Trabalho arqueológico na Ribeira das Naus começou sem a aprovação da Direcção do Património

Arqueólogos municipais acompanham obra, em contra-relógio, para não perder fundos comunitários. Câmara de Lisboa não renovou contrato com empresa presente desde o início dos trabalhos.

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A passagem de testemunho para o Centro de Arqueologia não foi pacífica João Cordeiro

A primeira fase da requalificação desta área na frente ribeirinha de Lisboa, que incluiu a construção de uma nova avenida e o surgimento de uma rampa de pedra que desce até ao Tejo, evocando a praia que existiu no local, foi inaugurada em Março de 2013. O projecto tinha sido encomendado pela sociedade Frente Tejo mas, com a sua extinção no fim de 2011, transitou para o município.

A segunda fase destes trabalhos, que se previa que tivesse ficado concluída no fim do ano passado mas que ainda está em curso, inclui a reposição da Doca Seca e da Doca da Caldeirinha, bem como a criação de uma área ajardinada a fazer lembrar as antigas rampas de varadouro, outrora utilizadas pelas embarcações.

Questionada sobre o porquê deste atraso, a Câmara de Lisboa explicou ao PÚBLICO que a obra “está em conclusão” e “ainda não foi integralmente executada pois as condicionantes do local, designadamente as preexistências arqueológicas postas à vista, traduziram-se numa alteração ao ritmo da obra e aos seus pressupostos, implicando a necessidade de ajustar as soluções iniciais e de as fazer validar pela DGPC”.

Segundo informações transmitidas pelo gabinete do vereador Manuel Salgado, essa validação “já ocorreu, registando, protegendo e inclusivamente prevendo a integração dessas preexistências arqueológicas, com inequívoca valorização do local em termos patrimoniais e históricos”.

O PÚBLICO consultou o processo relativo à Ribeira das Naus existente na DGPC e constatou que os trabalhos arqueológicos, no âmbito da segunda fase da requalificação, começaram “de forma irregular, uma vez que o respectivo PATA [Pedido de Autorização de Trabalhos Arqueológicos] não fora deferido, nem comunicado o arranque da obra”. Isso mesmo consta de uma informação técnica, produzida na sequência de uma visita ao local a 28 de Maio de 2013.

Uma primeira versão do PATA, submetida dia 15 desse mês, tinha sido chumbada pela DGPC, porque não continha, entre outros aspectos, uma data para o início dos trabalhos, uma descrição do projecto, ou a apresentação do seu posicionamento numa planta da cidade. A 5 de Junho uma versão reformulada do documento acabou por ser aprovada, por se considerar que tinha dado resposta “às lacunas” antes detectadas.

Depois disso, os trabalhos arqueológicos decorreram sem notícia de incidentes, até que em Fevereiro deste ano a DGPC tomou conhecimento, através de um e-mail enviado para a Câmara de Lisboa pela arqueóloga Inês Mendes da Silva, da empresa Era Arqueologia, de que a sua equipa iria “desmobilizar” daí a três dias. Cerca de dez dias depois, o coordenador do Centro de Arqueologia de Lisboa (CAL), Miguel Santos, comunicou que esta estrutura municipal estava “a preparar um PATA para os trabalhos arqueológicos em falta”, depois de ter recebido “informação dos serviços competentes” dizendo que não ia “ser feita a renovação do contrato com a empresa Era”.

A passagem de testemunho para o CAL não se revelou pacífica, já que o seu coordenador considerava que a sua equipa só deveria “responsabilizar-se pelas medidas de salvaguarda do património arqueológico tornadas necessárias pelo desenvolvimento dos trabalhos de construção civil previstos a partir da sua entrada no terreno”. A directora do Departamento de Bens Culturais da DGPC, Maria Catarina Coelho, não concordou com essa leitura e determinou que os arqueólogos da Câmara de Lisboa assumissem também outros trabalhos que não se encontravam concluídos, incluindo o desaterro da Doca da Caldeira e da Doca Seca e a desmontagem de uma antiga central de ar condicionado instalada pela Marinha no local.

A 17 de Março, a DGPC acabou por dar um parecer favorável condicionado ao PATA apresentado pelo CAL. “Atendendo ao superior interesse da salvaguarda do património arqueológico propõe-se a autorização dos trabalhos, condicionada ao cumprimento estrito e rigoroso de todas as determinações da tutela, respeitantes aos trabalhos a realizar pelos requerentes”, diz-se na informação técnica que serviu de suporte a essa decisão.

Questionada sobre se tinha tomado alguma medida para acautelar a integridade dos vestígios arqueológicos durante a passagem de testemunho entre arqueólogos, a DGPC transmitiu ao PÚBLICO que, “de acordo com informações prestadas pelo coordenador do CAL, a fiscalização da empreitada foi devidamente informada da imperiosa necessidade de não serem realizados trabalhos que envolvessem afectação do solo ou subsolo, até à conclusão do procedimento administrativo de autorização da intervenção”. “Sendo garantido que nada ocorreu nesse sentido”, acrescenta-se.

Para a requalificação da Ribeira das Naus foram aprovadas duas candidaturas a fundos comunitários, ao abrigo do Programa Operacional Regional de Lisboa, num montante total de cerca de 5,1 milhões de euros. De acordo com a Câmara de Lisboa, ambas tinham conclusão prevista para 31 de Dezembro de 2012, mas foram objecto de reprogramação temporal. 

Segundo o município, a candidatura respeitante ao “plano de divulgação e comunicação” tinha como data limite de execução o dia 30 de Junho de 2013, “o que aconteceu”, e a “operação integrada Ribeira das Naus/Terreiro do Paço” tem de estar concluída até 31 de Maio de 2014. O gabinete do vereador Manuel Salgado garantiu ao PÚBLICO que “o município não está em risco de perder financiamento pois a ultima componente da Operação encontra-se em fase de conclusão, dentro do prazo estabelecido para o efeito, na candidatura aprovada”.

No fim de Março, o autarca, que tem o pelouro da Reabilitação Urbana, anunciou que as obras estariam finalizadas “nas próximas semanas”. O trânsito na Avenida Ribeira das Naus está cortado desde dia 4 de Abril, para permitir a conclusão dos trabalhos, para a qual não fio anunciada qualquer data.

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