O poder destruidor da finança: imobiliário, offshores e banca-sombra

Em Jogos de Poder (edição A Esfera dos Livros), o jornalista do PÚBLICO Paulo Pena conta a história da crise bancária portuguesa a partir de uma investigação inédita.

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1605, Pebrican Avenue, Cheyenne, Wyoming, a morada onde foram registadas sociedades LLC, da Sociedade Lusa ?de Negócios

«À medida que o sistema bancário-sombra atingiu, ou até ultrapassou, a importância da banca convencional, os políticos e os responsáveis do Estado deviam ter percebido que estava a ser recriada a mesma vulnerabilidade financeira que tornou possível a Grande Depressão.» 
Paul Krugman, economista, Prémio Nobel 
The Return of Depression Economics and the Crisis of 2008

É este o local.
Olha-se em volta e não se vê nenhum do glamour de Wall Street. Não há arranha-céus com paredes de vidro, não há neons, não há executivos apressados com os seus fatos de três mil euros.

É uma casa de madeira, branca, com um alpendre e um daqueles bancos suspensos, de baloiço, a dar as boas-vindas. O relvado não agradaria nem a um Chihuahua. Olha-se para a esquerda e a rua continua, com as suas árvores mal semeadas e casas térreas. Olha-se para a direita e a civilização acaba num gigantesco parque de estacionamento vazio, entre um dinner de hambúrgueres e uma loja de gelados Baskin Roberts.
1605, Pebrican Avenue, Cheyenne, Wyoming, Estados Unidos da América. Esta é a morada onde foram registadas muitas das sociedades LLC (Limited Liability Companies, Empresas de Responsabilidade Limitada) que povoam o universo da Sociedade Lusa de Negócios. Basicamente, o Wyoming é um refúgio para a evasão fiscal, um offshore. E as empresas do BPN não eram, bem, empresas. Mas já lá vamos…
Não moram mais do que 60 mil pessoas em Cheyenne, que recebeu o nome de uma das mais conhecidas nações de nativos americanos. A casa onde foram registados os offshores é, ela própria, terra de ninguém. Não é um centro de negócios. O mais provável é que as persianas, cinzentas, raramente deixem passar luz para dentro.
Essa é a imagem de marca de um tipo particular de «exportações» do Wyoming: a evasão fiscal. Ali, além de não serem taxadas, as empresas de todo o mundo têm direito ao sigilo. Sobre quase tudo. O truque está profusamente anunciado na internet: quem quiser ser dono de uma destas empresas tem apenas de pagar «69 dólares mais uma modesta taxa estadual pela inscrição nos registos». A identidade dos donos e administradores, o que negoceiam, de onde proveio o seu dinheiro, tudo será mantido em segredo.
Os administradores do BPN nem sequer tiveram de inventar os nomes das companhias. Elas já estavam registadas, a partir desta casa em Cheyenne.
Marazion Holdins LLC é a «mãe» de muitas delas.
A Marazion era a dona do Banco Insular, da maior parte (68 obras) da colecção de arte do pintor catalão Joan Miró na posse do BPN, e de um sem-fim de investimentos imobiliários e financeiros do grupo liderado por Oliveira e Costa.
Este é apenas um exemplo. Há centenas destas moradas virtuais, um pouco por todo o Mundo, por onde se esvaiu o dinheiro que, agora, tão flagrantemente, falta em Portugal. Cada uma destas «empresas» de fachada tem ramificações para outras, pulando a geografia real em folhas de excel e balanços.
