Quando Spínola quis invadir Portugal com ajuda do Brasil
Em vésperas do Verão Quente, António de Spínola está exilado no Brasil e sonha com um regresso à frente de um exército invasor para expulsar os comunistas do poder.
Logo a seguir à hora de jantar de terça-feira 17 de Junho de 1975, um personagem imprevisto passava o portão de entrada da agência do Serviço Nacional de Informações do Rio de Janeiro. Não era um espião com novidades de Cuba nem um delator de manobras subversivas dos movimentos de guerrilha que por essa época ainda combatiam a ditadura militar brasileira. Sob a penumbra protectora da noite, o chefe da agência, o coronel Waldir Alves Costa Muniz, preparava-se para receber o general português António Ribeiro Sebastião de Spínola e para ouvir e registar uma proposta extraordinária. Na acta com a chancela “pessoal-secreto” que Waldir redigiu e assinou dava-se conta do pedido ao Governo de “uma área de treinamento localizada no interior do país”, que serviria de base para “adestramento e adaptação de 600 homens” que estavam exilados no Brasil ou viriam de Angola e de Portugal. Objectivo: preparar uma força “para invadir Portugal e retomar o poder”.
Dois dias depois, os serviços do SNI consideram o relatório merecedor de “tratamento especial” e enviam-no para a agência central, em Brasília, onde a 23 se extrai uma cópia para “conhecimento do chefe do SNI”. Daí seguiria para o gabinete do presidente Ernesto Geisel, um luterano descendente de alemães do Rio Grande do Sul frio e pragmático. O seu despacho manuscrito na margem esquerda do relatório é curto e seco: “Não podemos e não devemos nos engajar”, escreveria num registo sem data.
Não se sabe como e quando foi Spínola avisado deste despacho, se é que o foi. Mas a rejeição liminar do seu pedido por parte de um regime militar de direita, alinhado com as estratégias de Washington na defesa do “mundo livre”, só pode ter sido um forte revés. Da segunda vez que se encontrou com Spínola no Rio de Janeiro, onde se encontrava voluntariamente exilado, Adriano Moreira encontrou-o “angustiado”. “Ele disse-me que estava muito desiludido com a falta de apoios para as suas causas”, recorda Adriano Moreira à Revista 2.
Havia três meses que Spínola vivia o seu exílio brasileiro, forçado pelo fracasso do golpe do 11 de Março, ao qual esteve intimamente associado, e pela primeira vez conseguia ter à sua frente interlocutores à altura das suas ambições. Além de Waldir, que mais tarde seria secretário da Segurança do Governo do estado do Rio de Janeiro, nessa reunião que decorreu entre as nove e as onze horas da noite de 17 de Junho estiveram também dois tenentes-coronéis e dois coronéis, entre os quais Mário Orlando Ribeiro Sampaio, futuro comandante do Centro de Informações do Exército e, ainda no período da ditadura, governador da 4.ª Região Militar do Brasil. Ao longo da conversa “Espínola”, na grafia do relatório, respondeu a uma bateria de perguntas dos membros da polícia secreta, interessados não só em saber “as causas e consequências da actual situação lusa”, mas também quais as suas “pretensões” sobre a criação de “um movimento que possibilite a derrubada do actual regime português”.
É então que Spínola expõe as suas teses, associando a “derrota em Portugal após o 25 de Abril” à “infiltração comunista nas Forças Armadas” e à substituição de “chefes de gabarito e competência” por “oficiais acomodados”. Com o poder militar controlado pelos comunistas, os portugueses viram-se obrigados a votar no socialismo (nas eleições para a Assembleia Constituinte, em 25 de Abril de 1975) “por não ter outra opção”. O sucesso da operação dirigida pelo PCP, assinalava Spínola aos seus interlocutores, provava as dificuldades do “mundo ocidental unido” em defender-se das “ideias” e da “penetração comunista”. Só que pela sua experiência como líder autoproclamado do combate anticomunista, lamentava que a defesa de Portugal da ofensiva soviética não fosse um “imperativo” para as democracias ocidentais. Suspeitava até de que o país estava a ser vítima de “uma estratégia na qual deixar-se-ia Portugal cair no domínio comunista para servir de vacina e anticorpos para o mundo ocidental”.
Era neste momento de urgência que o ex-presidente se dispunha a actuar. Ele seria o último reduto do combate à ofensiva patrocinada pelos soviéticos, o paladino do mundo livre. Na sua agenda levava aos militares brasileiros a promessa de que “estão sendo planeadas diversas actividades no sentido de se invadir Portugal”. O Movimento Democrático de Libertação de Portugal, MDLP, que Spínola liderava e que contava com uma organização espalhada pela Espanha (Alpoim Calvão, José Miguel Júdice, entre outros), França (Sanches Osório) e Brasil, tinha sido já anunciado um mês e meio antes e começava a articular-se com o Exército de Libertação de Portugal (ELP), que unira figuras da extrema-direita, incluindo ex-elementos da PIDE, apostadas em “limpar o país de todos os cães comunistas e traidores” e com o Movimento Maria da Fonte, liderado pelo editor da obra de Spínola Portugal e o Futuro, Paradela de Abreu, e por Jorge Jardim, em íntima conexão com o Arcebispado de Braga e sectores empresariais do Norte do país.
