Um especialista em finais com um trauma do tamanho da Europa
Pelo segundo ano consecutivo, o Benfica deixou fugir por entre os dedos a conquista da Liga Europa. Deixou correr o jogo e permitiu que fosse Beto a ditar a lei.
Antes do apito inicial, as câmaras estavam apontadas às bancadas, com os adeptos a puxarem dos galões: os do Benfica exibindo uma faixa com o troféu da Liga Europa, o Sevilha um motociclista com a mensagem: “Voltámos”. Mas nem os andaluzes entraram de mota, nem os “encarnados” evidenciaram a dimensão europeia de outras noites. Calculistas, as duas equipas provaram, durante quase toda a primeira parte, que tinham feito o trabalho de casa. Anular os pontos fortes do adversário. 20 valores para cada.
O Sevilha, de resto, deu a provar ao Benfica um pouco do seu veneno. Com uma defesa muito subida, devidamente auxiliada por Daniel Carriço e Mbia sempre que Coke se aventurava no corredor direito, tirou espaço de manobra ao meio-campo contrário. A desinspiração de Ruben Amorim e a discrição de André Gomes também não ajudavam e a equipa ficava dependente de um rasgo individual. Gaitán ia tentando na esquerda, Sulejmani na direita.
E até foi o sérvio a dar nas vistas. Ele, que saiu da “toca” graças aos castigos de Salvio e Markovic, foi dos poucos sem receio de assumir o jogo. E pagou um preço alto por isso. Aos 11’ foi rasteirado por Fazio, num lance que resultou no primeiro amarelo do jogo, um minuto depois sofreu uma entrada dura de Moreno, que não ficou atrás do companheiro de equipa no capítulo disciplinar. Sulejmani já tinha a noite estragada. Lesão no ombro, ainda alguns minutos em campo e a inevitável substituição aos 24’.
A sorte não estava do lado do Benfica. Caía por terra a terceira opção para a ala direita e Jorge Jesus não quis arriscar demasiado. Em vez de Ivan Cavaleiro, lançou André Almeida para o lado direito da defesa e colocou Maxi na posição na qual começou a carreira. Sem que tenha produzido nada de significativo até então, acabou mesmo por ser o uruguaio a dispor da melhor ocasião do primeiro tempo, já em cima dos 45’. Vólei de Ruben Amorim para a área, diagonal de Maxi e um frente-a-frente relâmpago com Beto: desvio subtil, defesa aparatosa.
Esses últimos cinco minutos, de resto, foram os melhores do Benfica no jogo. Rodrigo testou novamente os reflexos do guarda-redes português pouco depois e antes tinha sido uma boa triangulação Gaitán-Rodrigo-Maxi a colocar a defesa do Sevilha em sentido. Algo que os andaluzes só por uma vez conseguiram fazer do lado contrário do relvado e logo aos 6’, com um cruzamento da esquerda que só não encontrou os pés de Carlos Bacca porque a classe de Garay falou mais alto.
A segunda grande ocasião do Sevilha chegou com o início do segundo tempo, quando Rakitic, com o seu futebol cirúrgico, tirou partido da defesa em linha do Benfica com um passe no limite, deixando Reyes quase num mano a mano com Oblak. Valeu o carrinho de Luisão a perturbar o remate, que saiu ao lado.
O Benfica, porém, também já tinha feito das suas, num arranque que foi quase tão produtivo a nível ofensivo como todo o primeiro tempo. Maxi ganhou um lance na direita, levantou a cabeça, viu Lima desmarcar-se no flanco contrário, ofereceu-lhe o golo de bandeja, mas o brasileiro dominou mal e rematou já em esforço.
Lembram-se do registo pausado e monótono dos primeiros 45’? Da exclusiva preocupação de nenhuma das muralhas se desorganizar? Parecia já uma memória distante. Duas equipas exímias no contra-ataque passavam a ter o palco de que precisavam para fazer a festa. Aos 59’, uma perda de bola infantil de Ruben Amorim deixou o Sevilha num dois-para-um com meio campo para galgar. Maxi estorvou e Amorim, que foi lá atrás emendar a mão, impediu um passe de morte para Bacca.
O Sevilha percebia que também conseguia fazer estragos numa defesa que costuma ser de betão e pôs Oblak à prova em duas ocasiões, obrigando os “encarnados” a refrearem os ânimos e a pensarem duas vezes antes de quererem sair precipitadamente em ataque organizado. O Benfica, já o tinha provado uma vez, precisava de variar com precisão o flanco de jogo para apanhar o adversário em contrapé e foi assim que, aos 71’, Maxi ofereceu novamente o golo a Lima. Na finalização, mais do mesmo. Com a diferença de desta vez nem ter acertado na bola.
Tudo na mesma no marcador, tudo diferente na intensidade colocada em campo. Unai Emery decide então mexer nas alas, ao trocar Reyes por Marin (que ainda seria substituído por Kevin Gameiro). O alemão viu então Lima voltar a estar perto do golo, com uma bomba de fora da área que Beto anulou com uma defesa tão vistosa quanto eficaz. Depois foi a vez de Garay, de cabeça, atirar por cima da trave quando o guarda-redes já estava fora da jogada. Faltavam cinco minutos para os 90'. Garay rematou por cima aos 91’. Prolongamento, que uma final sem contornos dramáticos não é final que se preze.
Reinício morno, com as pernas já a pesarem. Sai Siqueira aos 9’ do tempo suplementar, entra Cardozo. André Almeida passa para o lado esquerdo da defesa, Maxi regressa à base. Tudo recomposto e ocasião de golo para o Sevilha, justamente nas costas de Almeida: Bacca corre, corre como Forrest Gump e remata ao lado. Até ao apito final, nem um lance parecido. Os motores tinham parado.
Grandes penalidades, o habitat de Beto. Envergonhou Cardozo, travou Rodrigo. O resto é história, especialmente para o Sevilha que mantém um registo 100% vitorioso em finais europeias e se transforma na quarta equipa a conquistar a competição por três vezes. O Benfica, como tem sido tradição há 52 anos, vai ter de voltar a tentar.