Moscovo rejeita novas conversações para não "andar em círculos" e questiona eleições na Ucrânia
Ministro dos Negócios Estrangeiros russo disse que não faz sentido voltar a reunir-se com os EUA, a UE e a Ucrânia enquanto houver combates no Leste do país. Sergei Lavrov defende implementação do acordo assinado em Abril.
Também presente na reunião de Viena do Conselho da Europa, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, classificou a ideia de haver eleições presidenciais na Ucrânia, nas condições actuais, como "invulgar".
"Realizar eleições numa altura em que o exército [ucraniano] está a realizar operações contra parte da população é bastante invulgar. Vamos ver como é que este processo termina", afirmou Sergei Lavrov.
Clarificada a posição sobre as eleições, o ministro russo encarregou-se depois de desvalorizar a hipótese de voltar a sentar-se à mesa de negociações com os seus congéneres dos Estados Unidos, da União Europeia e da Ucrânia – uma ideia lançada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Frank Walter-Steinmeier.
"Uma reunião no mesmo formato, com a ausência da oposição ao actual regime ucraniano, dificilmente iria acrescentar alguma coisa. Até podemos conversar, mas iríamos andar em círculos", disse Sergei Lavrov. Para Moscovo, as atenções das partes envolvidas devem estar concentradas no acordo alcançado em Genebra no dia 17 de Abril. "É preciso concretizarmos aquilo que acordámos. E são os ucranianos que devem ter essa responsabilidade, tanto o regime como os que se opõem a ele", declarou o ministro dos Negócios Estrangeiros russo.
Tal como em muitos outros momentos desde que o então Presidente ucraniano, Viktor Ianukovich, assinou um acordo comercial com a Rússia, em Novembro de 2013, não é possível desenhar um acordo que agrade a todas as partes. Se a Rússia diz que não vale a pena conversar com a Ucrânia enquanto as tropas de Kiev estiverem a combater grupos separatistas no seu próprio território, a Ucrânia faz exigências que não arrancarão mais do que um sorriso ao Presidente Vladimir Putin.
"Se a Rússia estiver preparada para apoiar estas eleições, e para pôr fim a esta ameaça e ao seu apoio aos elementos extremistas na Ucrânia, estamos preparados para nos reunirmos", disse nesta terça-feira o ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano interino, Andri Deshchitsia, numa conferência de imprensa em Viena.
O principal ponto da discórdia é a participação de representantes dos separatistas pró-russos numa possível nova ronda de negociações. A Rússia defende que "os manifestantes querem ser ouvidos", mas o governo interino da Ucrânia rejeita essa hipótese porque se considera "representante de todas as regiões da Ucrânia".
Apesar de ter desvalorizado a realização de uma segunda conferência em Genebra, o ministro dos Negócios Estrangeiros russo não fechou totalmente as portas ao diálogo. Num encontro com o seu homólogo alemão, Frank Walter-Steinmeier, Lavrov concordou com o princípio de que "é necessário prosseguir com os esforços conjuntos da Rússia, dos Estados Unidos, da União Europeia e da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa para impulsionar o início de um diálogo nacional abrangente na Ucrânia".
Eleições são a nova "linha vermelha"
Depois de a anexação da Crimeia pela Rússia ter passado, na prática, para a categoria dos factos consumados, e no meio de uma luta pelo controlo de mais de uma dezena de cidades no Leste da Ucrânia, a nova "linha vermelha" da diplomacia ocidental é a realização das eleições presidenciais no dia 25 de Maio.
De França e do Reino Unido saíram nesta terça-feira declarações mais dramáticas, tendo como pano de fundo a necessidade da realização de eleições na data marcada – o Presidente francês, François Hollande, avisou que adiar a votação será o mesmo que prolongar o "caos" no país, com "o risco de uma guerra civil", e o ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, William Hague, disse que "a grande maioria dos países" da UE transmitiu "com muito vigor" a mensagem de que as eleições devem realizar-se no dia previsto: 25 de Maio.
Para o ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Frank Walter-Steinmeier, trata-se mesmo de uma questão de vida ou de morte para a Ucrânia, mas também para o resto da Europa.
"O conflito ucraniano assumiu uma velocidade e uma agudeza em que não teríamos acreditado há algum tempo. De repente, 25 anos depois da política de blocos opostos, podemos ter na Europa uma nova divisão virulenta. Isto não constitui apenas um risco para a Ucrânia. Este conflito pode acabar com a arquitectura de segurança construída ao longo de décadas. Temos de fazer todos os esforços para evitar uma nova Guerra Fria", disse o ministro numa entrevista aos jornais El País (Espanha), Le Monde (França), La Repubblica (Itália) e Gazeta Wyborcza (Polónia).
Considerando que a morte de pelo menos 46 pessoas em Odessa, na sexta-feira passada, deixou a Ucrânia "a poucos passos de um confronto militar aberto", Frank Walter-Steinmeier acabou por reconhecer que os países da UE estão limitados nas suas respostas para evitarem "uma guerra civil".
"Não há muitas mais possibilidades. Todos descartámos uma intervenção militar dos países da UE. Por isso, queremos criar as bases para uma solução equilibrada entre a pressão política e as propostas diplomáticas. Ninguém nega que esta solução se tornou mais difícil após os acontecimentos dos últimos dias, mas a tragédia de Odessa pode transformar-se numa chamada de atenção para as partes envolvidas, alertando-as para o facto de que esta situação não pode e, sobretudo, não deve continuar", disse o ministro dos Negócios Estrangeiros alemão.
A estratégia, defende Steinmeier, é convencer a Rússia de que ninguém quer pôr em causa a sua área de influência: "A ideia da Europa de desenvolver uma relação política e económica com os seus vizinhos de Leste não foi desenhada como uma ameaça à Rússia. Temos de convencer a Rússia de que a estabilidade da Ucrânia interessa-lhes tanto a eles com à UE."