Mais tarde, a 16 de Janeiro de 1976, Spínola diria ao jornal Tempo que “nunca esteve no espírito ou nos planos do MDLP invadir Portugal, pela simples razão de que a sua força de combate (…) é o povo português”. A acta assinada por Waldir Muniz mostra uma realidade oposta. Carlos Simas, hoje coronel na reserva, foi um dos mais colaboradores próximos de Spínola no exílio brasileiro e recorda que “a sua ideia era entrar em Portugal num cavalo branco, levando atrás de si o exército”. Para o general de monóculo e pingalim, cuja imagem correra as capas de algumas das mais influentes revistas internacionais, em Junho de 1975, o pior perigo para Portugal era a hesitação, o adiamento de decisões. Spínola temia “a consolidação da liderança da minoria comunista” e na sua entrevista com a secreta brasileira defendeu haver “uma grande urgência no desencadeamento das acções”, concedendo a si próprio um “prazo máximo de seis meses” para lançar a invasão. Pelas suas contas, bastariam “cinco mil homens bem armados e adestrados” para “invadir Portugal com êxito”.
Depois de expor a sua estratégia, Spínola faz bluff com os militares da SNI. Diz-lhes que boa parte das forças que necessita estão já sob a sua disponibilidade em bases africanas, nomeadamente na “Rodésia (actual Zimbabwe), África do Sul e Zaire”, onde, asseverou o general, recebem “treinamento especial, aguardando uma fase de adaptação a armamentos modernos e sofisticados”. Waldir “deduziu, com relação ao armamento e equipamento, tratar-se de auxílio a ser prestado pelos Estados Unidos”. Spínola disse que sim. Como hoje se sabe, Spínola nunca foi capaz de mobilizar tropas em África. Nem de chamar os norte-americanos à sua causa.
Em Angola, o máximo que conseguiu foram duas mil espingardas obtidas já na segunda metade de 1975 numa negociação no Ambriz entre Holden Roberto, então líder da Frente Nacional de Libertação de Angola, e Alpoim Calvão, o militar destemido que na Guiné tinha liderado o audacioso ataque ao PAIGC em Conacri no final de 1970. A reunião fora facilitada por Gilberto Santos e Castro, que tinha deixado a frente do MDLP em Madrid para combater os cubanos em Luanda no Verão de 1975. Em relação aos Estados Unidos, o aquecer do Verão Quente levara o embaixador Frank Carlucci, que tinha via aberta para o presidente Gerald Ford através do chefe de gabinete Donald Rumsfeld, a apostar no PS e em Mário Soares como antídoto para o avanço do PCP. Um despacho da Associated Press de 25 de Setembro citado pelo historiador Keneth Maxwell afirmava que a CIA estava a depositar todos os meses nas contas do PS entre dois e dez milhões de dólares.
Fazendo vez de forte, Spínola declarou ao SNI não necessitar de apoio financeiro do Brasil. Queria apenas “facilidades” para a base de treino. A localização “no interior do país” justificava-se pela necessidade de garantir “um sigilo absoluto” durante todo o tempo da sua utilização, que o general estimava em “dois a três meses”. No seu papel de vendedor de estratégias, Spínola insistia que o seu pedido não “onerará o país”, até porque o transporte das tropas após o seu treino “para uma base em algum lugar da Espanha” seria feita por sua conta em risco. Na acta, não se explicita a data em que esse movimento seria feito. Aparece apenas uma referência em código, com um D seguido de sete pontos. Poderia referir-se a Dezembro, o que coincidia com o prazo máximo de seis meses que Spínola considerava crucial para o sucesso da operação.
O bluff de Spínola era premeditado. Ele soubera por intermédio de Adriano Moreira que os americanos não estariam dispostos a envolver-se nos seus planos de invasão. Moreira, que era docente de Direito na Universidade Católica do Rio de Janeiro e no Instituto Superior de Defesa, tinha-se encontrado com Arthur Moura, o adido militar de Washington em Brasília, que era de ascendência portuguesa, e ficara a saber quais eram os planos norte-americanos para Spínola. “Uma vez almoçámos e ele disse-me que não acreditava no apoio dos Estados Unidos a um possível transporte de tropas para Portugal. Depois estive com o general Spínola e disse-lhe que o Governo americano não tinha grande apreço pela intervenção dele”, lembra Adriano Moreira.
