“Sem o apoio alemão, a transição democrática em Portugal estaria ameaçada”

Klaus Wettig foi um dos três elementos do “grupo de contacto” permanente do SPD alemão em Portugal, após o 25 de Abril. Numa conferência, esta segunda-feira, no Instituto Goethe, em Lisboa, explicou a importância de Portugal na época.

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Miguel Manso

Por ser tão sigiloso, esse apoio ainda não é, apenas, um facto histórico. Reinhard Naumann, da Fundação Friedrich Ebert em Lisboa, explica que um debate sobre o papel da Alemanha na transição portuguesa demorou algum tempo a organizar. Um ex-assessor, alemão, das campanhas de Mário Soares disse-lhe, em tempos, que “ainda era cedo” para falar em público: “Aquilo que posso dizer não interessa e aquilo que interessa não posso dizer…”

Wettig explicou, para um auditório cheio, no Instituto Goethe, sobretudo com várias personalidades do PS (Maria Barroso, Vera Jardim, Ana Gomes e Paulo Pisco), que aterrou em Portugal, no início de 1975, preocupado: “Estava preparado o caminho para uma hegemonia comunista.” Wettig era “especialista em campanhas eleitorais” e trabalhou, directamente com Mário Soares, na determinante eleição para a Constituinte, no dia 25 de Abril de 1975.

A sua deslocação, com dois outros membros do SPD, um intérprete e um assessor político do Parlamento Europeu, deveu-se à intuição de Willy Brandt, o ex-chanceler que visitou Portugal em Novembro de 1974, com uma delegação da Internacional Socialista: “Brandt conhecia as técnicas de poder dos comunistas na Guerra Civil espanhola. Ele não subestimava o poder do PCP em ligação com a União Soviética”. Em Maio, antes de ter estado em Lisboa, Brandt demitira-se da chefia do Governo alemão por ter, no seu gabinete, um espião da RDA – a metade alemã comunista, que apoiava, segundo Wettig, “com muito mais meios”, o PCP português. Entrou para o seu lugar Helmut Schmidt.

O apoio da RFA traduziu-se em três coisas, concretas: dinheiro, “cerca de 10 milhões de marcos”, para os principais partidos portugueses; “formação política” para o crescente número de eleitos (autarcas, deputados, dirigentes) e ajuda nas campanhas.

Foi assim que nasceram as fundações ligadas ao PS, lembra Vera Jardim, como José Fontana, “sem a qual não teria havido a UGT”, e a Antero de Quental, com um papel na formação dos autarcas socialistas.

Foi o “apoio certo, no momento certo”, lembra António Reis. Ainda que Wettig lamente, hoje, que a “normalização” portuguesa tenha ido longe demais, sobretudo no recuo da reforma agrária: “A correcção da reforma agrária devia ter sido feita com mais cautela, no meu entender. Havia cooperativas que tinham pernas para andar…”

Ainda assim,  destaca Wettig, “a experiência da transição portuguesa é muito importante para o que se está a passar, agora, no Leste”. Ana Gomes, eurodeputada socialista, concorda: “Vejo muitos paralelismos com o que se está a passar na Ucrânia”. Mas para a portuguesa, a política, que tinha “lideranças claras” em 74, cedeu a primazia a “interesses económicos poderosíssimos”.

 

Notícia alterada às 14.02, corrigindo a data de demissão do ex-chanceler da RFA Willy Brandt.

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