Uma aldeia assombrada por um fugitivo

Homem que baleou quatro mulheres em Valongo dos Azeites, em São João da Pesqueira, continua a monte.

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Valongo dos Azeites, freguesia onde ocorreu o crime e onde mora Maria Angelina, a ex-mulher do suspeito Paulo Pimenta
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Local onde as mulheres foram baleadas Paulo Pimenta
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Paulo Pego, residente na casa ao lado do local do crime Paulo Pimenta
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Trevões, aldeia onde mora o suspeito, Manuel Baltazar Paulo Pimenta
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Filomena Baltazar, cunhada do suspeito Paulo Pimenta
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Casa de Manuel Baltazar Paulo Pimenta
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Militares da GNR envolvidos na operação de buscas Paulo Pimenta
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Estava escancarada nesta sexta-feira à tarde a porta lateral que dá acesso ao primeiro andar da casa do fugitivo. Os polícias abriram-na de madrugada. Esperavam encontrá-lo lá dentro com uma bala enfiada na cabeça ou noutro sítio sensível. Em frente, estava o carro que conduzira até Valongo dos Azeites, a freguesia vizinha onde na quinta-feira feriu a filha e a ex-mulher e matou a mãe dela e uma tia.

Uma idosa, vestida de preto, ficou grande parte do dia sentada na rua a olhar para a casa de Manuel Baltazar, uma casa de um branco sujo, quase cinza, a repetir: “Valia mais matar-se a ele. Ele matava-se e pronto! Pelo menos aliviava… Aliava-se, não é? Aliviava todo o mundo, não é?”

Tem medo quem testemunhou nos processos em que o fugitivo se opunha à mulher. Alguns saíram das suas casas, não vá o homem aparecer-lhes numa esquina qualquer de caçadeira, dessas de canos sobrepostos que usava para a caça. Filhos vieram buscar mãe, pai ou ambos, desconfiados da eficácia da polícia.

As buscas avançaram noite dentro. Estenderam-se ao longo desta sexta-feira e prosseguem ainda — a pé e de carro.

Conhece bem esses montes, o fugitivo. Cresceu por aqui. Conta uma vida inteira de caça. Ia à perdiz, ao coelho, ao javali. Há dois anos que não se junta ao grupo de que fazia parte. Os colegas sabiam que ele perseguia a ex-mulher e repreendiam-no. Diziam-lhe que tivesse tino, que governasse a vida dele, que a deixasse em paz. Para evitar ouvir tais comentários, ele deixou de aparecer.

Quem conta isso é um caçador que pede para não ser identificado, não vá o homem meter o seu nome nessa tal lista que ninguém sabe se existe mesmo. Lembra-se de ouvir sempre a mesma justificação: Maria Angelina prometera-lhe na igreja ser-lhe fiel, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias das suas vidas, até que a morte os separasse. Esquecia-se, ou pelo menos assim parecia, que ele fizera igual promessa e que a promessa incluía amar e respeitar.

Quase não haverá, em São João da Pesqueira, quem procure desculpas para o homem, a quem chamam “Palito”, por ser tão magro, ou “Boby”, por ser bom na caça. Toda a gente conhecia a história. Muitos já o tinham ouvido ameaçar a ex-mulher, os filhos e todos quantos os ajudassem, como as duas mulheres que matou — uma com 80 anos, a ex-sogra, internada num lar, em casa pelas férias da Páscoa, outra com 65, a ex-tia, em Portugal depois de uma vida inteira a trabalhar em França.

O homem que tanto se procura estava proibido de contactar a ex-mulher desde Outubro do ano passado. Viera para casa com uma pulseira electrónica, que alertava a vítima da sua presença. Como é que ameaças sucessivas, algumas traduzidas em agressões, não chegaram para o encarcerar? — pergunta-se o caçador. Filomena Baltazar perguntava-se o mesmo, sentindo até alguma culpa.

Filomena foi agredida por ele uma vez. Ela ouvira a filha dele gritar por auxílio e fora socorrê-la. No tribunal, estava o marido dela, que é irmão dele, o advogado de um lado, o advogado do outro, todos a pedir-lhe que lhe perdoasse. “Fizeram-me a cabeça. Se não lhe tivesse perdoado, talvez não tivesse acontecido isto…”

Possessivo, desconfiado
Havia nesta sexta-feira uma boa notícia, apesar de tudo. Maria Angelina, que na véspera fora levada numa ambulância para o Hospital de Viseu, com uma ferida numa perna, estava fora de perigo. A filha, Sónia, que seguira de helicóptero para os Hospitais Universitários de Coimbra, com um ferimento na zona do tórax, também. 

Não há, ali, quem não elogie a combatividade daquela mulher, a começar pela família de Manuel Baltazar. Os pais dele morreram em Novembro de 1979, num acidente de carro, na estrada que liga a Régua ao Pinhão. Foi Maria Angelina quem o ajudou a cuidar dos irmãos mais novos.

Não teriam problemas financeiros. O casal fazia dinheiro com vinho e azeite, como muita vizinhança. Viveria bem, não fosse o feitio dele. Ele era possessivo, desconfiado. Ela tinha de andar de cabeça baixa, não fosse ele cismar com qualquer coisa. Quando cismava, era um Deus nos acuda.

Há cinco anos, Maria Angelina fugiu de casa. “Ela não aguentava mais”, resume Filomena, que tantas vezes lhe amparou o choro. Os filhos, Sónia, de 30 anos, e Rui, um ano e tal mais novo, estavam criados. Já nem moravam lá em casa — foram estudar para a Régua e nunca mais quiseram voltar. Não teria de se sacrificar mais por eles.

Para lhe escapar, chegou a refugiar-se numa casa-abrigo para vítimas de violência doméstica. Ele descobriu-a. E continuou a atormentá-la quando ela voltou para casa da mãe. Vivia em sobressalto. Deixava o carro numa garagem situada na parte alta de Valongo dos Azeites, em frente a casa da sua tia Elisa. Tinha medo de descer sozinha pela estrada até à avenida ladeada de oliveiras que lhe serve de morada.

Na quinta-feira estavam todas a fazer biscoitos de Páscoa no forno de um cunhado de Elisa. Paulo Pego, que mora na casa ao lado,esteve lá por volta das três e meia a provar os bolinhos. Uma hora e meia depois, ligou-lhe um vizinho a dizer que os filhos dele, de 10 e 15 anos, iam fugidos. Quando chegou a esta rua irregular de Valongo dos Azeites já os corpos tinham sido levados. O sangue seco, esse, ainda estava nesta sexta-feira na berma da estrada.

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