Carolina, a fadista nova com um timbre antigo
Já canta o fado há vários anos mas só hoje lança o primeiro disco. Carolina quis um dia trocar tudo pelo fado. E no fado ficou.
É, curiosamente, também a primeira fadista contratada da Sony. A gravadora não tinha escolhido ainda ninguém e resolveu, a dada altura, escolhê-la a ela. Porquê? No texto que a apresenta, Paulo Junqueiro escreve que andou à procura de fadistas e que, depois de a ouvir várias vezes, não teve dúvidas: “Sem qualquer descortesia da minha parte, destacou-se de todas! Era ela… O seu estilo próprio, o seu carisma, a sensualidade e aquela vontade única de se distinguir, não me deixaram a menor dúvida. Ela é fadista!”
Carolina nasceu em Hamburgo a 12 de Abril de 1984, de pais transmontanos. Imigrados na Alemanha, tiveram uma filha três anos após a chegada, mas nove anos passados, quando nasceu a segunda (Carolina), voltaram para a terra de onde haviam partido, Aveleda. Tinham lá os pais, propriedades, amigos, e foram trabalhar na agricultura.
Foi, pois, com cinco meses de idade que Carolina deixou Hamburgo rumo a Portugal. Onde bem cedo se foi acostumado às músicas pátrias. O pai cantava-lhe fados e a mãe músicas do cancioneiro popular português. Foi-se fixando nos fados. Lembra: “Era mais pelos discos que a minha avó tinha, porque nessa época havia bailes festas onde se dançava até com os discos da Amália. Lembro-me do meu pai a cantarolar em casa. A Rua do Capelão, por exemplo, foi ele que me ensinou, tinha eu uns 5 anos.” De Trás-os-Montes rumou depois ao Porto, a acompanhar a irmã que ali faria a Faculdade. “Tinha 10 anos e a 3.ª classe já feita. Fui fazer a 4.ª classe.” Nessa altura, Carolina queria ser veterinária, pintora, escultora. “Entrei nas Belas-Artes em escultura. Mas fiz um curso tecnológico de design, do 10.º ao 12.º. Porque estava ligado às artes e eu achava que tinha que fazer qualquer coisa ligada às artes.” Tudo isto andou a par da música. Dos 15 aos 21 anos estudou ainda canto lírico, por indicação da professora que a acompanhava na altura. “Aproveitei muito desses cinco anos. Fiz o exame, tive 17, uma óptima nota, mas houve uma altura, a meio dos estudos, em que comecei a cantar fados. E nas aulas, sem dar por isso, cantava de olhos fechados. A professora dizia-me: ‘abre os olhos!’ E ficava furiosa por eu baralhar as duas coisas.”
Foi num bar do Porto (Pop) que cantou fado em público pela primeira vez. “Cantei três fados, os únicos que eu sabia de cor, tirados de dois discos da Amália que a minha mãe tinha comprado: o Fado da Bica, o Abandono (Fado Peniche) e o Maria Lisboa. Cantei e fiquei muito entusiasmada porque as pessoas vibraram e diziam ‘canta mais!’. E eu não sabia mais fados. E elas insistiam: ‘canta os mesmos!’” Resultado: ficou por lá, a cantar às quartas-feiras. E lá conheceu músicos como António Zambujo ou Miguel Araújo.
Depois trabalhou com Filipe La Féria, no Porto e em Lisboa, a fazer de Amália jovem e de Beatriz Costa em dois musicais. “Tinham, ambos, uma ligação grande com o fado. E essa ligação, tendo por base o teatro, foi muito apaixonante para mim, foi uma coisa nova. Tive oportunidade de cantar para o grande público e de perceber que o fado era mesmo o que eu queria para a minha vida. Era o meu sonho. Então larguei a família, a Faculdade, tudo para ir atrás do fado.” Até que uma noite, já em Lisboa, foi ao Clube de Fado do guitarrista Mário Pacheco e cantou. E foi convidada a ficar. Ficou, até hoje, já lá vão sete anos, trocando em definitivo os palcos do musical pela casa de fados.
Amália e Fernanda Maria
Carolina, o seu disco de estreia, que chega hoje às lojas, corresponde a uma vontade antiga: “As pessoas ouviam-me e perguntavam: ‘onde é que está o seu disco?’ E eu não tinha nenhum disco para mostrar. Até que um dia me apareceu o Paulo Junqueiro, da Sony, a dizer que gostava de gravar comigo.”
O disco, com onze temas, acaba por ser uma recolha do que ela vem cantando, entre clássicos e originais. Inclui títulos conhecidos como Um fado nasce, de Alberto Janes, ou a Marcha do Castelo, uma versão de Lua branca, que a compositora brasileira Chiquinha Gonzaga compôs em 1912 ou Fado transmontano, em homenagem às suas origens. E há três inéditos: Balada dos desejos impossíveis e Dança ambas com letra de Fernando Pinto do Amaral e música de António Zambujo (a primeira) e Ricardo Cruz (a segunda); e Semente viva, de Flávio Gil e Mário Pacheco. Gravou com Bernardo Couto (guitarra portuguesa), Luís Pontes (guitarra clássica) e Ricardo Cruz (contrabaixo) e vários convidados: Quiné Teles (percussão), Jon Luz (guitarra clássica), João Moreira (trompete) e José Manuel David (gaita-de-foles e flauta).
Influências no canto? “Vou buscar aqui e ali”, diz ela. “Mas posso citar a Amália e a Fernanda Maria. E gosto imenso do Camané.” Carolina possui um timbre que não é muito vulgar nas novas gerações de fadistas. É dela, diz, não o cultivou: “As pessoas dizem-me que eu tenho um timbre antigo. Eu acho que consigo classificar a minha maneira de cantar como serena e intemporal. Porque liga o tradicional com o que se ouve agora, mais recentemente, no fado. Mas mais pelo timbre, que é uma mistura. Não é aquela voz grave nem muito aguda, mas controlada, não muito explosiva, calma.”