Uma coisa é certa: o dinheiro que foge de Portugal representa quase um quarto da riqueza no país. 
E é extraordinário, sem qualquer exagero no adjectivo, que o Banco de Portugal reconheça, como fez em 2011, que o investimento directo português no estrangeiro aumentou, em plena crise. Não aumentou um pouco, aumentou 134%. E cerca de um terço desse «investimento» — que é um eufemismo para outro eufemismo, o da «fuga de capitais» — deslocou-se para a Holanda, onde têm sedes «tipo-caixa-de-correio» 19 das 20 empresas que constituíam, à data, o índice PSI-20 das maiores empresas cotadas na Bolsa de Valores de Lisboa. 
Nos muitos offshores que existem no Mundo, calcula-se que circulem verbas entre os 8 e os 32 biliões de dólares de riqueza privada. O número, por extenso, é este: 32 000 000 000 000$00. Isto é cerca de metade do PIB Mundial. São mais de 400 resgates da troika a Portugal. Chegariam para cumprir os inatingíveis Objectivos de Desenvolvimento do Milénio das Nações Unidas: reduzir para metade o número de pessoas que vivem com menos de um dólar por dia até 2015.
Porque lhes chamamos «paraísos fiscais»? O nome é muito enganador. Será uma deturpação da palavra inglesa «haven» (refúgio) para «heaven» (uma das formas de dizer paraíso em inglês)? Terá que ver com as qualidades turísticas de alguns dos offshores mais famosos, como as Bahamas?
O que é certo é que nos habituámos a moldar o nosso pensamento sobre a evasão fiscal à ideia, bastante desculpável, admita-se, de que o dinheiro que devia entrar nos cofres do Estado preferiu rumar ao paraíso. Quem não o faria?
Passa-se o mesmo com a noção de «fuga de capitais». Os capitais fogem? Nós fugimos, quando nos querem molestar. Os capitais farão o mesmo? Ou os nossos conceitos precisam urgentemente de tirar a maquilhagem antes de começarem a fazer sentido nas nossas cabeças?
Há muitas razões para que o dinheiro se ponha em fuga. Algumas, inconfessáveis.
A Marazion não tinha razões de queixa do Wyoming, um Estado que nunca lhe cobrou um cêntimo, nem tentou saber a quem pertencia ou a que negócios se dedicava. Mesmo assim, muitas das suas «subsidiárias» mudaram-se para o Estado do Delaware, na costa Leste, a meio caminho entre Nova Iorque e Washington DC.
O Delaware foi o primeiro Estado a ratificar a Constituição dos EUA e, por isso, orgulha-se de ser o primeiro dos Estados Unidos. Mas é outra a particularidade que o traz a estas páginas.
Durante um debate, na campanha presidencial de 2008, que o levaria à Casa Branca, Barack Obama atirou-se aos offshores, usando uma imagem persuasiva: a Ugland House, nas Ilhas Caimão, um edifício que alberga mais de 12 mil empresas. «Ou é o edifício mais alto do Mundo, ou o maior esquema de evasão fiscal de que há registo», ironizou Obama.
A ironia fez ricochete.
Anthony Travers, presidente da Autoridade dos Serviços Financeiros de Caimão, apontou para o Delaware: «Um escritório, no número 1209 da Rua de North Orange, Wilmington, alberga o grandioso número de 217 mil empresas.» 
Os offshores são o motor da economia-sombra. O combustível que pôs esta gigantesca máquina especulativa a funcionar foi, nos últimos vinte anos, em Portugal, o imobiliário.

