Separatistas não dão ouvidos a Putin e mantêm referendo
Moscovo observa que resposta dos pró-russos foi dada depois de Kiev ter anunciado que mantém “operação antiterrorista” no Leste. Analistas afirmam que decisão permite a Putin dizer que não controla separatistas.
“O referendo vai realizar-se no dia 11”, disse Miroslav Rudenko, co-presidente do auto-proclamado governo da “República Popular de Donetsk”, citado pela agência russa Interfax. A mesma intenção foi anunciada pelos separatistas de Lugansk, citados pela Ria-Novosti.
Denis Pushilin, outro auto-proclamado dirigente pró-russo de Donetsk, disse que os membros do “Conselho do Povo” votaram unanimemente pela manutenção da consulta e explicou à Reuters que a dinâmica do referendo é imparável. “Há milhões de pessoas que querem votar. A guerra civil já começou. Só o referendo pode pôr fim a essa guerra e dar início a um processo político”, disse.
Na véspera, Putin tinha adoptado um tom conciliatório: pediu aos pró-russos para adiarem o referendo, de modo a “favorecer o diálogo,” e anunciou que tinha ordenado a retirada das tropas de Moscovo da fronteira com a Ucrânia. O primeiro comentário do seu porta-voz à reacção dos pró-russos foi dizer que precisa de mais informação. “Há novos desenvolvimentos, é preciso analisá-los”, disse, citado pela Ria-Novosti. Dmitri Peskov acrescentou, porém, que a resposta dos separatistas ao apelo de Putin ocorreu depois de o Governo de Kiev ter anunciado que vai manter a “operação antiterrorista” que tem em curso para recuperar o controlo das regiões de Donetsk e Lugansk.
Analistas políticos ouvidos pela Reuters disseram que Putin poderia estar já à espera de uma recusa, o que lhe permitiria dizer que não os controla os rebeldes ucranianos. “Isto pode ser usado para mostrar que as pessoas do Leste da Ucrânia não são russas, não aceitam ordens da Rússia e que a Rússia não os controla porque eles só fazem o que querem”, disse Maria Lipman, do centro de estudos Carnegie Center, de Moscovo. “Também distancia a Rússia do referendo”, acrescentou.
A demarcação russa de uma consulta que o Ocidente não reconhece poderia também diminuir o risco de um eventual agravamento das sanções à Rússia, que esta quinta-feira anunciou uma resposta às medidas de que foi alvo pelos EUA e pelo Canadá, no mês passado – Moscovo alargou uma lista de norte-americanos e canadianos impedidos de entrar no país mas não indicou o nome dos visados.
“As sanções não são geralmente o nosso método, mas acções hostis forçam-nos a responder. As mais recentes sanções de Washington e Otava não são excepção”, disse o porta-voz Alexander Lukashevich. A Rússia, que já foi alvo de duas vagas de sanções que se traduzem em proibição de concessão de vistos e congelamento de eventuais bens de dirigentes e empresas, respondeu em Março com a proibição de entrada a 11 responsáveis e congressistas norte-americanos, incluindo o senador John McCain e John Boehner, presidente da Câmara dos Representantes.
Os desenvolvimentos dos próximos dias podem determinar a aprovação de novas medidas pelos países ocidentais. Os ministros europeus dos Negócios Estrangeiros reúnem-se em Bruxelas na segunda-feira, um dia depois do referendo. Apesar da existência de diferentes sensibilidades sobre a forma de lidar com a Rússia, fonte diplomática não identificada, citada pela AFP, admitiu que a União Europeia possa decidir alargar as sanções aprovadas nos últimos meses contra 48 dirigentes russos e ucranianos.
Numa primeira reacção de Bruxelas à resposta dada pelos separatistas à proposta de Putin, a porta-voz do serviço diplomático da União Europeia, Maja Kocijancic, reafirmou o entendimento de que o escrutínio “não terá legitimidade democrática”. “Insistimos com firmeza que este referendo não se deve realizar, porque só vai agravar ainda mais a situação”, disse.
A Rússia mantém o entendimento de que “não faz sentido” a Ucrânia realizar as eleições presidenciais marcadas para 25 de Maio, a menos que as autoridades interinas de Kiev acabem com a sua acção militar no Leste e se inicie um diálogo nacional sobre a reforma constitucional, com vista à federalização do país. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, insistiu na investigação spbre a morte, na semana passada, na cidade de Odessa, de 46 pessoas, maioritariamente pró-russas – no mais grave dos incidentes que se sucederam nas últimas semanas na Ucrânia.
No pingue-pongue de declarações, tanto a NATO como os Estados Unidos disseram não verem sinais da retirada, anunciada por Putin, de tropas russas da fronteira com a Ucrânia. Já o Ministério da Defesa russo acusou a Ucrânia de ter concentrado 15 mil soldados junto à sua fronteira e acusou os países ocidentais de “desinformação cínica”.
A Reuters noticiou que a presidência suíça da OSCE (Organização para a Cooperação e Segurança na Europa) tem em preparação, e está a discutir com as partes, um documento com propostas de solução para a crise. O objectivo seria dar um novo impulso ao acordo assinado em Genebra em Abril, entre a Ucrânia, a Rússia, os EUA e a União Europeia, que previa o desarmamento de grupos ilegais e a desocupação de edifícios públicos no Leste da Ucrânia. Mas, como também escreveu a agência, não é certo se, quando, nem de que forma poderá ser divulgado.