Oscar Pistorius chorou muito e pediu desculpa por ter matado a namorada
O atleta olímpico foi ouvido pela primeira vez em tribunal. "Eu só queria protegê-la", disse no tribunal.
Oscar Pistorius, o atleta olímpico sul-africano que está a ser julgado pelo assassínio da namorada, foi ontem chamado a depor. A chorar e com a voz sumida, pediu desculpa pelo que fez à família de Reeva Steenkamp.
“Gostava de aproveitar esta oportunidade para pedir desculpa à família”, disse, primeiro a chorar e com a voz sumida, depois a chorar mas num tom de voz mais alto, como lhe pediu a juíza do tribunal de Pretória.
Pistorius subiu ao banco das testemunhas chamado pela defesa, que começou a contra-argumentação. Os advogados do atleta sustentam que se tratou de um crime acidental e foi essa tese que Oscar Pistorius defendeu.
Apesar da emoção — das lágrimas e dos gestos —, Pistorius foi muito rigoroso no que disse, introduzindo até no julgamento a questão racial, que até aqui se mantivera de fora do caso. Os dois protagonistas são brancos — Pistorius e Reeva — e o crime foi cometido na casa do atleta num bairro de luxo de Pretória.
Pistorius, que tem 27 anos, lembrou a mãe, que morreu quando ele tinha 15. Era, disse, uma mulher atormentada com a falta de segurança na África do Sul do final dos anos de 1980. Dormia com uma arma debaixo da almofada e chamava a polícia com frequência.
“Crescemos numa família de pai muitas vezes ausente e ela tinha sobretudo medo durante a noite”, testemunhou Pistorius. Nessa época, prosseguiu, a família não vivia “no melhor dos bairros” de Pretória.
O atleta não disse que herdou da mãe esta compulsão pela posse de armas. Mas a sua defesa baseia-se nisso — em Fevereiro de 2013, Oscar Pistorius, que estava na casa de banho, disparou quatro tiros contra alguém que supôs ser um intruso. Matou Reeva, que passara a noite com o namorado e que acabava de se levantar.
O réu admite que disparou os tiros, mas — como já tinha feito no início do julgamento, através de um comunicado lido por um dos seus advogados — defende que foi um homicídio involuntário. “Eu só queria protegê-la”, repetiu agora. Volta e meia, a voz sumia e as lágrimas reapareciam.
Uma mulher “amada”
Pistorius disse que queria sublinhar — para que ficasse claro para a família de Reeva — que a namorada era “uma mulher amada quando adormeceu nessa noite”. As agências noticiosas relataram que June Steenkamp, a mãe de Reeva, manteve a expressão grave durante todo o depoimento do atleta.
No testemunho, o réu relatou também a experiência que mudou a sua vida — em 2009 teve um acidente de barco e levou cem pontos no rosto. A partir de então, ficou com muito medo de morrer.
Contou outros episódios em que temeu pela vida: numa ocasião foi seguido por um carro até ao portão do condomínio privado onde vive; levava uma arma, que não usou porque os dois homens que o perseguiam se foram embora. Numa outra vez, contou, tentou proteger um taxista que estava a ser assaltado. “Eles começaram a bater-lhe com pedras na cara e na cabeça. Eu passei o sinal [vermelho] e apontei-lhes a minha arma. Os três homens entraram então no táxi e fugiram.”
Chegado a este momento do testemunho, diz a BBC, ficou claro qual é o caminho da defesa de Oscar Pistorius. Os seus advogados vão retratar um homem que, apesar de todos os sucessos que conseguiu no desporto, caminhou sempre com a tragédia ao lado — e com o medo e a vulnerabilidade dentro dele.
Oscar Pistorius nasceu com uma deficiência em ambas as pernas e foi amputado a partir dos joelhos. Aos 17 meses, porém, já andava com a ajuda de próteses. O desporto foi a sua afirmação e atingiu níveis mundiais, primeiro como paralímpico e, depois de travar uma guerra com os organismos internacionais que incluíram uma batalha legal — a federação internacional de atletismo considerava as suas próteses de carbono uma vantagem em relação aos outros atletas —, como olímpico. Nos últimos Jogos Olímpicos de Londres, foi semifinalista na prova individual e 8.º na final da estafeta, tendo corrido o último percurso.
Perseguido pela tragédia
Conhecer Reeva, confessou, foi “uma bênção”. “Sempre quis ter uma companheira que fosse cristã. E ela era uma cristã devota.” No momento em que disse estas palavras, Pistorius voltou a emocionar-se — “o meu Deus é o meu refúgio”. O advogado de defesa, Barry Roux, pediu um adiamento e a juíza encerrou a sessão. O julgamento é retomado hoje.
Nos próximos dias, a defesa vai apresentar entre 14 e 17 testemunhas a favor de Pistorius. Mas a acusação, que quer provar que se trata de um homem agressivo e conflituoso que matou deliberadamente a namorada, vai tentar desmontar a estratégia, começando pelo contra-interrogatório ao atleta.
Uma imagem muito distinta da que Blade Runner, o nome como ficou conhecido no atletismo, deu de si mesmo no testemunho de ontem. Pistorius apresentou-se como uma pessoa desfeita por uma tragédia acidental. Não dorme bem, disse. Toma antidepressivos e comprimidos para dormir. Mas tem muitos pesadelos. E acorda muitas vezes em aflição porque sente “o cheiro do sangue” de Reeva Steenkamp.