O relatório do SNI que prova a existência de negociações para a organização de uma força militar destinada a abrir uma frente de luta armada contra o regime em Portugal é desconhecido das principais obras de referência dedicadas ao spinolismo ou ao período pós-25 de Abril. Aparece citado na monumental obra que o jornalista Elio Gaspari dedicou à ditadura militar brasileira (1964-1985), a tetralogia As Ilusões Armadas. Sanches Osório, nomeado por Spínola como o representante do MDLP para os assuntos internacionais, desconhecia a sua existência e nunca ouvira falar da diligência junto do SNI. Leu esse documento há duas semanas, em Lisboa, com um sorriso nos lábios e repetidas exclamações: “É engraçadíssimo. É engraçadíssimo”, dizia. Carlos Simas tem presente os devaneios de um general que já não tinha tropas desde a Guiné e dá como natural a existência do pedido ao SNI. “Eu disse-lhe muitas vezes: general, isso da invasão é um sonho.” Em vão.
O exílio
Spínola não teve uma entrada fácil no Brasil. A sua fuga de helicóptero de Tancos no final do dia 11 de Março para a base aérea espanhola de Talavera la Real, perto de Badajoz, criou um problema diplomático que as autoridades de Madrid se apressaram a resolver, reenviando o general e a sua tropa para o outro lado do Atlântico. Três dias depois do golpe falhado, o general, a sua mulher e 19 oficiais portugueses embarcaram num voo comercial da Ibéria. A celeridade com que o caso foi despachado permitiu ao ministro da Informação e Turismo espanhol, León Herrera, citado na biografia que Luís Nuno Rodrigues dedicou ao general, dispor de uma “prova evidente de que o Governo espanhol pretende manter as melhores relações a todos os níveis com Portugal”. Spínola nem sequer é autorizado a falar com os jornalistas antes de embarcar.
Quem não gostou da ousadia foi o Brasil, que através do seu ministro das Relações Exteriores, Azeredo da Silveira, censurou o facto de o seu Governo não ter sido “consultado em nenhum momento sobre a decisão espanhola”. Acto contínuo, o desembarque de Spínola no Brasil não é autorizado. O general e a sua comitiva são obrigados a voar para sul, em direcção a Buenos Aires, onde o Governo argentino lhe concede asilo durante um “período de trânsito”. Na América do Sul do tempo das ditaduras militares, Augusto Pinochet, fresco no cargo, é o único a abrir-lhe as portas. Só no final do dia 15 Spínola recebe de Brasília o estatuto de exilado. Para o confirmar, assina uma declaração de renúncia a actividades políticas no território brasileiro.
Nessa noite, Spínola aterra em Guarulhos, o aeroporto internacional de São Paulo. Aí ficaria duas noites hospedado no Hotel Hilton, no centro da cidade, até que a 19 de Março viajou para o Rio de Janeiro, o epicentro da concentração dos exilados portugueses depois do 25 de Abril. “Um grupo de portugueses influentes no Rio, entre os quais Tomé Feteira, dispuseram-se a levar-nos para lá”, recorda Carlos Simas. Spínola chegou ao aeroporto do Galeão “sem abandonar o monóculo, encaixado no olho direito e envergando um elegante fato castanho”, relataria o Diário de Notícias. A sua base no Rio seria o Hotel Apa, no bairro de Copacabana, uma unidade de três estrelas que ainda hoje tem as portas abertas.
Quando Sanches Osório se deslocou à base de comando do MDLP, no princípio de Maio, não pôde deixar de reparar que a paixão do general pelos hábitos das casernas não tinha desaparecido. “Ele tinha montado um quartel no hotel, com um oficial de dia e tudo.” Carlos Simas confirma só em parte esse relato. “O general ocupava um andar do hotel, onde vivia com a mulher, onde estava também a sua secretária e onde nos reuníamos para trabalhar. Mas nunca houve um oficial de dia”, diz. Enquanto a maior parte dos oficiais que o acompanharam acabou por ter de alugar apartamentos nas redondezas, Spínola ficou hospedado no Apa até ao final do seu período brasileiro.
Sanches Osório foi ao Brasil, onde passou “dois ou três dias” e levou o projecto de estatutos do MDLP. O coronel na reserva não se lembra se foi esse o principal propósito da visita. Do que se lembra é de um clima de cortar à faca no “quartel-general” de Spínola. “Mal cheguei, o general disse-me: ‘Ainda bem que já cá está. Vamos almoçar a Petrópolis com o Carlos Lacerda’, que tinha sido governador do estado do Rio de Janeiro. Mas o Carlos Simas chegou ao pé de mim e disse: ‘Não fales com o general antes de falares comigo.’ Já estavam todos zangados uns com os outros e todos com Spínola”, recorda Sanches Osório. Carlos Simas lembra-se de um desses momentos de tensão, quando o general admitiu a possibilidade de sair do Brasil clandestinamente (só recebeu o seu passaporte brasileiro no final de Maio de 1975). “Imagine o que seria um ex-Presidente da República ser detido por um guarda fronteiriço”, diz Simas. “Aí, eu disse-lhe: ‘Se tentar fazer isso, eu denuncio-o.’ Ele pôs-me na rua, mas passado umas horas deu-me o braço e disse que eu tinha razão.”
