Crise do euro: diagnóstico errado, receita desastrosa
Os problemas dos bancos continuam por resolver e os 30 milhões de desempregados continuam sem perspectivas de futuro.
Como é que se chegou aqui?
A principal razão, afirmam inúmeros analistas, assentou num erro de diagnóstico sobre as causas reais da crise, associada a uma total falta de solidariedade entre os países membros da moeda única europeia.
Segundo a narrativa oficial nos países ricos do Norte, a crise da dívida foi provocada pela indisciplina dos periféricos, que, aproveitando as baixas taxas de juro proporcionadas pelo euro, se endividaram de forma totalmente irresponsável. O reverso da medalha é que, com a crise financeira de 2008/2009 e a escassez de liquidez, estes países começaram a suscitar a desconfiança dos mercados financeiros.
Esta narrativa veio mesmo a calhar para o caso da Grécia, que, não só entrou numa espiral de despesa pública num sistema clientelista, fechado e corrupto, como escondeu os valores exactos de um défice orçamental gigantesco acumulado ao longo de vários anos.
A situação dos outros países era, no entanto, bem diferente. Antes da crise, quase todos tinham défices orçamentais abaixo do limiar de 3% do PIB, com a excepção notória de Portugal (3,1%), tendo alguns países, como a Espanha e Irlanda, mesmo acumulado excedentes.
Quase todos os países do euro enfrentavam, isso sim, um grave problema comum: a situação desastrosa da maioria dos seus bancos, posta a nu pela falência do americano Lehman Brothers, em Setembro de 2008, que obrigou os governos a injectar quantidades astronómicas de dinheiro dos contribuintes para os salvar da falência, sem sequer lhes impôr a limpeza dos balanços repletos de activos tóxicos ligados aos Estados Unidos. Segundo dados da Comissão Europeia, entre Outubro de 2008 e Dezembro de 2011, os Governos europeus injectaram 1,6 biliões(milhões de milhões) de euros nos seus bancos em risco para os salvar da falência.
O resultado foi que, mesmo os países em situação orçamental relativamente confortável, assumiram dívidas colossais por causa do dinheiro injectado nos bancos.
Em vez de reconhecerem que o verdadeiro problema da zona euro era a dívida privada e a situação desastrosa dos bancos – incluindo na Alemanha –, os líderes dos países do euro preferiram apontar o dedo à Grécia, diagnosticando o problema como um excesso de endividamento público e recusando numa primeira fase ajudá-la a enfrentar as suas dificuldades financeiras. Pior ainda, os membros do euro deixaram implícito que, mesmo numa união monetária, um dos seus membros poderia ser forçado a ter de a abandonar devido à recusa dos outros de o ajudar.
Esta ambiguidade e falta de solidariedade funcionou como um rastilho de pólvora nos mercados financeiros, que entraram numa espiral de pânico sobre a possibilidade de colapso do euro, agravada pelas agências de notação financeira, levando-os a fugir da dívida dos países periféricos ou a cobrar-lhes juros exorbitantes pelos empréstimos necessários ao funcionamento dos serviços públicos, que quase os levou à falência.
“Se, em Dezembro de 2009, todos os Estados tivessem dito que eram solidários com a Grécia (...) nunca teríamos tido a crise de hoje. Só que a mensagem emitida foi que, somos uma união monetária, mas há países que podem ter de sair”, critica Guy Verhofstadt, ex-primeiro ministro belga e presidente dos liberais no Parlamento Europeu. “Por causa disso, a crise da Grécia transformou-se numa crise sistémica da zona euro”, acusa. Foi o pandemónio nos mercados.
A estratégia seguida pela zona euro para acalmar os mercados foi enveredar por uma política draconiana de austeridade imposta e vigiada por equipas da Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional – a famigerada troika de credores – para cortar despesas, défices orçamentais e externos e dívidas públicas, sem qualquer estratégia de crescimento económico associada, que os deixou de rastos.
Enquanto isso, os países do norte, beneficiaram pelo contrários de enormes fluxos de capitais fugidos dos periféricos, que lhes permitiu financiar-se a custo quase zero.
Este ciclo vicioso de pânico nos mercados, aperto cada vez maior da austeridade, agravamento da recessão e do desemprego e crescimento das dívidas públicas, arrastou-se durante dois anos, colocando a zona euro euro à beira do colapso devido à convicção dos mercados de que o seu desaparecimento era inevitável e apenas uma questão de tempo.
O economista belga Paul De Grauwe, um dos maiores especialistas da união monetária europeia, foi desde sempre um dos maiores críticos da estratégia anti-crise da zona euro, considerando-a suicida. Em concreto, De Grauwe critica duramente a Comissão Europeia – o órgão executivo da UE e a instituição central da troika – de ter uma grande responsabilidade no desastre. O seu papel, referiu recentemente, seria exigir dos países do Norte da Europa que estimulassem as suas economias de modo a permitir aos periféricos, em pleno processo de austeridade, sair da recessão. Só que, “em vez de promover os interesses de todo o sistema, a Comissão tornou-se o agente dos países credores [do Norte]. Em vez de unificar a zona euro, a Comissão Europeia está a contribuir para a desunião e o conflito”, escreveu há dois anos.
Guy Verhofstadt, acusa igualmente Bruxelas de se ter deixado dominar pelos grandes Estados ao recusar usar o direito de iniciativa legislativa que lhe é atribuído no Tratado da UE para resolver os problemas da Europa (ver entrevista em Mundo).
Não foi nem a Comissão Europeia, nem os Governos que acabaram por conseguir serenar os mercados financeiros e trazer alguma acalmia à zona euro, mas o Banco Central Europeu (BCE) com a sua promessa de Setembro de 2012 de comprar no mercado a dívida pública dos países indevidamente atacados pelos especuladores de modo a evitar que estes os levem à falência.
Esta promessa de Mario Draghi, presidente do BCE, foi imediatamente entendida pelos mercados financeiros precisamente da forma pretendida, enquanto garantia formal de que o BCE, a instituição monetária europeia, nunca deixará que a sobrevivência do euro seja posta em causa, mesmo que para esse fim tenha de recorrer a medidas consideradas menos “convencionais”.
Dois anos passados depois da promessa de Draghi, e mesmo se a especulação financeira acalmou, a zona euro está longe de ter saído da crise.
Os problemas dos bancos continuam quase todos por resolver, o crescimento económico tarda em se afirmar e os quase 30 milhões de desempregados, dos quais 15 milhões com menos de 30 anos, continuam sem perspectivas de futuro.