António Jorge Pacheco: “A Casa da Música vai ter um novo maestro titular mas também um maestro principal convidado”
O director artístico da Casa da Música promete anunciar em breve não só a contratação de um novo maestro titular, mas também de um maestro principal convidado e de uma equipa de maestros convidados.
Antes de chegar à Casa da Música, estudou engenharia, história da arte e italiano e fez crítica de música. Programou o Centro Cultural do Europarque (Feira) e foi depois o responsável pelo sector da música na Porto 2001. Acompanhou todo o complicado processo de construção da Casa da Música, onde esteve especialmente ligado à criação do Remix Ensemble, dedicado à música contemporânea.
Que balanço faz desta sua já longa experiência de trabalho na Casa da Música, também a título pessoal?
Do ponto de vista pessoal, sinto-me como quando se está apaixonado: o primeiro beijo parece que foi ontem…
Está na cadeira de sonho, para usar uma linguagem conhecida dos meios futebolísticos?
De certa forma, estou. Tive o privilégio de participar, desde 1999, na construção deste projecto, a convite do Pedro Burmester. Fiz parte da equipa que esteve na raiz dessa visão seminal que deu origem à CM, enquanto instituição e até enquanto edifício. Foi nosso desejo, desde essa altura, integrar a Orquestra do Porto e proporcionar à cidade uma temporada sinfónica, coisa que não existia. Outro aspecto importante foi a criação de três novos agrupamentos especializados e profissionais: um dedicado à interpretação e divulgação de música contemporânea, o Remix Ensemble; outro dedicado à música barroca; e um coro. E, tão importante quantos os anteriores, um Serviço Educativo que sirva várias populações do ponto de vista social.
O que é que desse programa, entretanto concretizado, pode estar hoje em risco, tendo em conta a situação de crise e os cortes orçamentais?
Não quero entrar em questões institucionais; quero centrar-me mais no que são as minhas funções. Mas vou dizer aquilo que é público: de certa forma, esse risco foi ultrapassado com a decisão do Conselho de Fundadores de colmatar o défice orçamental da Casa com o recurso aos fundos próprios da fundação.
Mas essa solução não é eterna…
Mas todos nós temos esperança de que esta crise não seja eterna. A opção foi resistir neste momento de crise recentrando aquilo que é o essencial da CM, que está no seu ADN: os agrupamentos residentes e o Serviço Educativo.
Tem-se a sensação de que, com a saída de Nuno Azevedo [administrador-delegado, que se demitiu no ano passado, em consequência do anúncio de um corte de 30% na dotação da CM, pelo actual secretário de Estado da Cultura], desapareceu uma posição mais reivindicativa e de maior expressão pública em defesa da instituição.
Essa é uma questão que deve ser colocada à Administração. A questão da exposição pública de posições mais ou menos reivindicativas compete inteiramente ao Conselho de Administração. Tenho a minha opinião pessoal, mas entendo que, enquanto director artístico, não a devo emitir.
Mas tem ali, na parede do seu gabinete, uma reprodução da Mona Lisa “ratada” de 30% da imagem…
(Risos). Foi um exercício que fiz para não me esquecer da realidade que estamos a atravessar. Mas está aqui fechado no meu gabinete…
A programação deste ano tem uma mudança no conceito de país-tema – o Oriente. Foi uma opção estritamente artística, ou deveu-se a razões também económicas, à procura da árvore das patacas?
A escolha do país-tema é uma escolha artística do programador. Isso não significa que não possa ter efeitos secundários benignos. A escolha do Oriente já vinha a ser pensada há muito tempo. É uma escolha que faz todo o sentido, porque uma programação artística não é nem neutra em relação à realidade que nos circunda, nem deve viver numa torre de marfim, isolada das transformações do mundo. No mundo da música, é reflexo, se calhar, da situação económica. O Oriente cada vez conta mais na indústria musical. Isso é um facto ao qual não podemos deixar de estar atentos.
Qual vai ser o país-tema de 2015?
Não posso anunciar nada em concreto. Mas posso dizer aqueles que faltam, das grandes potências da música: a Rússia, a Alemanha e o Reino Unido, pelo menos.