No meio da barafunda, da nostalgia de um país que acreditavam estar a caminho de uma ditadura comunista e da solidão, Spínola e a sua equipa trataram desde os primeiros momentos dar músculo à intenção de abrir uma frente armada para a “libertação” de Portugal. A ditadura militar brasileira parecia ser um bom começo para angariar meios. Militares costumam ter afinidades com militares. A 26 de Março, uma semana depois de aterrar no Brasil, Spínola escreve ao Presidente Geisel agradecendo-lhe a “fidalga hospitalidade” na “hora difícil que a pátria portuguesa atravessa”. A simpatia, porém, não deu frutos. “Ele nunca conseguiu falar com o general Geisel. Teve contactos apenas com o João Baptista Figueiredo, que também era da arma da cavalaria e tinha muita influência nesse tempo”, recorda Carlos Simas — Figueiredo sucederia a Geisel na presidência em 1979.
O grande aliado do general foi Carlos Lacerda, um destacado político da direita brasileira que Salazar condecorara com a Grande Cruz de Cristo. Nas páginas do seu jornal, o Tribuna da Imprensa, Lacerda especializara-se desde 1949 nos apelos a golpes militares. As acusações que faz de corrupção à classe política brasileira, raramente fundamentadas, fazem parte do puzzle que levou ao suicídio do Presidente Getúlio Vargas, em 24 de Agosto de 1954, e à demissão do Presidente Jânio Quadros em 1963. Lacerda tinha atingido o seu auge político quando se fez eleger para o Governo do estado do Rio (na época Estado de Guanabara), em 1960. Apoiante do golpe militar dos generais em 1964, tinha-se incompatibilizado com o regime. Em 1967, viu os seus direitos políticos suspensos por dez anos.
Por coincidência, Lacerda tinha lido Portugal e o Futuro, o livro no qual Spínola expunha as suas ideias sobre os limites do regime e projectava um cenário federal para o Império. Estava em Lisboa em Fevereiro de 1974 quando a obra foi publicada e deu “um máximo de quatro meses de sobrevivência ao Governo de Marcello Caetano”. Errou por excesso. De regresso ao Rio, publica o livro na sua editora Nova Fronteira, o que renderia a Spínola 34 mil cruzeiros (5200 dólares no câmbio da época) em direitos de autor no momento. Profundo conhecedor de Portugal, que num artigo publicado na revista Manchete em Maio de 1974 definiria como “um país afogado pela História”, apareceria na imprensa brasileira como o principal intérprete da revolução dos cravos. “Spínola deu-lhe a oportunidade de voltar a escrever nos jornais. Ele tinha os direitos políticos cassados, mas podia escrever sobre Portugal, sobre a descolonização, etc”, diz Simas, que se tornou seu amigo até à data da sua morte, em 1977.
Como contrapartida, Lacerda tornou-se um dos principais conselheiros do general. Spínola recusa a designação de Frente de Salvação Nacional e opta pelo conceito de “movimento democrático de libertação” depois de o assunto ter sido “largamente meditado e resolvido com base no conselho do Dr. Carlos Lacerda, homem de excepcional experiência política”, de acordo com uma carta dirigida a Alpoim Calvão citada por Eduardo Dâmaso no seu vívido livro-reportagem publicado em 1994 A Invasão Spinolista.
Além das ligações literárias e ideológicas, a aproximação de Lacerda a Spínola faz-se com a ajuda de Luís Forjaz Trigueiros, que era primo afastado do político brasileiro. Trigueiros fora um jornalista militante do Estado Novo e dirigira a editora Bertrand até 1974, quando teve de se exilar. No Rio, prosseguiria a sua carreira na editora Nova Fronteira, de Lacerda. Trigueiros, Spínola e, entre outros, Carlos Simas, reuniam-se em fins-de-semana no sítio do Rocio, em Petrópolis, a 44 quilómetros do Rio, que era propriedade de Lacerda, ou participavam em jantares promovidos por Adolpho Bloch, o patrão da poderosa revista Manchete. Entre os brasileiros que participavam nestes encontros, estavam também Nina Ribeiro, deputado federal do partido dos generais no poder, e Armando Falcão, futuro ministro da Justiça da ditadura.
As pontes políticas que Spínola tinha construído no Rio não bastavam porém para lhe abrir as portas do auxílio aos seus planos conspirativos. A 13 de Maio, consegue uma reunião com o director e o vice-director do Centro de Informações da Marinha. Numa acta dessa reunião, citada por Luís Nuno Rodrigues na sua biografia de Spínola e que se encontra nos arquivos da Fundação Getúlio Vargas, o general proclamou que queria levar a cabo “um projecto de características revolucionárias, cujo propósito seria a derrubada do actual Governo português”. Pretendia desencadear “uma acção subversiva, nos mesmos moldes daqueles preconizados pela União Soviética, podendo até chegar à acção de guerrilha”. Spínola mostrou-se agastado com o Governo do Brasil. Sentia-se “completamente isolado, em posição de verdadeiro cativeiro” por não ter ainda acesso a um passaporte, o que travava “a imperiosa necessidade de deslocar-se para contactos com representantes de governos estrangeiros em carácter absolutamente sigiloso”.
