Fernão Mendes Pinto, o irredutível português
Entre o cinema de animação e o teatro de marionetas, Marcelo Lafontana recria a Peregrinação no Mosteiro de São Bento da Vitória.
É exactamente aí, explica Marcelo Lafontana, que o que é técnico se torna político. “No aspecto puramente técnico, o projecto Peregrinação tinha como objectivo encontrar nas novas tecnologias meios que permitissem a evolução das técnicas tradicionais das formas animadas. E o que encontrámos foi este híbrido que tanto podemos ver como um filme de animação feito em tempo real ou como teatro filmado – usando vocabulário do cinema como a focagem e a desfocagem, a alternância entre o grande plano e o plano geral, os movimentos de câmara, efeitos que se prestam a esta história de muitos lugares e de muitas deslocações, uma história que é um autêntico carrossel”, resume. Mas a saga que Fernão Mendes Pinto viveu para contar é também “o início de uma narrativa alternativa dos Descobrimentos”, muito menos politicamente correcta: “Objectivamente, foi uma chacina: uma caravela normal partia com 200 a 300 tripulantes e regressava com uns 18. É toda uma história trágico-marítima – mas também tragicómica, porque o português é o campeão do desenrasque.”
Brasileiro, mas descendente de espanhóis e radicado em Portugal há 25 anos, Marcelo Lafontana está bem no centro dessa história e por isso espera “não ferir susceptibilidades”: “Não quero que pareça que estou a criticar aquilo que não é meu – porque é. Mas a Peregrinação fez-me pensar muito e acho que é o primeiro espectáculo em que eu não justifico completamente o facto de falar com sotaque do Brasil.”
Ainda assim, argumenta, há suficientes paralelos entre a figura “absolutamente amoral e livre” de Fernão Mendes Pinto e o Padre António Vieira para que o sotaque não esteja assim tão fora do sítio. E mesmo que estivesse: esta Peregrinação que fica no Mosteiro de São Bento da Vitória até ao próximo dia 23 é no fundo uma ficção de Lafontana a partir de um relato que imaginamos não ser inteiramente verdade.