Onde começa a «nossa» dívida
Deixem-me tentar explicar usando o exemplo que conheço melhor: o meu.
Como quase toda a gente que conheço, tenho com os bancos uma relação distante. Nunca passei a fronteira do balcão da Guerra Junqueiro onde, há 22 anos, abri a conta à ordem que ainda uso. Na altura precisava de um cartão de débito, porque ia viajar de comboio pela Europa, e não queria levar uma bolsa carregada de escudos e pesetas para «cambiar» pelo caminho.

Entretanto, houve uma razão mais importante para recorrer aos serviços do banco.
Também eu, há onze anos, desisti de arrendar casa. Fiz as contas e percebi, como tantos portugueses, que comprar um apartamento, através de uma hipoteca, me faria poupar bastante do meu rendimento mensal. Foi este o meu raciocínio. «É um investimento», dizia-se. «As casas valorizam-se, sempre». Não faltavam exemplos. «Comprei por 100, vendi por 200.» Se tudo corresse bem, ao fim de vinte anos, teria a dívida paga ao banco e um património valorizado.
A facilidade com que tudo se tratou ilustra bem a confiança que havia neste raciocínio. O banco acolheu-me com o proverbial sorriso dos vendedores nos filmes americanos. Foi tudo fácil. Rápido.
É claro que havia muitas letras miudinhas no contrato, e é claro que eu não as li todas.
Foi assim, também, que relutantemente passei a ter o meu primeiro cartão de crédito. Fazia parte do contrato, para baixar o spread (que constitui parte do lucro sobre o meu empréstimo). A hipoteca era a minha iniciação e o banco aproveitaria todas as oportunidades para me «integrar» nos seus «produtos».
É claro que, nos últimos anos, o meu «serviço de dívida» ficou facilitado pela histórica — e dificilmente eterna — baixa das taxas de juro. Para já, metade do meu raciocínio inicial estava certo: é mais barato «comprar» uma casa (com um empréstimo hipotecário) do que arrendar uma, pelo menos em Lisboa. Mas a outra metade, a da valorização eterna da minha casa, já foi desmentida. As casas valem hoje, em média, menos 10% do que valiam há cinco anos. 
Essa crença — sempre desmentida — de que certos bens só se podem valorizar é a mãe de todas as especulações. As célebres «bolhas» nascem assim. Acredite o leitor ou não, os holandeses do século XVII tiveram essa crença nas tulipas. Os americanos do primeiro ano do século XXI nas empresas .com. E nós? Como tantos outros, tantas vezes ao longo da história, acreditámos que as nossas casas continuariam a valer mais, ano após ano.
A memória financeira é extremamente breve. E selectiva.
Se as casas têm um preço, tem de haver algo que o justifique. Há bens caros porque são escassos (ouro, petróleo), raros (diamantes), crescentemente necessários (água). Nada disso se verifica com as casas em Portugal.
Há casas em excesso. Mais de um milhão estão devolutas ou vazias. Se o imobiliário fosse um mercado «normal», há muito que os preços teriam caído.
Contudo — como acontece sempre nestes episódios especulativos — os preços continuaram a subir, baseados apenas na euforia dos «investidores». Tal como eu próprio pude constatar na caderneta predial da minha primeira casa, num bairro histórico lisboeta: uma valorização de mais de 100% em quinze anos.
Em média, aponta Bingre do Amaral, as avaliações bancárias dos imóveis registaram subidas superiores a 20%, só na primeira década do novo século. Nos anos 90 a valorização foi ainda mais expressiva.
Olhemos agora o mesmo problema por outro ângulo.
Onde foram os portugueses buscar tanto dinheiro para investir em casas que duplicavam de valor a cada 5 anos? Tal como eu, a esmagadora maioria foi ao banco. Em 1994, a banca portuguesa emprestou 3 mil milhões de euros para a compra de casas. Em 2007, na véspera da crise, esse montante tinha quintuplicado: 15 mil milhões. O volume total dos créditos sobre hipotecas era, quando a crise rebentou, de 104 mil milhões de euros. Muito mais do que os 78 mil milhões que a troika emprestou a Portugal.
E os bancos tinham esse dinheiro guardado em algum cofre de alta segurança?
Não propriamente…
A banca teve de se endividar, no exterior, para manter o ritmo desta febre imobiliária.
A partir de 1 de Janeiro de 1999, quando o euro substitui o escudo nos contratos e transferências (as notas e moedas vieram em 2002), a taxa de juro que os bancos portugueses pagavam aos bancos alemães e franceses, seus principais emprestadores, baixou ainda mais drasticamente. O dinheiro ficou mais barato para o sector financeiro português. O negócio disparou. Em 1999, os empréstimos concedidos pela banca para a compra de casas quadruplicaram face a 1994, cinco anos antes.
