Não haverá austeridade em França, garante Manuel Valls
O novo primeiro-ministro francês avisou a Europa que não vai cumprir o défice à conta do Estado social e quer debater a política monetária do Banco Central.
"Sou a favor de respeitarmos os nossos compromissos, sou pelo rigor orçamental, mas não pela austeridade", disse o primeiro-ministro que, como manda a tradição (mas não é obrigatório) quando há uma nova equipa no Matignon, foi ao Parlamento apresentar as linhas do seu Governo e submeter-se a uma moção de confiança, que foi aprovada, por 306 votos a favor, 239 contra e 26 abstenções.
Como se previa, no centro do discurso de Valls esteve a economia e a relação de França com as instituições europeias. O novo primeiro-ministro — que foi ocupar o lugar de Jean-Marc Ayrault, que saiu depois da derrota socialista nas eleições municipais — tem como meta reduzir o défice para menos de 4,3% até ao final de 2015 e encolher a despesa pública em 50 mil milhões de euros no período de 2015-2017.
Antes da sessão, o jornal Le Figaro escrevia, em editorial, que o sucesso do mandato de Valls iria depender de conseguir explicar, com detalhe, aos deputados como iria conseguir estes objectivos. Se não o fizesse, seria o "fracasso de um mandato que mal começou".
O primeiro-ministro começou por expor a sua ideia sobre a relação de França com as instituições europeias. Valls disse que o euro demasiado forte está a impedir a recuperação económica e anunciou que Paris quer lançar um debate na União sobre a política monetária do Banco Central Europeu que disse ser "menos expansionista" do que a dos seus pares internacionais.
"Não quero prejudicar o crescimento. Se fizesse isso, não conseguiríamos baixar o défice e haveria desemprego. Sim temos que corrigir as finanças públicas, mas sem destruirmos o nosso modelo social e os serviços — os franceses nunca entenderiam isso. É [esta posição] que vamos explicar aos nossos parceirtos europeus", disse Valls, confirmando a redução da despesa em 50 mil milhões de euros. "Será um esforço de todos", disse.
De concreto, o primeiro-ministro — que na semana passada tinha avisado os socialistas que iria fazer mais cortes e poupar mais dinheiro, o que estará expresso no orçamento rectificativo que confirmou para o início do Verão — disse que haverá uma redução do custo do trabalho em 30 mil milhões de euros até 2016, medida que considerou uma "alavança da competitividade". Nessa óptica, avançou que a partir de 2015 acabam as contribuições patronais para a segurança social e abonos de família e que os encargos para os empregadores com um trabalhador de salário mínimo serão suprimidos. Quanto à fiscalidade, anunciou que o imposto sobre as empresas baseado nos seus resultados, que é um dos mais elevados da Europa, terá a sua taxa normal reduzida para 28% até 2020. A contribuição social de solidariedade das empresas desaparecerá no prazo de três anos.
Com base no que ouviram — o pacote de cortes na despesa pública e outro de impostos, com uma taxa extra a surgir a partir de 2016 — os analistas disseram que a França dificilmente irá conseguir atingir as metas que se propõe e consideraram que terá que negociar uma nova meta de défice com a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu.
Mal Valls acabou o seu discurso, a oposição avançou, dizendo que o seu plano económico vai falhar. "Os gastos na segurança social vão aumentar e, no fim, o vosso pacto social não passará de uma esmola", disse Christian Jacob, da UMP (centro-direita). Jacob acusou o Governo socialista — do Presidente François Hollande — de ter "arruinado" a credibilidade da França ao pedir vezes sem conta mais tempo para reduzir o défice.
"O preço que vão pagar será elevado: o preço da humilhação da tutela de Bruxelas, o preço das altas taxas de juro que vão penalizar o crescimento da França", disse o deputado da UMP.
A grande surpresa do discurso foi o anúncio de que o Governo Valls quer avançar com a reforma das regiões, diminuindo o número actual de 28. Isso, disse o primeiro-ministro, poupará dinheiro — cerca de 19 mil milhões de euros. A derrota nas municipais, com a passagem de muitas áreas de governação socialista para as mãos da direita e da extrema-direita, aceleraram a reforma que já estava nas mãos de Valls, que era ministro do Interior no anterior executivo.
Os ecologistas anunciaram, antes da sessão, que votariam quase todos ao lado dos socialistas — em 17 votos houve cinco abstenções. "Não apoiar o Governo é um grande erro político", disse à rádio Europe 1 o presidente da bancada socialista, Bruno Le Roux. "Estou a dizer a todos os deputados, um a um, que chumbar a moção é pensar que existe uma alternativa melhor". Um recado — que tinha implícito a subida nas sondagens da Frente Nacional — que não foi aceite pela Frente de Esquerda, que votou contra.