Há alguma efeméride relevante da história da música no próximo ano?
Serão os oitenta anos daquele que é considerado o mais importante compositor alemão vivo, Helmut Lachenmann – que, aliás, já fez uma residência na CM em 2007 –, e que será celebrada por toda a Europa, não sendo a Casa da Música excepção. Mas há uma, muito importante, que são os 10 anos da Casa da Música.
O que é que está a ser preparado para a assinalar?
Haverá um esforço para criar, do ponto de vista conceptual, um momento que reflicta aquilo que é o projecto da Casa da Música. Não vou adiantar conteúdos, porque isso seria extemporâneo. Mas posso falar de alguns desafios para o futuro. Nomeadamente um – que se coloca à administração, e a mim pessoalmente –, que será a nomeação de um novo maestro titular para a Orquestra Sinfónica.
Christoph König não vai continuar?
Não. Termina o mandato, e eu entendi que era tempo de virar a página, de criar um novo desafio e abrir uma nova era para a orquestra. Isto coincide com uma altura em que, por força das circunstâncias, nem sempre felizes – como, por exemplo, o falecimento de alguns músicos –, vai haver uma renovação nos próprios quadros da orquestra; fazer entrar sangue novo.
Brevemente estarei a anunciar não só um novo maestro titular, mas também um maestro principal convidado e uma equipa de maestros convidados que, em conjunto, vão trabalhar e levar a orquestra na mesma direcção. Terão que ser duas personalidades que se complementem, se articulem, que tenham uma empatia pelo projecto artístico da CM no seu todo. E que percebam que a Orquestra Sinfónica do Porto está inserida numa instituição e num contexto programático mais vasto do que só gerir uma sinfónica.
Serão necessariamente maestros estrangeiros, ou poderá haver um português na equipa?
Quando apresentar a temporada de 2015, veremos quem serão os novos maestros.
Que balanço faz do trabalho de Christoph König?
Faço um balanço francamente positivo. É inquestionável que, nestes últimos anos, a qualidade da orquestra subiu exponencialmente. E é evidente que o actual maestro titular teve um papel importante nisso. Mas, também, o trabalho do núcleo de maestros convidados regulares, além da qualidade e do empenho dos músicos.
Falou na necessidade de renovação do próprio corpo da orquestra. Têm-se ouvido críticas ao processo de contratação de novos músicos. Já responsabilizou o regulamento por isso...
O regulamento da orquestra foi o que foi herdado de antes de ela ser integrada. Foi criado num certo contexto e numa situação que hoje se transformou. Faz sentido – e esse trabalho está a ser feito – rever o regulamento e mudá-lo nos aspectos que têm de ser mudados, em diálogo sempre com os músicos.
Na programação, introduziu alguns ciclos novos – o Invicta.Música.Filmes, o Outono em Jazz… A ideia é continuar a renovar?
Houve a criação de um novo paradigma na programação, mantendo basicamente a mesma estrutura, com as séries da Orquestra, o Ciclo do Piano, etc. Também muito por necessidade de responder a novos desafios. Foram criados e introduzidos por mim novos ciclos temáticos, ou festivais, e que são uma forma, creio, mais eficaz de comunicar, dar uma ideia mais coerente daquilo que é o todo da CM.
Está a pensar criar algum novo ciclo para o próximo ano?
Com certeza que sim, ao lado de outros que se manterão. Mas não vou agora falar da programação para 2015. Posso falar é do futuro e daquilo que são os meus desejos e sonhos. E eu sonho mais além de 2015. Por exemplo, iniciámos em 2012 um ciclo de artistas em residência com grandes figuras, das mais relevantes, de maestros-compositores. Começámos com Pierre Boulez. Continuamos este ano com o [húngaro] Peter Eötvös, o artista em associação. Para os próximos anos, posso anunciar que teremos cá a maestro e compositor suíço Heinz Holliger, o finlandês Esa-Pekka Salonen, ou o britânico Oliver Knussen.
Algum destes virá ao Porto no próximo ano?
