O futuro da agricultura portuguesa

Em 2011, com o Governo de coligação PSD-CDS, entrou em funções uma nova equipa ministerial na Agricultura. Não conhecia pessoalmente nenhum dos seus membros, e, apenas de nome, o eng.º Campelo (tive com ele uma longa conversa em princípios de 2012).

A ministra, uma jovem formada em Direito, era uma incógnita. Mas, além de travar a destruição que vinha sendo feita, mostrou, nalgumas aparições na TV e, principalmente, num Prós e Contras, uma determinação e uma informação que foram uma agradável surpresa. Nasceu a esperança de a agricultura ter encontrado alguém com a capacidade para a transformar, de forma a contribuir, mais do que até então, para a economia nacional. Um bom encorajamento dado aos jovens agricultores teve resultados muito positivos. Assim os jovens que agora se instalaram tenham a preparação técnica suficiente para bem gerirem a complexidade das empresas agrícolas.

Revertendo os antigos rumores de que a agricultura não tinha futuro em Portugal, passaram a ouvir-se, de todos os lados – até, recentemente, do Presidente da República –, os maiores elogios à importância da agricultura.

Tudo isso bastou para que a produção agrícola aumentasse e o PAB (Produto Agrícola Bruto) entrou a subir, enquanto o resto da economia portuguesa estava a descer.

Infelizmente, alguns casos e sintomas recentes não seguiram o rumo que considero essencial para um progresso maior e sustentável da nossa agricultura. A investigação agronómica e a extensão rural, as alavancas fundamentais para o referido progresso, não foram consideradas. Numerosas nomeações de chefias por critérios de militância partidária, e não de competência, comprometem o futuro de todos esses organismos. A extinção de serviços públicos essenciais, na senda de Sócrates, bem continuada por Passos Coelho, é outro sintoma grave. Tem razão Nicolau Santos quando diz que “este Governo odeia tudo o que cheire a Estado”. A fúria das privatizações – a tal privataria –, até de sectores que os países declaradamente capitalistas não abdicam, agrava esse comprometimento e faz pensar num futuro negro para o que chegou a ser uma esperança de grande melhoria para a pobre economia nacional.

Penso como a agricultura teria crescido muito mais e continuaria a crescer se, nestes três anos, em vez dos erros apontados, se tivesse feito o que considero essencial e expressei em numerosos escritos ao longo de muitos anos. Lembro que a enorme importação de produtos agrícolas alimentares, que muito pesa na nossa economia, bem poderia, nestes três anos, ter sofrido uma redução significativa. Se a reactivação e reorganização de alguns serviços essenciais tivesse sido feita – mesmo só com a “prata da casa” – logo a partir do Verão de 2011, a subida do PAB teria sido maior. Muitos desses produtos importados são de culturas anuais, pelo que as melhorias conseguidas poderiam ter tido grande valor neste período de três anos, melhorando muito a nossa balança comercial. Não seria necessário esperar 30 anos, como no caso de um pinhal, para ter muito bons resultados.

É perfeitamente natural que o país importe bananas ou mangas. Mas é uma prova de incapacidade, do Ministério da Agricultura e, em parte, dos agricultores, ver os nossos supermercados a abarrotar de produtos estrangeiros como batatas, cebolas, alhos (vindos da China!) feijão-verde, rabanetes (vindos da Holanda!), cenouras, tomates, pimentos, melões, melancias, etc. Deviam pensar no que isso pesa de forma negativa na economia portuguesa.

Em tempos antigos, costumava dizer que o agricultor é o único empresário que fabrica um produto em que corre sérios riscos (não controla o clima, e chuva, temperatura e luz são factores da maior importância), coloca esse produto no seu balcão e pergunta “quanto é que me dão?” Por vezes ainda se queixava de que “não aparece cá ninguém para me comprar os produtos”. Hoje, com os supermercados, o problema é diferente, mas o agricultor continua a ser o grande explorado.

A solução parece ser o estabelecimento de boas cooperativas, dado que apenas os grandes proprietários – e nem sempre – conseguem ter quantidade de produto suficiente para se impor no mercado. Temos algumas a funcionar razoavelmente, principalmente para a fruta e para o vinho, mas é necessário generalizar o sistema. A maior tentativa nesse sentido foi o Cachão, o Complexo Agro-Industrial do Nordeste Transmontano. Foi criado pelo engenheiro agrónomo Camilo Mendonça em 1964 e atingiu muito boa dimensão, transformando e vendendo os produtos da região, e empregando mais de mil pessoas.

No início, talvez em 1963, Camilo Mendonça, no antigo Café Bugio, no largo em frente à Igreja Matriz de Oeiras, falou-me dos preços miseráveis por que eram pagos aos agricultores os produtos da região, as batatas e as cerejas, o gado e as nozes, etc., produtos que eram depois vendidos por muito mais alto preço. E ele considerava que era necessário inverter tão má situação e passar para as mãos dos agricultores, em associação, o justo valor. Por desentendimentos com Salazar, tinha-se afastado da política – a sua actividade até então – e ia dedicar-se a essa obra, na província onde nascera e onde tinha casa, Trás-os-Montes.

Visitei duas vezes o Cachão, sempre guiado por ele. Na primeira visita, mostrou-me onde seria a leitaria, o lagar de azeite, o tratamento das frutas, etc., algumas já no começo das construções. Na segunda visita, já várias estavam em funcionamento e nos mercados apareciam produtos do “Nordeste”, como o azeite e outros. Não que não tivesse sofrido ataques e até sabotagens daqueles a quem estava a estragar tão bom negócio. E nem sempre teve o apoio dos associados, talvez por não terem a noção de que era aquela a única forma de saírem da mediocridade em que viviam.

Com o 25 de Abril, veio o colapso e o Camilo Mendonça, um terrível “fascista”... foi para o Brasil, de onde só voltou mais tarde, muito doente, às portas da morte, que não tardou.

Hoje, o Cachão é uma pequenina amostra do que foi e do que podia ser. Se os agricultores e a equipa governamental da Agricultura não quiserem aprender a lição, a economia de Portugal é que vai sofrer. Desnecessariamente.

Investigador coordenador e professor catedrático, jubilado

 

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