O seu passaporte seria emitido em 23 de Maio e uma semana depois está em Nova Orleães por duas semanas. Em meados de Junho, volta aos EUA e passa no México em “negócios”. Em Julho voa para Paris, tendo passado antes por Genebra, onde se reuniu com um grupo de políticos portugueses à direita do PS. Em Setembro, regressa à Europa e a 17 Novembro parte para os Estados Unidos a convite “de associações de americanos de origem portuguesa”. Na Universidade de Connecticut, profere a conferência O Declínio do Ocidente. Discursa depois no prestigiado Council of Foreign Relations. A destruição da democracia em Portugal seria um passo para a destruição da liberdade no Ocidente, insiste. No dia 19, reúne mais de quatro mil pessoas num evento em Newark. Quatro dias depois está no Canadá, falando para 800 pessoas numa sala. A imprensa relata que duas a três mil tinham ficado sem lugar no exterior.
Numa das suas visitas a Paris, instalou-se numa casa de um construtor civil português, “o senhor Antunes”, e, como era seu hábito, “transformou-a no seu quartel”, conta Sanches Osório. Mário Soares admitira que o Presidente francês Giscard d’Estaing lhe dissera no Verão de 1975 que Portugal era um caso perdido e que o que faria sentido era “ajudar Spínola e as forças que se encontravam no exterior do país”. Essa leitura da situação ajuda a explicar o encontro que Sanches Osório conseguiu entre Spínola e o conde Alexandre de Marenches, chefe da secreta militar francesa, a SDECE. “Pareceu um filme da CIA. Entrámos num carro, a secretária de Spínola noutro e cada um seguiu o seu caminho. Ela foi para a minha casa e nós para a sede do SDECE. Tivemos de mudar de carro duas vezes pelo caminho”, recorda Sanches Osório. Mas o que começou como uma fita da série B acabou numa trágico-comédia.
“Foi um desastre”, lembra Osório. “Ele acabou por dizer ao conde o que disse aos militares brasileiros e está no relatório da reunião no SNI”, acrescenta. Os planos “irrealizáveis” de Spínola serviram apenas para que os franceses se afastassem de qualquer plano de apoio ao seu movimento. Para agravar o desastre, um encontro com capitalistas portugueses na casa de Manuel Boullosa, em Neully, para garantir financiamentos, correu ainda pior. Participaram, além de Boullosa, Manuel Quina e António Champalimaud, que, de acordo com o relato do jornalista Eduardo Dâmaso, acusou o general de andar a “ver navios” depois do 25 de Abril e de ser um “fantoche”. Champalimaud disse que só financiaria o general se “ficasse ele como estratega e orientador político do MDLP, porque não acreditava no general Spínola”. Spínola nem ficou para o almoço.
Numa segunda viagem à Europa, já em 1976, as coisas ainda correram pior. Spínola desembarcou em Paris com um passaporte em nome de António Ribeiro e foi bloqueado em Perpignan, quando se preparava para entrar em Espanha. No regresso, Sanches Osório vai esperá-lo ao aeroporto de Orly, onde um major da secreta francesa o incumbe de realizar uma ordem do ministro do Interior, o príncipe Michel Poniatowski: Spínola tinha 24 horas para deixar a França. “Dei-lhe o recado e ele respondeu: ‘Vou mandar o meu chefe de gabinete falar com o ministro’”, recorda Sanches Osório. A megalomania do general permanecia intacta. Acabaria por rumar para Genebra, com o seu sonho de invasão cada vez mais remetido para a os confins da sua imaginação.
As bombas vistas de Copacabana
À margem do vaivém do general, o Verão Quente de 1975 aquecia. Com o terreno ocupado pelo ELP e, principalmente, pelo Movimento Maria da Fonte, o MDLP conquista espaço à custa do prestígio e simbolismo de Spínola. Paradela de Abreu, que juntamente com Jorge Jardim e o cónego Eduardo Melo são os principais rostos da insurreição conservadora e católica que estala no Norte, dizia que “o povo organizado para uma revolta tinha de ter um chefe”. E Spínola tinha as condições ideais: era um “general clandestino, guerrilheiro” e não estava “ostensivamente ligado a nenhum partido”. Mais difícil seria uma união de facto com o ELP, que se inspirava em figuras da elite militar ainda mais à direita, com destaque para Kaúlza de Arriaga.
