O cromossoma Y é muito mais vital (para os homens) do que se pensava
O cromossoma do sexo masculino não serve só para o desenvolvimento do aparelho reprodutor e das características sexuais dos homens. Ao que tudo indica, também garante a viabilidade do seu organismo.
Mas há dezenas de milhões de anos, isso mudou e o cromossoma Y começou a encolher drasticamente, tendo perdido, até hoje, 97% dos genes que inicialmente continha. Esta aparente fragilidade levou alguns especialistas a propor que o cromossoma Y tinha os dias contados, mas dois estudos publicados esta quinta-feira na revista Nature vêm contrariar de vez esta teoria da deterioração progressiva e inevitável do cromossoma Y.
Os autores de duas análises genéticas independentes – a equipa de Henrik Kaessmann, da Universidade de Lausanne (Suíça), por um lado; e a de David Page, do Instituto Whitehead (EUA), por outro – compararam agora, com uma resolução sem precedentes, o cromossoma Y humano com o de uma série de espécies de mamíferos, do ornitorrinco e do canguru ao chimpanzé e ao ser humano, passando pelos ratinhos, os touros e outros.
Conseguiram a partir daí acompanhar a evolução, ao longo do tempo, desse bocadinho de ADN supostamente atrofiado e em constante declínio. E ambas as análises confirmam que o cromossoma Y, embora tenha efectivamente perdido muito material genético no início, tem-se mostrado desde então excepcionalmente estável – e nada frágil.
O cromossoma Y, apesar de possuir apenas umas centenas de genes, tem sido difícil de reconstituir porque contém muitas sequências genéticas repetitivas e invertidas, o que levou cada uma destas equipas a utilizar estratégias específicas de sequenciação. A equipa de Kaessmann conseguiu determinar, em particular, que o cromossoma Y terá surgido como tal há cerca de 180 milhões de anos.
Quanto à equipa de Page, já tinha recentemente mostrado que, na sua versão humana actual, dos 600 genes que partilhava ancestralmente com o seu homólogo (o cromossoma X), o cromossoma Y apenas reteve 19. Para Page, o facto de existirem desta forma duas cópias de cada um desses 19 genes (uma no X e uma no Y), o que é muito raro, sugere que, na ausência dessa duplicação, alguma coisa não correria bem. E que é por isso que a evolução se encarregou de os preservar no diminuto cromossoma Y ao longo de dezenas de milhões de anos.
Genes de elite
Mas graças à comparação entre humanos, chimpanzés e macacos rhesus, descobriram algo mais: nos últimos25 milhões de anos, o cromossoma Y humano apenas perdeu um gene ancestral dos 20 que já estavam presentes no antepassado comum a estas três espécies. “Não estamos apenas perante uma escolha aleatória no repertório genético ancestral do Y”, diz Page em comunicado do Instituto Whitehead. “Estes são genes de elite.”
A equipa norte-americana descobriu ainda uma outra coisa importante: uma dúzia desses genes são activados em diversas células e tecidos do corpo, sendo provavelmente essenciais para a regulação da actividade de genes em todo o organismo e não apenas nos tecidos relevantes para a função sexual humana. Isso leva os autores a argumentar que, sem o cromossoma Y, é todo o organismo dos homens – e não apenas o seu aparelho reprodutor – que se tornaria inviável.
“Os nossos resultados indicam não só que o cromossoma Y veio para ficar, mas também que precisamos de o levar a sério, e não apenas no tracto reprodutor [masculino]”, salienta Page .
“A evolução está a mostrar-nos que este genes são verdadeiramente importantes em termos de sobrevivência”, acrescenta por seu lado Daniel Bellott, autor principal do estudo norte-americano, no mesmo comunicado. “Foram seleccionados e apurados ao longo do tempo.”
Ambos os cientistas pensam que a próxima fase de seu trabalho deverá consistir em determinar o que é que esse conjunto vital de genes do cromossoma Y faz exactamente – o que está longe de estar esclarecido.
Contudo, o que lhes parece óbvio é que, apesar de isso não ser detectável à primeira vista pela sua anatomia, as células das mulheres (que possuem um par XX de cromossomas sexuais), são diferentes, a algum nível fundamental, das dos homens (com o seu par XY).
“As células [dos homens e das mulheres] são diferentes do ponto de vista biológico”, diz Bellott. Mas apesar disso, os biólogos celulares e os bioquímicos continuam a estudar células [de mamífero] sem fazer a mínima ideia se são XX ou XY. Trata-se de algo muito fundamental para a biologia e a biomedicina, mas ninguém lhe tem dado muita atenção.”
“Não podemos continuar a ignorar o facto que [os genes do Y] podem ter efeitos que desconhecemos”, salienta Page, que acredita que esta via de pesquisa irá ter implicações gigantescas para a saúde humana. “Claramente, vai ser necessário ultrapassar o modelo unissexo da investigação biomédica”, afirma, “o que significa que temos de ir para além do modelo unissexo no estudo e no tratamento das doenças”.