Clayton devia ter morrido por injecção letal e acabou “torturado até à morte”
A forma mais indolor e asséptica de matar dá cada vez menos garantias de uma morte sem “punição cruel e pouco comum” aos defensores da pena capital. Resta à Justiça dos EUA decidir se intervém.
Clayton Lockett tinha sido condenado a morrer por injecção letal, o método usado preferencialmente nos 32 estados norte-americanos que mantêm a pena capital por ser considerado o mais indolor e asséptico para matar. Há muito que essa crença está posta em causa, numa polémica que cresceu à medida que se foi tornando mais difícil encontrar no mercado um dos químicos do cocktail triplo mais usado.
Eram 18h23 (início da madrugada em Portugal) quando foi injectado a Clayton o sedativo que o deveria ter adormecido. Tratando-se um fármaco, o midazolam, uma benzodiazepina muito pouco testada — e cuja origem o estado insistira em manter secreta —, as testemunhas foram avisadas de que demoraria mais do que o habitual a fazer efeito. Dez minutos depois, foi considerado inconsciente, seguindo-se a administração dos restantes dois fármacos.
Passados três minutos, Clayton começou a gemer e a contorcer-se, depois a gritar e a tentar libertar-se e levantar-se da maca. Eram 18h39 quando as cortinas se fecharam.
Nos minutos que se seguiram nem os jornalistas nem os advogados conseguiam perceber o que se estava a passar. Depois, o director do Departamento Correccional, Robert Patton, veio explicar que tinha havido um problema — a veia na qual os químicos tinham sido injectados “rebentara”. A segunda execução da noite, a de Charles Warner, já não ia acontecer. Mas e Clayton? Clayton morreu, quando Patton já tinha notificado o procurador-geral do adiamento da execução. Tinham passado 43 minutos desde o início do processo, quando sofreu o que “parece ter sido um devastador ataque cardíaco”.
“Foi terrível, difícil de presenciar”, diz David Autry, um dos advogados. Clayton, acusa Madeline Cohen, outra advogada, foi “torturado até à morte”.
Crueldade e Constituição
A batalha dos abolicionistas contra a injecção letal concentra-se em provar que não impede uma “punição cruel e pouco comum”, o que a Constituição proíbe. Em 2007, a questão chegou ao Supremo Tribunal, mas a injecção letal sobreviveu. Na altura, todos os estados menos um recorriam ao mesmo cocktail de químicos: tiopentato de sódio para anestesiar e colocar o condenado inconsciente; brometo de pancurónio para paralisar os músculos; e cloreto de potássio para induzir paragem cardíaca e provocar a morte.
Em 2010, os estados que praticam a pena de morte começaram a ficar sem doses de tiopentato de sódio e a única empresa com aprovação da agência federal que faz o controlo dos medicamentos (FDA) para fabricar o produto anunciou ruptura de stock. Em Janeiro de 2011, fez saber que cessara a produção.
A maioria dos estados passou então a recorrer ao pentobarbital, um fármaco usado para praticar a eutanásia em animais e uma solução que durou pouco: o laboratório dinamarquês Lundbeck,o único na Europa que aceitava exportar o produto para os EUA, decidiu deixar de o fazer.
Começou a era do segredo. Sabe-se que os estados recorrem a diversos produtos e a diferentes empresas que preparam fármacos que não foram aprovados pela FDA, laboratórios que não o são verdadeiramente e que vendem anestesias que não passam por um controlo nacional.
Ao longo do ano passado, vários condenados foram a tribunal para tentar descobrir a origem dos fármacos com que as autoridades prisionais tencionavam executá-los.
A falta de medicamentos foi um dos motivos para a diminuição no número de execuções em EUA em 2013 — 39 contra 43 nos dois anos anteriores. Alguns, como o Texas, lutaram em tribunal pelo direito de continuar a executar com novos produtos; noutros, como na Carolina do Norte, passou a vigorar o que, na prática, é uma moratória.
Juízes e sofrimento
Resultado da falta de qualidade, nos três últimos anos, as execuções no estado que mais condenados mata, o Texas, demoraram em média o dobro do tempo do que no processo usado antes, escreve o Guardian.
Clayton, de 38 anos, foi condenado à morte em 2000 pela violação e morte de uma jovem que raptara e que enterrou viva; Charles Warner por matar e violar uma menina de 11 anos.
Depois de a governadora do Oklahoma, Mary Fallin, ter desafiado o painel de juízes que tinha travado temporariamente a execução de Clayton e de Charles, o tribunal acabou por negar as queixas dos condenados. No que quase pareceu uma celebração — ou, no mínimo, um desafio — o Oklahoma marcou as duas execuções para a mesma noite, algo inédito desde 1937.
“Um estado infligir um grau tão grande de sofrimento é a definição exacta de punição cruel e pouco comum”, comentou Erwin Chemerinsky, reitor da Faculdade de Direito da Universidade da Califórnia. “Os tribunais têm de intervir e impedir execuções com protocolos não testados que têm o potencial para infligir um sofrimento tão terrível.”