Spínola, porém, mantém reservas face a estes movimentos basistas. “Ele dizia para não se fazer nada, para se esperar pelo seu regresso”, recorda Carlos Simas. Com o directório em Madrid a esboroar-se em divergências políticas, com o desgaste que Spínola ia sofrendo no plano internacional, a acção do MDLP fazia-se no terreno sem que houvesse uma voz de comando centralizada, sem uma estratégia definida. Carlos Simas deixa o Brasil em Setembro e segue por sua conta e risco para a raia, entrando em Portugal clandestinamente para apoiar acções como os cortes de estrada em Rio Maior. Sanches Osório permanece em Paris, onde tenta encontrar meios para comprar armas. No Norte, Alpoim preserva a sua aura de guerreiro corajoso e, depois de Agosto de 1975, junta-se sem equívocos à rede bombista que destrói sedes e mata figuras ligadas ao PCP. No Rio, Spínola dava folga ao desdém crescente dos operacionais. “Ele gostava mais de conspirar em Copacabana”, diria depois Paradela de Abreu.
Mesmo que verdadeira, essa profissão tornava-se cada vez mais árdua para o general que acreditara liderar uma campanha internacional para livrar Portugal e as colónias do veneno soviético. A cada mês que passava, o cerco em que vivia apertava-se. Em Espanha, Franco, que morreria em Novembro de 1975, concedia facilidade para treinos de guerrilha no Vale dos Caídos e fechava os olhos aos movimentos dos bombistas na raia, mas recusava ter no seu solo um emblema tão brilhante da oposição à jovem democracia como Spínola. Em França, o seu delírio tornara-o uma anedota. Os americanos apostavam em Soares. E, com o tempo, até o Brasil dos generais começou a ficar cansados das diatribes.
Em Agosto de 1975, a hipótese de Portugal se tornar um país controlado pelo Partido Comunista era mais real do que nunca. O segundo Governo de Vasco Gonçalves tomara posse a 8 e, apesar de terem obtido 64% dos votos nas eleições para a Assembleia Constituinte no dia 25 de Abril, o PS e o PSD estavam na oposição. Numa entrevista à jornalista italiana Oriana Fallaci, Álvaro Cunhal tinha posto as cartas na mesa: “Os comunistas não aceitam o jogo das eleições (…) Se pensa que o PS com os seus 40% e o PSD com 27% constituem a maioria, engana-se. (…) As eleições não têm nada, ou têm pouquíssimo a ver com a dinâmica revolucionária (…) Portugal não deve ser um país de liberdades democráticas e de monopólios. Não deve ser um companheiro de viagem das democracias burguesas, porque não o permitiremos.”
O país partia-se em dois, seguindo uma linha que passava por Rio Maior onde, a 13 de Julho, o assalto violento à sede do PCP inicia a agitação do Verão Quente. O PCP promete erguer uma “verdadeira muralha de aço” em torno da capital. Num comício em Lisboa o PS reúne 200 mil pessoas que pedem a demissão do Governo de Vasco Gonçalves. O Norte agita-se insuflado pelo protesto da Igreja. Entre 29 de Julho e 5 de Agosto, Alpoim Calvão conta no seu livro de memórias De Conakry ao MDLP: Dossier Secreto “27 incidentes [dos grupos de direita], desde assaltos a sedes, incêndios e sabotagens e actos bombistas” que muitas vezes ocorriam “depois de manifestações de apoio ao bispo local”. A 7 de Agosto, militares moderados como Melo Antunes, Vasco Lourenço e Vítor Alves anunciam o Documento dos Nove, que acusava o MFA de manter um projecto político “que não correspondia à sua vocação original nem ao papel que dele esperava a maioria do país”. Para Soares, o MFA cedia a uma minoria “arreigadamente totalitária e de vocação suicida”. Nada que impedisse a tomada de posse do V Governo no dia seguinte.
No seu andar no Apa, Spínola assistia à vertigem de um país a caminho de uma guerra civil e decide quebrar o compromisso de renúncia à intervenção política. A 11 Agosto, numa entrevista ao jornal belga Het Belare van Limburg, diz que “espírito inicial do 25 Abril” tinha sido “completamente traído, frustrando as expectativas da maioria do povo português”. Dias depois, a 18, sobe o tom e torna pública uma carta ao Presidente Costa Gomes, na qual lhe perguntava: “Para onde leva Portugal?” Aí, considerava confirmadas as expectativas que o levaram a “advertir os portugueses para as consequências da criminosa política de ‘terra queimada’ que um grupo de traidores tinha em mente realizar para sobre as ruínas de Portugal implantar um Estado comunista”.