Desde finais de 1998, ainda antes da adesão ao euro, o Banco de Portugal temia os efeitos do crescimento do crédito e, sobretudo, da formação de uma «bolha» no imobiliário.
«O rápido crescimento do crédito bancário entre 1998 e 2000 não foi acompanhado pelo crescimento dos fundos próprios, provocando assim uma deterioração da solvabilidade do sistema bancário português.» Isto está escrito, desde 2004, pelo gabinete que, no Estado, se preocupa com o futuro, o mítico Gabinete de Prospectiva e Planeamento. A deterioração da liquidez dos bancos era uma evidência «preocupante» desde a entrada do país no euro.
Aos alertas do Banco de Portugal somou-se uma tentativa do Banco Central Europeu de tornar o dinheiro mais caro para os bancos, aumentando as taxas no Mercado Monetário Interbancário. Os bancos fecharam um pouco a torneira. Mas sobretudo cortaram o crédito às empresas (e, dentro das empresas, as mais afectadas foram as «produtivas»). Enquanto quase todos os sectores de actividade se passaram a debater com maiores dificuldades no acesso ao crédito, a construção e o imobiliário continuaram a receber mais e mais dinheiro dos bancos (um crescimento de 17%, entre 1993 e 2003).
Qualquer pequena descida no preço das casas provocaria um «rombo» de milhões nos balanços de um banco que tivesse investido muito no imobiliário.
Para se ter uma ideia, os bancos portugueses não investiram «muito» no imobiliário. Isso seria um eufemismo… Em poucos anos (menos de dez) esgotaram os limites possíveis do endividamento das famílias portuguesas. De tal forma que se tornou evidente que «a margem para aumento do nível de endividamento do sector privado não financeiro em Portugal será relativamente reduzida». 
Batemos todos os recordes. Entre 1999 e 2001, três em cada quatro empréstimos bancários a particulares destinava-se à compra de casas.
Ou seja: a galinha dos ovos de ouro, a nossa capacidade de «criar» dinheiro aos bancos, assumindo uma dívida, estava condenada.
Mas não clinicamente morta. Era preciso imaginação. E isso não faltou.
Os bancos não podiam ter «activos» a mais nos seus balanços porque isso obrigá-los-ia a aumentar, em proporção, as suas «reservas» — fazendo aumentos de capital — e, por esta altura, ninguém queria investir muito num negócio que roçava a «insolvência».
«Exagero!», parece-me que ouço dizer.
Os bancos portugueses tinham reservas sólidas que esbanjaram em pouco tempo. «O excesso de fundos próprios em relação ao mínimo legalmente exigido sofreu uma forte queda entre Dezembro de 1998 e Dezembro de 2000, sendo que nesta última data os fundos próprios já se encontravam apenas 15,3% acima do mínimo exigido (…) a redução dos níveis de solvabilidade em quase 20 p.p. [%] entre 1999 e 2000 corresponde a uma queda demasiado acentuada para um só ano. Esta redução, a ter continuado a este ritmo, teria colocado os fundos próprios dos bancos abaixo do mínimo exigido por lei no ano seguinte.» 
É que os bancos foram, desde sempre, um negócio bastante simples. Pedem dinheiro emprestado (a nós, os seus depositantes, e a outros bancos com liquidez) pagando uma taxa de juro baixa e, depois, emprestam esse dinheiro a uma taxa mais alta. A diferença entre a taxa que pagam e a que cobram é o seu lucro. É o chamado «modelo 3-6-3»: os banqueiros pedem emprestado a 3% de juros, emprestam a 6%, e às 3 da tarde fecham a porta do balcão e vão à sua vida.
Até que os bancos descobriram uma nova forma de fazer aquilo que o sistema financeiro sempre fez — e sempre provocou crises catastróficas, desde as tulipas holandesas do século XVII. Chama-se «alavancagem» e significa uma coisa muito simples: bluff. Criar muito dinheiro em cima de quase nenhum valor real. Numa das crises especulativas em que o século XIX norte-americano foi pródigo, a de 1857, um banco sob inspecção mostrou o que é, na teoria e na prática, a «alavancagem»: as suas reservas, guardadas num enorme contentor, eram, realmente, compostas por uma pilha superior de moedas de ouro em cima de uma muito maior, e muito mais pesada, camada de pregos.
É aqui que estamos, somos «um caso quase único a nível internacional». De facto, os banqueiros portugueses construíram uma torre de marfim num pântano. E é esta mistura entre dinheiro «barato», autoconfiança a rodos, euforia, crença nas virtudes de pretensas «inovações financeiras» e dívida que nos vai trazer aqui.
«O sector bancário foi, entre nós, o “centro nevrálgico da acumulação financeira”, ao promover um endividamento elevado e ao não conservar a posição equilibrada que teve até final dos anos 90 e ao degradar os rácios entre depósitos e empréstimos», conclui José Reis, director da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, no Relatório «Anatomia da Crise», de Dezembro de 2013.

