Rússia quer que a comunidade internacional condene avanço do exército ucraniano contra separatistas
Medvedev fala em “guerra civil” e Vladimir Putin telefonou a Ban Ki-moon para exigir que a comunidade internacional reaja. Casa Branca apoia o Governo de Kiev.
Do outro lado da fronteira, cerca de 40 mil soldados russos, alegadamente em exercícios militares de treino, aguardam as instruções de Moscovo. O Presidente Vladimir Putin referiu-se às movimentações militares no Leste da Ucrânia como” anti-constitucionais” e, num telefonema ao secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, exigiu uma “condenação clara e imediata das acções de Kiev pela comunidade internacional”.
O Governo de Kiev sabe que um passo em falso pode ser o pretexto que o Kremlin busca para uma invasão – talvez por isso, o Presidente interino, Oleksander Turchinov pediu ao Conselho de Segurança da ONU o envio de capacetes azuis para a fronteira.
As tropas ucranianas marcharam um dia depois de ter expirado o prazo dado pelo Governo para o abandono dos edifícios ocupados e a deposição das armas recolhidas pelos rebeldes. O ultimato, que foi acompanhado pela promessa de que os “arrependidos” não sofreriam retaliações, não só foi ostensivamente ignorado como até serviu para a mobilização de mais resistentes para as barricadas – perante o tom de desafio dos rebeldes, o Presidente assinou o decreto que autorizava a intervenção militar.
“O Governo ucraniano tem a responsabilidade de assegurar a ordem pública e garantir o respeito pela lei. As provocações no Leste da Ucrânia criaram uma situação em que o Governo foi obrigado a responder”, considerou o porta-voz da Casa Branca, Jay Carney.
“O objectivo desta operação é proteger os cidadãos da Ucrânia, travar o terror, travar a criminalidade e as tentativas de desmembrar o país”, explicou, numa declaração a partir do parlamento. Para Turchinov, a Rússia tem “projectos brutais” para desestabilizar o país: “Eles querem não só inflamar [a região carbonífera de] Donbass, mas o Leste e Sul da Ucrânia, da região de Kharkov à de Odessa”, observou.
O Conselho de Defesa e Segurança Nacional confirmou a saída de um batalhão da Guarda Nacional, com 350 soldados, de Kiev para a região de Donetsk. Ao fim das primeiras horas da ofensiva – uma operação que será conduzida “por etapas, de modo gradual, responsável e com cautela”, garantiu o Presidente – já havia relatos de tiroteios e de feridos.
“O pior dos cenários”
“Os relatos que estamos a receber são motivo para grave preocupação. Aparentemente, os acontecimentos parecem corresponder ao pior dos cenários”, reagiu o representante para os direitos humanos do ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Konstantin Dolgov, citado pela RIA-Novosti. “O sangue voltou a ser derramado hoje na Ucrânia. A sensação é que uma guerra civil se prepara”, escreveu no Facebook o primeiro-ministro, Dmitri Medvedev.
O Exército ucraniano reconquistou a base aérea de Kramatorsk, que estava sob o controlo das forças paramilitares russófonas, depois de uma intensa troca de tiros e perante os gritos de “vergonha” e “vão para casa” da população local. Colunas militares avançaram desde Odessa até Donetsk, e vários meios pareciam estar a assumir posições nas imediações de Slaviansk – que caiu nas mãos dos rebeldes no passado fim-de-semana. Não havia, contudo, nenhuma indicação de que as tropas ucranianas tivessem já avançado para o centro da cidade.
Os correspondentes estrangeiros em Slaviansk diziam que os militantes pró-russos mantinham a esquadra da polícia e a câmara municipal debaixo de cerco, mas notavam que o ambiente era de maior nervosismo e tensão no ar. No site Daily Beast, o repórter David Patrikarakos descrevia os combatentes das chamadas unidades de auto-defesa como “profissionais: apesar de não exibirem insígnias militares, são inequivocamente soldados, artilhados com armas automáticas e uniformes camuflados. São treinados, organizados e estão prontos para combater”.
Diplomacia em Genebra
Com a crise militar ao rubro, as atenções voltam-se agora para a diplomacia: uma reunião quadripartida entre a Rússia, os EUA, a União Europeia e a Ucrânia, foi marcada para esta quinta-feira em Genebra. Tanto Washington como Bruxelas manifestaram a sua confiança no processo negocial. “Antes de encarar novas sanções, devemos dar uma oportunidade à diplomacia”, disse a porta-voz do departamento de Estado norte-americano.
Como assinalam vários analistas internacionais, as palavras duras proferidas contra a Rússia pela suposta “agressão” na Ucrânia não correspondem à resposta “suave” dos aliados ocidentais.
No início da semana, os ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia concordaram um alargamento das suas medidas punitivas contra Moscovo, acrescentando novos nomes à lista de 33 cidadãos russos que foram proibidos de entrar no espaço europeu e viram os seus bens congelados na sequência da anexação da Crimeia, em Março. No entanto, os parceiros europeus permanecem divididos e renitentes em avançar com sanções mais “drásticas” – semelhantes àquelas adoptadas pelos Estados Unidos abrangendo os sectores da banca e energia –, e que poderiam pôr em causa o actual relacionamento comercial com a Rússia
“Sem a Rússia passar o risco vermelho da intervenção militar directa [em território ucraniano], não espero que a União Europeia passe o risco vermelho das sanções económicas”, disse à Reuters Stefan Lehne, do Carnegie Endowment for International Peace.
Uma intervenção militar aliada também foi totalmente descartada pelos membros da Nato. O secretário-geral da aliança atlântica, Anders Fogh Rasmussen, que reuniu com os ministros da Defesa da EU no Luxemburgo para discutir a crise na Ucrânia, garantiu que “todos apoiam uma saída política e diplomática para a crise e ninguém discute opções militares”.
Os Presidentes dos Estados Unidos e da Rússia discutiram a situação na Ucrânia pelo telefone na segunda-feira à noite. De acordo com a Casa Branca, Obama assinalou o “isolamento político e económico da Rússia” resultante da sua interferência na Ucrânia, e apelou à retirada das tropas estacionadas na fronteira. Segundo o Kremlin, Putin explicou ao seu homólogo que as “especulações relativas às responsabilidades russas [na crise ucraniana] se baseiam em informações incorrectas” e sublinhou que os protestos em Donetsk “resultam da incapacidade das autoridades de Kiev em garantir os direitos da população russófona”.