Os ecos da carta chegam a Washington, que através da sua embaixada em Brasília pergunta ao Governo se o Itamaraty [sede do Ministério dos Negócios Estrangeiros] iria “molestar” Spínola por causa da divulgação da carta. Um adido responde-lhe que a carta fora emitida a partir de França. A embaixada portuguesa protesta, lembrando que quando concederam asilo a Spínola o fizeram na condição de “não estarem dispostas a permitir (…) quaisquer actividades ou tomadas públicas de posição”. O Governo brasileiro, porém, tergiversa. Se saudara com entusiasmo o novo regime e, principalmente, a descolonização que lhe abria as portas para uma maior liberdade de movimentos em África, um ano depois a condescendência com a “Estação Lisboa”, que reunia os opositores à ditadura militar exilados eram acolhidos com aplauso, causava tensão nas relações bilaterais.
Numa declaração proferida a 23 Agosto, o ministro dos Estrangeiros do Brasil, Azeredo da Silveira, lembrava que o princípio da “não intervenção” era apenas uma das facetas do problema. O outro era o respeito. Não podia “ser respeitado quem não respeita” nem “reclamar contra a ingerência quem intervém”. Na capital portuguesa, estavam nessa altura, entre outros, o almirante Cândido Aragão, um dos expoentes do nacionalismo militar dos anos 60, Maurício Paiva, guerrilheiro do Vanguarda Popular Revolucionária, o jornalista escritor Márcio Moreira Alves ou Diógenes Arruda, um dos cérebros do Partido Comunista do Brasil (maoísta) — em 1978 chegaria Leonel Brizola. Intelectuais como Miguel Urbano Rodrigues ou César Oliveira criaram o activo Comité Pró-Amnistia Geral no Brasil, em 30 de Maio de 1975. Lisboa não podia exigir silêncio a Spínola depois de dar albergue a tanto ruído de oposicionistas brasileiros.
No terreno, o braço operacional do MDLP avança com actos de sabotagem e de bombismo. Militares juntam-se a milícias populares e fornecem técnicas de combate e comando. No Outono de 1975, Alpoim e os seus homens estão na linha da frente. No dia 4 de Outubro, uma denúncia leva a polícia a entrar de surpresa no Seminário de Braga, onde prende o tenente Benjamim Abreu (o “lendário combatente da Guiné”, segundo Alpoim) e o major Mira Godinho, o oficial da Força Aérea que tripulara o helicóptero que levara Spínola de Tancos para a Espanha nesse fatídico dia 11 de Março de 1975. Paradela de Abreu e Alpoim Calvão também se encontravam no Seminário, mas puderam escapar a tempo. Foram “onze horas de espera que aproveitei para dormir”, escreveria Alpoim no seu Dossier Secreto.
Os sinais da irreversibilidade da implantação comunista esmorecem em Setembro, quando Pinheiro de Azevedo substitui Vasco Gonçalves no Governo, mas nem esse inesperado ar de apaziguamento evita os rumores de que Spínola dava os últimos passos para a tão anunciada invasão. Uma entrevista ao Expresso, que acabaria por ser publicada na revista carioca Manchete, fundamentava esses rumores: se não fossem dadas “possibilidades às massas populares de se manifestarem pacífica e ordeiramente contra a violência praticada contra elas, outro caminho não lhes resta senão responder à violência comunista com a violência anticomunista”, dizia Spínola.
Para o MDLP, os dias de glória estariam para chegar. Esses dias de agitação eram aproveitados para dinamizar grupos no terreno, obter financiamentos de empresários, para criar condições logísticas e operacionais. Em Espanha, o avanço comunista assustava o Governo de Franco. A revolução estava “a ser vista como um cavalo sem freio que se precipitava inexoravelmente para o abismo, pelo que a ditadura, por todos os meios, tentou fazer com que a Espanha não fosse arrastada nessa louca corrida”, escreveu o historiador Josep Sánchez Cervelló. Um barco carregado com 26 toneladas de armas e munições fornecidas por Holden Roberto estava para chegar às praias da Galiza com a cumplicidade da Guardia Civil espanhola. Uma operação que, segundo Eduardo Dâmaso, “credibilizou significativamente o MDLP aos olhos dos refugiados que ali se encontravam”.
O 25 de Novembro seria para muitos o canto do cisne dessa tentação contra-revolucionária. A derrota do PCP era a prova de força dos militares moderados. Sanches Osório e Carlos Simas, entre muitos outros militares do círculo próximo de Spínola, mudam de vida. Alpoim Calvão diria numa entrevista ao PÚBLICO em Fevereiro de 1994 que após o 25 de Novembro se afastou. “Antes disso, podem dizer que fui eu que as mandou pôr [as bombas], a todas, que eu não desminto. Depois disso, nem uma! Bem, as coisas foram-se resolvendo pelo tempo e pelo diálogo, embora, dentro daquilo que restava do MDLP, houvesse ainda quem continuasse a pôr bombas quase por profissão”, afirmou.
