O humor é como a democracia: faz dores de cabeça

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O actor Miguel Guilherme e o humorista Ricardo Araújo Pereira
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A actriz Maria do Céu Guerra

Quando Melhor do que Falecer se estreou na TVI, faz hoje duas semanas, todos os olhos estavam assestados no novo apontamento humorístico de Ricardo Araújo Pereira. O problema das expectativas é lixado, e não surpreende, por isso, que as primeiras reacções, ao longo dessa semana, tenham sido de decepção: por ser um simples apontamento de cinco minutos, pelo humorista estar a reciclar sketches que haviam sido apresentados na sua rubrica radiofónica Mixórdia de Temáticas, pela sensação, enfim, de ser uma espécie de “requentado”. Que, conjugado com a longa ausência do Gato Fedorento (excepto em campanhas publicitárias) e com a “confusão” gerada pelo recente (e mal recebido) “coiso” A Solução, não abonava grandemente em favor da emissão.

Entretanto, meteu-se a Páscoa, o campeonato do Benfica, os 40 anos do 25 de Abril, e – como é de rigor nestes tempos de “chapa ganha, chapa gasta” – Melhor do que Falecer passou para segundo plano. Enquanto estava tudo distraído, o programa foi acertando rumos e revelou a sua verdadeira postura: sempre dentro do olhar mais ou menos ácido sobre o Portugal que somos que sempre marcou os melhores momentos de Ricardo Araújo Pereira, mas levando essa acidez e esse nonsense para um subtexto de sátira contundente, muito mais “violenta” do que no Gato Fedorento Esmiuça os Sufrágios, onde a gargalhada ou mesmo o sorriso se interrompe a meio. Exemplares, a esse nível, foram os sketches do Conselho de Ministros em directo com a troika, do telefonema de Nossa Senhora de Fátima a Christine Lagarde, e, sobretudo, essa absoluta obra-prima que é o discurso resignado de Maria do Céu Guerra enquanto descasca cenouras (com aquele primor de síntese que é “a democracia faz-me dores de cabeça”).

Aí, Melhor do que Falecer revela que, mais do que a fazer um simples momento de humor, Ricardo Araújo Pereira está a escalpelizar o “ar dos tempos” em que vivemos, e a fazê-lo como bem lhe dá na real gana (e ainda bem). O sublime genérico animado com a voz infinda de Camané já sugeria que este programa não ia ser bem igual aos outros – foram precisas dez emissões para perceber a fundo que há aqui um tom angustiado, ansioso, escarninho, a vir ao de cima, de uma panela de pressão que explode por um humor com ressalvas. E talvez seja importante explicar que, aqui, não vão ser as audiências (que, ainda assim, têm sido significativas) a “perder” ou “ganhar” Melhor do que Falecer – a emissão televisiva é apenas um dos lados de uma estratégia que tem apostado no potencial “viral” pelas redes sociais, com cada episódio a ser disponibilizado online (http://www.tvi.iol.pt/melhor-do-que-falecer/) para dele se fazer o que bem se quiser. Afinal, não é por acaso que os episódios têm a duração ideal para se descobrirem (e repetirem) na Internet. E foi por esse “de boca em boca” viral que os Gato Fedorento se tornaram no fenómeno que conhecemos.

No meio disto tudo, há duas coisas que não devem ser esquecidas. Primeira: uma exposição diária como esta para um programa de humor é muito difícil de aguentar a curto prazo sem “queimar” – mesmo que estes cinco minutos diários sejam o equivalente a uma emissão semanal, e mesmo que o humorista esteja a fazer apelo a outros actores (com um extraordinário Miguel Guilherme à cabeça), aqui Ricardo Araújo Pereira está sozinho na corda bamba, sem a “rede de segurança” dos Gato Fedorento. Segunda, intimamente ligada à anterior: Melhor do que Falecer apenas vem reforçar uma percepção pública de que os Gato Fedorento são “o Ricardo Araújo Pereira e os outros três de cujos nomes nunca nos lembramos”. Não é verdade, mas depois deste programa mais difícil ainda será contrariar essa percepção, o que irá complicar ainda mais qualquer futuro “coiso” do grupo.

Para já, o saldo de Melhor do que Falecer é o de um programa em crescimento, em movimento, em constante “ajuste”. E com resultados suficientemente positivos para justificar a atenção regular.

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