Pulp fiction

A trama de Queda (2013), do escritor americano Jeff Abbott, começa verdadeiramente com uma cena de pancadaria num bar. Não, não se trata de um western convencional, mas sim de mais uma história deste mestre da literatura de acção, com a cidade de S. Francisco como cenário e com um herói já conhecido de anteriores aventuras – Adrenalina (2010) e O Último Minuto (2011) – como protagonista. Abbott, um bem sucedido autor de best-sellers, depois de escrever policiais menos arrojados, tem-se especializado em tramas de acção intensa, rápida e violenta, no mundo paranóico da criminalidade contemporânea. Em Queda, Sam Capra, ex-operacional da CIA, membro de um grupo intitulado Távola Redonda – que se dedica a identificar e a castigar criminosos – atlético praticante de parkour e cavalheiresco defensor de vítimas indefesas, envolve-se numa teia de misteriosos assassinatos e suicídios, depois de ajudar uma jovem que entra esbaforida num dos seus bares, com dois homens de má catadura no encalço. Capra mata um dos facínoras, o bar fica em cacos, a jovem desaparece na noite e, a partir daqui, sucedem-se os episódios que envolvem os membros de uma seita composta por executivos de topo, cujas brilhantes carreiras e ofuscantes fortunas se devem às manipulações e crimes de um certo Belias, eminência parda, cínico encartado, figura tão dura e gelada quanto um iceberg.

Em Queda, a violência aparatosa e com efeitos especiais é uma constante. No entanto a ausência de ironia – veja-se o contraste flagrante com, por exemplo, o cinema de “mestre” Tarantino – afasta Abbott de um Ian Fleming o qual, ao criar James Bond, a quem tudo acontece em doses improváveis, se divertiu a condimentá-lo com o famoso sarcasmo britânico, paliativo infalível para apreciar devidamente o absurdo das situações. Quanto ao estilo dos famosos “autores nórdicos” como Stieg Larsson, Jo Nesbo, Henning Mankell, Arnaldur Indriðason, Lars Kepler, Karim Fossum ou Mons Kalentoft – que não se retraem no que diz respeito à violência extrema – existe, no entanto, a preocupação de uma escrita mais elaborada, em que as tramas são tecidas com esmero, carregadas de sombrios traços psicológicos que apelam aos instintos mais ou menos tenebrosos dos leitores. Jeff Abbott, obviamente influenciado pelo estilo da B.D. e pelo ímpeto dos blockbusters não consegue criar um relato novelístico coerente, limitando-se a um encadeado de cenas onde coloca personagens pouco convincentes que se deslocam como peões num tabuleiro: há Janice, que elimina os alvos designados por Belias para dar “uma vida melhor à filha” – há maneiras mais práticas e seguras de criar uma criança! – mas que sofre de cancro e, no fundo, tem um coração sensível; já Holly, outra das assassinas a soldo, na sua excelente mansão, arruma os peluches dos filhos, prepara-lhes o pequeno-almoço e despacha-os para a escola com uma mão, enquanto que, com a outra, esfola, esfaqueia e dispara, mantendo-se super sexy a guiar o seu SUV e a falar ao telemóvel último modelo; Mila, a “patroa” de Sam é destemida, mandona, ágil, uma verdadeira arma letal em movimento. (Abbott segue a moda de colocar mulheres como polícias, assassinas, vingadoras, etc.)

Aliás, há gente a ser enviada para o outro mundo em doses pantagruélicas e, com tanta confusão, o leitor chega ao fim provavelmente cansado e ligeiramente atordoado. Porque não há uma, mas sim duas sociedades secretas, há um herói “bom” e um “mau” – cuja intenção é, evidentemente, a de “controlar o mundo” – e, pelo meio, somos empurrados de um lado para o outro, entre pânico, colisões, mortes, tortura, a máfia russa, financeiros corruptos, segredos inqualificáveis, perseguições de automóvel – pressurosamente referenciadas pelo autor como semelhantes à do filme Bullitt – falsas identidades, piruetas, “pens” com códigos secretos, explosões, fogo posto, muitos vidros partidos e sangue a escorrer em torrentes. Acrescente-se que não é suficiente descrever detalhadamente a destruição de coisas, propriedades, vidas, criar personagens violentas, donzelas em perigo e garbosos heróis – é-nos dito que Sam Capra (que tem um filho pequeno escondido e a mulher em coma num hospital de alta segurança) é um belo homem – para desenvolver uma boa estrutura narrativa. Expressões como “o destino cruel”, frases como “a voz (dele) era fria como água num dia quente (!)”, pedantismos como a explicação de que o nome Belias, vem do hebreu Belial (Diabo) ou a tentativa de fazer desta história uma parábola fausteana da ganância e da cupidez, (que saudades de malfeitores como o satânico Dr. No ou o malévolo Goldfinger!) e o encadeado, por vezes desconexo, de situações bizarras e confusas, não chegam para prender a atenção de leitores mais exigentes.

Jeff Abbott, que tem ganho prémios sobre prémios e mantém um ritmo de produção invejável, tem-se especializado em sequelas nas quais, cena após cena, é possível detectar a cadência sincopada, os tiques, as imagens de uma linguagem que funciona certamente com muito mais eficácia em adaptações para cinema ou televisão. 

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