A rede bombista ganhara vida própria. Deixara de propor um combate de ideias e de lutar pelo espírito inicial do programa do MFA e derivara para a delinquência. Nos primeiros meses de 1976, o rebentamento de bombas e os atentados contra bens e pessoas aumentaram, apesar dos crescentes sinais de estabilização política. Em Braga, a noite de 29 de Janeiro de 1976 foi o “pandemónio”, com sete rebentamentos simultâneos. “Aquela malta começou a fugir em todas as direcções. Pum dum lado, pum do outro!”, afirmou no seu depoimento à Polícia Judiciária Ramiro Moreira, um dos condenados no processo da rede bombista.
Numa declaração registada pelo jornalista alemão Gunter Wallraff, o assessor político de Spínola José Valle de Figueiredo explicaria o lugar onde estava o MDLP nessa nova fase do processo político: “Nós não podemos confessar que recomendamos acções militares e as executamos. Para o exterior, temos de parecer pacíficos. E por isso nunca confessamos que essas acções são nossas. E como toda a gente julga que tais ataques só podem ser do ELP, deixamos as coisas correr.” Na prática, o MDLP tinha-se diluído no devaneio bombista, inorgânico e difuso, sem sentido político e prestes a ajustar contas consigo mesmo. Os assassinatos em Vila Real do padre Maximino Sousa e da estudante Maria de Lurdes Pereira, em Fevereiro de 1976, e três anos mais tarde do empresário Joaquim Ferreira Torres, que integrava o MDLP, são a prova deste estertor de uma guerra contra sedes de partidos e pessoas do PCP ou da extrema-esquerda.
E Spínola? Apesar de ter reconhecido a bondade do 25 de Novembro (“os comunistas fracassaram em Portugal e o país talvez possa encontrar em breve o caminho para a democracia”, afirmou então), não desistiu das suas ideias de invasão. Seguindo o seu destino em busca da glória perdida, Spínola é um derrotado em desespero quando, em Março de 1976, o jornalista alemão Gunter Wallraff se lhe apresenta como delegado de um movimento europeu da direita interessado em financiar as suas actividades. Wallraff fizera a rota do bombismo pelo Norte de Portugal, conhecendo operacionais no bar Ideal em Braga ou financiadores no restaurante Pelintra na Póvoa de Varzim. No dia 25 de Março de 1976, pouco mais de um ano após a sua fuga de Tancos, o general reúne-se com o jornalista no restaurante Schnellenburg, em Dusseldorf. Spínola pede verbas para a propaganda e para armas.
O escândalo rebenta em Portugal nas páginas do Diário Popular, a 1 de Abril. Spínola desmente tudo, mas sete dias mais tarde a revista alemã Stern publica uma reportagem com fotografias. A armadilha foi de duvidosa deontologia, mas de uma eficácia terrível. Spínola tinha acabado. No Expresso, Marcelo Rebelo de Sousa decretou “o fim da sua carreira política”. E Vicente Jorge Silva denunciou a deriva de um ex-Presidente “megalómano e senil”. Dia 15, “por imperativo de consciência”, Spínola decreta a suspensão do MDLP. E diz esperar pelas eleições legislativas de Abril, que colocariam o PCP com menos votos do que o CDS, e as presidenciais de Junho, ganhas por Ramalho Eanes, para decidir sobre o seu futuro.
Regressaria a Lisboa em 10 de Agosto vindo de Nova Iorque. Em vez de um povo reconhecido, esperava-o a prisão de Caxias, onde após dois dias de detenção foi libertado por “falta de indícios suficientes de culpabilidade”. O país exausto após um ano de guerra fria ansiava pela normalidade. Spínola seria depois reintegrado nas Forças Armadas em 1978, em 1981 recebe o título de marechal e em 1987 o Presidente Mário Soares atribui-lhe a Grã-Cruz da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito.
O “De Gaulle” português, que destapou com um livro a tampa de um regime caduco, que foi o primeiro Presidente do novo regime, que tentou a todo o custo evitar uma descolonização feita à medida dos interesses soviéticos, que lutou contra a ascendência do PCP e da extrema-esquerda no seio do MFA talvez fosse “um bom militar e um mau político”, como mais tarde o recordaria Costa Gomes. “Spínola cometeu muitos erros, foi ingénuo politicamente, deixou-se muitas vezes conduzir pela sua ambição e pela sua vaidade”, diria Nunes Barata, chefe de Gabinete na Guiné e na Presidência da República, num depoimento colhido pela historiadora Maria Inácia Rezola.
Foi essa vaidade e ambição temperada pelo sentimento de dever para com o país que o levaram na noite de 17 de Junho à sede do SNI. Para ele, transformado num ícone do guevarismo conservador tão útil ao Ocidente no auge da Guerra Fria, o apoio do Brasil, da França ou da América era uma questão de pura racionalidade. Errado o alvo, deixou-se mergulhar em delírios e em ciladas. Tornou-se uma caricatura de si próprio. Ou, como afirmou em Dezembro de 1995 ao Diário de Notícias, sentiu-se “uma sombra, uma sombra do passado”. Morreu em Lisboa, vítima de embolia pulmonar, às 3h30 do dia 13 de Agosto de 1996.