Isto é um objectivo a vários anos, que é ter na CM os maestros e compositores mais relevantes a nível mundial. Acho que é um sonho atingível, que não depende de dinheiro, porque estes artistas não são mercenários, não se movem por dinheiro, mas por projectos e pela empatia que têm com eles. É o caso destes nomes que citei em relação à CM. Tenho tido diálogos muito positivos com todos eles, de modo que, nos próximos anos – não vou especificar quais –, essas grandes figuras vão passar pelo Porto.
E os maestros e compositores portugueses?
Todos os anos é ano de Portugal na CM.
Mas há algum nome português nesse seu alinhamento?
Isto não é nenhum campeonato, mas observo a realidade que nos circunda e não vejo outra instituição em Portugal que tanto defenda a música e os músicos portugueses. A CM tornou-se num verdadeiro embaixador da música portuguesa no estrangeiro, e representa um fenómeno sem precedentes na vida musical portuguesa dos últimos três séculos. E falo com números: nestes últimos anos, nas deslocações dos vários agrupamentos da CM, apresentámos 102 execuções de obras portuguesas em grandes palcos internacionais, que correspondem a 54 obras de 22 compositores de várias filiações estéticas e gerações. São números que atestam uma actividade sem precedentes no panorama nacional. Do qual, naturalmente, me orgulho, e tudo farei para que tenha continuidade.
Além disso, e como sempre disse, e repito, não programo a música portuguesa por quotas. Isso é um erro e, mais do que isso, é um insulto para os músicos portugueses.
O ciclo A Casa do Mário, pensado para o Mário Laginha, é para continuar nos próximos anos, com outros compositores?
Um artista-curador sim. Quis fazer este ano com o Mário Laginha, grandíssimo músico e compositor, que convidei para ele próprio programar quatro concertos e música dele – e vai ser intérprete em três. Mas posso anunciar que no ano – que não vou dizer ainda – em que Esa-Pekka Salonen for nosso artista em associação, terá também o papel de curador, o que irá muito para além de dirigir concertos.
Há quem critique a direcção artística da CM por repetir demasiado os mesmos nomes – como o Mário Laginha, por exemplo. Há músicos que parecem ter lugar cativo na Casa.
O que conta é a qualidade e a relevância dos músicos, e essa empatia para com o projecto artístico da CM. Mas ninguém tem lugar cativo.
Nem o Grigori Sokolov?...
Esse tem quase (risos). Enquanto for vivo e cá quiser tocar… E nós sabemos que ele escolhe as salas muito rigorosamente, porque faz poucos recitais por ano.
Sokolov deve ser dos músicos que mais vezes tocou na Sala Suggia.
Não. Os músicos que mais tocam aqui são os dos agrupamentos residentes. Esses é que são a cara da Casa da Música... Mas há instituições que criam com um núcleo de artistas uma empatia, com quem constroem um projecto ao longo dos anos. Não vejo que isso seja condenável. É uma prática internacional comum, que acontece com toda a naturalidade.
Qual foi o momento mais entusiasmante, do ponto de vista pessoal, que viveu nestes anos todos ligado ao projecto da Casa da Música?
Felizmente são muitos, e tenho a felicidade de, ao longo destes anos todos, me ter cruzado e relacionado com personalidades excepcionais, quer do ponto de vista artístico, quer humano. Isso enriqueceu-me imenso.
Quer citar algum nome ou momento?
São vários. Mas é evidente que o dia em que o Pedro Burmester, em 1998, me convidou a integrar o grupo que ia preparar o projecto da Casa da Música é marcante. Foi uma porta que se abriu.
E qual foi o momento mais difícil que passou aqui?
Foi, talvez, o dia de abertura da Casa da Música [14 de Abril de 2005]. Foi difícil, para mim, por várias razões, mas sobretudo pela injustiça que senti em que o Pedro Burmester não estivesse à frente da direcção artística. Foi um momento que vivi com um misto de sentimentos: de emoção por finalmente abrirmos a Casa, mas também um bocado sofrido por esse aspecto. É uma nota muito pessoal mas muito sincera.