A engenhosa solução de Oliveira e Costa
O mercado imobiliário português começava a mostrar sinais de saturação quando o BPN foi refundado, em 1998, por Oliveira e Costa e integrado numa Sociedade Lusa de Negócios que detinha as áreas não financeiras.
Perante a aflição, o banco usou um atalho: os offshores.
É por isso que chegámos ao Wyoming. E ao universo Marazion. E daí fomos ter ao Delaware.
Duas ruas ao lado do edifício que é uma nódoa nas boas intenções de Obama, na mesma cidade de Wilmington, encontramos mais BPN.
1220 North Market Street, Wilmington, Delaware. Desta vez é um edifício de dez andares. É lá que oficialmente existe a Osmand Investments LLC, sócia de um empreendimento imobiliário em Luanda, com dinheiros do BPN.
Hoje, depois de muitas investigações — jornalísticas, bancárias, judiciais, da supervisão — sabemos que a Osmand, no Delaware, era apenas mais um entreposto de uma cadeia de empresas-fantasma, que serviam para ocultar lucros, camuflar prejuízos, fugir ao fisco, enganar o Banco de Portugal, entre outros propósitos que a nossa imaginação não descortina.
A dona da Osmand tem sede em Lisboa. Chama-se Sogipart Sociedade Gestora de Participações Sociais, Sociedade Anónima (o acrónimo deste nome pomposo é SGPS, SA) — a mais opaca das formas legais de constituir uma empresa em Portugal. Ainda assim, pouco opaca para o gosto de quem precisou de a levar, com outro nome, para o Wyoming e para o Delaware.
A Sogipart é a antiga SLN Imobiliária, que teve de mudar de nome porque o Banco de Portugal começava a ficar preocupado com a «exposição» do grupo ao risco de crédito imobiliário.
Antes de visitarmos as Ilhas Virgens Britânicas, onde está registada a empresa que é dona da Sogipart — chama-se Camden, mas por esta altura a nossa memória já não abarca a proliferação de tantas empresas inactivas — vamos antes tentar perceber as preocupações do Banco de Portugal.
O regulador começou a avisar, sistematicamente, o BPN de que não poderia continuar a ter tantos «activos» para tão pouco «capital próprio». E a solução encontrada foi engenhosa, embora não seja, como veremos, minimamente original. O BPN continuou a ser dono dos activos, sobretudo imobiliários, por entreposto dono.
Logo em 2000, dois anos após ter sido comprado e integrado na SLN, o BPN fez soar os alarmes no Banco de Portugal. Data desse ano a «recomendação» (um aviso ríspido, em linguagem de regulador) para resolver a excessiva «exposição ao risco de crédito» sobre o próprio grupo que a SLN ostentava. O limite legal da exposição do BPN ao crédito das actividades da SLN era, para aquele ano, face às suas reservas, de 23,5 milhões de euros. O banco já estava nos 85,2 milhões…
No dia 11 de Agosto de 2000, o «problema» começa a ser resolvido.
Cinco accionistas da SLN juntam-se e assinam um protocolo com Oliveira e Costa. Fernando Cordeiro, Manuel Veríssimo, Rui Fonseca, António e Manuel Cavaco eram do «núcleo duro» de accionistas do grupo, donos ou gerentes de empresas que nada tinham que ver com a banca, que iam do têxtil (Cordeiro) à construção (irmãos Cavaco). Mas o protocolo que os juntou não iria fazer nada, nem uma casa.
Ia, apenas, contornar as regras. Assim nascia o offshore Camden, nas Ilhas Virgens Britânicas, o novo dono da SLN Imobiliário, o ramo do grupo mais exposto ao tal «grande risco» de crédito. «Para tanto constituíram a sociedade Camden Capital Corporation, que em 29 de Dezembro de 2000 adquiriu a totalidade do capital da SLN Imobiliária SGPS.»
A «dona» da Camden, como já vimos, era a Marazion. Ou seja, a SLN. O esquema era óbvio.
Em 20 de Novembro de 2002, os mesmos accionistas decidem adensar o mistério. E se, em vez de SLN Imobiliária, a empresa tivesse um nome que escondesse a óbvia ligação com o grupo? Novo protocolo assinado. No ponto 4 escrevem, para que não restem dúvidas:
«Na sequência do acordado na reunião entre a SLN e os accionistas, estes já procederam à alteração da firma/denominação social da SLN Imobiliária SGPS, SA, retirando a expressão SLN, por forma a não existir confusão ou qualquer associação ao Grupo SLN/BPN.» 
Primeiro, o Banco de Portugal pareceu aplaudir a jogada dos accionistas: «A SLN Imobiliária SGPS, SA, foi alienada pelo grupo SLN à sociedade offshore Camden. Refira-se que a venda desta participação pelo grupo SLN permitiu ao BPN/Grupo SLN diminuir o excesso do limite de riscos à empresa-mãe e filiais.» 
O Banco de Portugal limitou-se a acreditar numa história, a de que um investidor estrangeiro estaria a comprar a SLN Imobiliária. A história era falsa…

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