Sissi promete erradicar Irmandade Muçulmana no Egipto

Na primeira entrevista desde que anunciou a candidatura, o marechal denunciou duas tentativas para o matar.

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Apoiantes do marechal juntam-se nas ruas do Cairo para ouvir a entrevista Khaled Desouki/AFP

“Quero dizer-vos que não fui eu que acabei [com a Irmandade]. Foram vocês, os egípcios, que lhe puseram fim”, disse Sissi na primeira parte de uma longa entrevista a dois canais privados de televisão, difundida a três semanas das eleições, agendadas para os dias 26 e 27. “Sob a sua presença não haverá nada que se assemelhe à Irmandade?”, perguntou um dos entrevistadores. “Sim, é correcto”, respondeu o militar, que foi chefe do Exército e ministro da Defesa até ao anúncio oficial da candidatura, no final de Março.

As declarações de Sissi deixam claro que o conflito entre aqueles que são, há décadas, os dois principais pólos da política egípcia vai arrastar-se. Mas a promessa de erradicação pode ser mais difícil de cumprir do que o militar dá a entender.

Criada em 1928, a Irmandade sobreviveu a sucessivas vagas de repressão e, mesmo ilegalizada, continuou a crescer, expandindo a sua influência através de uma rede de mesquitas e grupos de caridade que se substituíram ao Estado. Quando Hosni Mubarak foi derrubado, em 2011, o movimento tinha a influência e a organização que faltava aos outros grupos da oposição, tendo vencido todas as votações que se seguiram à revolução, incluindo as presidenciais que fizeram de Morsi o primeiro Presidente democraticamente eleito do Egipto (e o único a não sair das fileiras do Exército).

Desde Julho, quando o Exército afastou Morsi após grandes manifestações, centenas de dirigentes e militantes do movimento foram detidos, mais de 1400 apoiantes foram mortos na repressão de protestos e o governo interino (tutelado pelos militares) declarou a Irmandade como “organização terrorista” e ordenou o fecho das instituições – incluindo hospitais – que operam sob a sua chancela. Na semana passada, o guia supremo do movimento, Mohamed Badie, foi condenado à morte, num dos vários processos em que é arguido. Ainda assim, e apesar das pesadas penas em que incorrem, os apoiantes da Irmandade continuam os protestos nas ruas.

Vitória anunciada
Do seu lado, Sissi tem um apoio quase esmagador dos egípcios e dos aliados regionais que, depois da instabilidade que marcou o ano e meio de poder da Irmandade, olham para o marechal como um garante de estabilidade. Uma popularidade que lhe garante a vitória nas presidenciais, nas quais terá como único rival Hamdeen Sabahi, candidato de esquerda que ficou em terceiro lugar na votação de 2012.

Os jornais e as televisões em peso elogiam também a mão dura contra a Irmandade, acusada pelos militares de ligações aos grupos jihadistas que, desde o derrube de Morsi, puseram em marcha uma campanha terrorista que tem como alvo privilegiado as forças de segurança. Dando força a esta acusação, Sissi disse que, dias antes do golpe militar, um dirigente da Irmandade o avisou que, se o Exército derrubasse Morsi, o movimento traria combatentes da Síria, do Afeganistão e da Líbia “para combater os egípcios e combatê-lo a si”.

Na entrevista, cuja segunda parte será transmitida esta noite, o candidato disse que nos últimos meses houve duas tentativas goradas para o assassinar – o Egipto tem um longo historial de assassinatos políticos, incluindo o do ex-Presidente Anwar al-Sadat, em 1981, e ainda em Setembro o ministro do Interior escapou a um atentado. “Acredito no destino, não tenho medo”, disse, sem revelar quem terão sido os autores das alegadas conspirações. A verdade, acrescenta a Reuters, é que não está, para já, previsto nenhum comício com a presença do candidato, que admitiu que esta será uma campanha “não convencional”.

Vestido à civil, o marechal disse que, se for eleito, “o Exército não desempenhará qualquer poder no Egipto” e anunciou como prioridades “a segurança, a estabilidade e o desenvolvimento”, mas não detalhou planos para reverter a acentuada crise económica e o desemprego galopante.

Admitiu ainda que foram cometidos atropelos aos direitos humanos desde que o Exército voltou a pegar nas rédeas do poder – “é preciso compreender que não pode haver uma situação de segurança tão grave e confusa como a que estamos a viver sem algumas violações” –, mas defendeu a polémica lei que restringe o direito de manifestação e que levou já à condenação a penas de prisão de três dos activistas que lideraram a revolução contra Mubarak: “Posso garantir que vamos fazer qualquer coisa para garantir a segurança e a estabilidade”.

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