Começar de novo

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Missão de Antoine Defoort e Halory Goerger neste espectáculo: criar uma nova história do mundo BEA BORGERS

É costume dizer-se que há os que têm graça e os que são engraçados. Mas depois de os termos visto a fazer música com plantas, a dinamitar o mundo a partir de acordes de guitarra, a exlorar a diversidade narrativa e discursiva no encontro entre as artes plásticas, a ciência e o teatro, ainda não sabemos em que categoria colocar Antoine Defoort e Halory Goerger, os multifacetados performers e encenadores franceses que parecem a resposta “belga” ao britânico humor deadpan. Desde a primeira vez que nos cruzámos com eles, em 2005, numa salinha do Théâtre de la Balsamine, em Bruxelas — numa versão ainda primária de La La Ré, onde se divertiam a brincar com O Desprezo, de Jean-Luc Godard — até Germinal, o blockbuster que os levou a tudo quanto é lado e agora chega a Lisboa, vai um percurso que procura construir outros modos de comunicar.

Germinal, que veremos no Alkantara na próxima semana (dias 23 e 24 às 21h30; dia 25 às 19h, no Maria Matos) talvez seja o momento em que a dupla conseguiu finalmente chegar à utopia desse novo mundo que já havia demonstrado, por exemplo, em Cheval (2007) e &&&&& & &&& (2008), com passagens pelas edições 2010 e 2012 do festival. Agora tudo parece ser um bocadinho diferente. Os rapazes não se dirigem directamente ao público, não o convocam como se dele fizessem depender o sucesso (íamos escrever o truque, a ilusão, mas eles não parecem rir de si mesmos da mesma forma) deste espectáculo com que ambicionam criar uma nova história do mundo.

Entre a perplexidade e o entusiasmo, diziam no Verão passado, quando o espectáculo se apresentou no Festival de Avignon, em França, onde o Ípsilon o viu: “O que nos interessava não era pôr em causa a história do mundo, mas modelar alternativas que partissem, realmente, do zero, fazendo alusão a uma série de momentos-chave.” O projecto ambicioso de contar a história do mundo surge assim condicionado, reconhecendo os seus limites. É como se a ficção tomasse conta da realidade para tentar perceber de que forma a realidade é, também ela, uma construção. São os próprios Defoort e Goerger a assumir que Germinal é um espectáculo de teatro feito por artistas plásticos — o que, não sendo uma novidade, não é um detalhe de somenos importância. “Em boa verdade, não inventamos nada. A luz que descobrimos, por exemplo, é a luz teatral. A matéria que inventamos é o pensamento. As primeiras interacções nascem de uma necessidade de comunicação entre indivíduos.” E por aí fora, até o teatro acreditar de tal forma que é a realidade que o público, antes meramente espectador, se transforma, pelo medo com que reage ao que se vai descobrindo em palco. “O que inventámos neste espaço tipicamente teatral é determinado por um conjunto de comportamentos e, assim, torna-se uma linguagem comunicante e um sistema de jogo: rapidamente o que era um espectáculo sobre a criação do mundo torna-se, paralelamente, um projecto sobre a história do teatro.”

Se Germinal existe para lá da margem de improvisação que caracterizava os espectáculos anteriores, em que se fingia inusitada mas rapidamente era integrada, tal parece dever-se à responsabilidade de determinar o que é da ordem da ficção e o que é da ordem da realidade. Há um lado anárquico que, se legitima a destruição do cenário, é compensado por um desejo de clareza e de comunicação que antes não existia. “Pela primeira vez temos um texto escrito”, confessam. Esse catálogo de situações exploráveis deu origem aos fragmentos que testam em palco. O que daqui resulta não é tanto um teatro reivindicativo quanto um espaço de observação e de aprendizagem. É como se quisessem voltar ao início — mas agora pondo de lado o cinismo e ouvindo o que está à sua volta.

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