fundos Revitalizar, há alguma alteração que esteja a ser pensada?
Os fundos Revitalizar são uma criação relativamente recente, estão a evoluir bem, as operações têm vindo a crescer. Neste momento, nos fundos que foram criados, não está pensada nenhuma alteração.
Nem haverá um reforço da dotação inicial de 220 milhões?
Isso já tem a ver com a possibilidade de criação de fundos adicionais. Sobre estes fundos que foram criados não há, para já, nada pensado. Obviamente que, se estivermos a falar de um plano de adaptação aos instrumentos como o PER e o Sireve, a questão do financiamento tem obviamente de estar envolvida nesta discussão. Em função daquilo que venha a ser o desenho de uma alteração da actuação futura, poderá eventualmente ser equacionado algum tipo de abordagem adicional em termos de fundos. Mas, por enquanto, não há nada definido nesta matéria.