Passos Coelho e patrões disponíveis para discutir aumento do salário mínimo

CDS aplaude. PS pergunta o que fez o primeiro-ministro mudar de opinião.

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Passos Coelho ODD ANDERSEN/AFP

"Digo hoje perante o país que o Governo está disponível para aprofundar o esforço de concertação (...), de modo a trazer para cima da mesa a discussão da melhoria do salário mínimo nacional e a revisão do que tem a ver com as condições da negociação colectiva", disse Pedro Passos Coelho durante a sua intervenção no encerramento do 13.º Congresso Nacional dos Trabalhadores Social Democratas, em Albufeira.

O primeiro-ministro disse que o Governo "está disponível para fazer concessões", acrescentando que aguarda também que a mesma disponibilidade seja manifestada pelos parceiros sociais.

"Precisamos de mostrar uma grande abertura para esse diálogo, na medida em que isso só reforça as condições de confiança da nossa recuperação enquanto país e, portanto, beneficiamos todos", indicou.

Segundo Pedro Passos Coelho, o Governo não pode abdicar de alguma negociação que já foi feita, "nomeadamente a propósito de portarias de extensão, admitindo que há algum trabalho a fazer a esse nível".

E garantiu: "Iremos mediar essa negociação entre os parceiros na Concertação Social. Teremos toda a abertura para poder dizer aos portugueses, aos nossos credores e àqueles que possam investir em Portugal no futuro, que somos capazes sem segundos programas e condicionalidades impostas pelo exterior, ceder alguma coisa para darmos um horizonte de estabilidade no médio prazo que nos permita atrair mais confiança e investimentos.”

Horas depois do discurso de Passos, o líder parlamentar do CDS afirmou que o partido vê “muito favoravelmente” a abertura para a “melhoria do salário mínimo nacional”: “O modelo de desenvolvimento do país, assente em bases sustentáveis, não deve ser um modelo de salários baixos, mas sim de melhorias de produtividade”, adiantou Nuno Magalhães.

PS pergunta: o que mudou?
Na reacção ao anúncio de Passos Coelho, António José Seguro questionou o que terá levado o primeiro-ministro a mudar de opinião sobre o aumento do salário mínimo nacional e desafiou-o a convocar de imediato a Concertação Social para a obtenção de um acordo.

“O que é que fez mudar o primeiro-ministro? Terá sido a proximidade de eleições? Terá sido o facto de na Alemanha se ter fixado o salário mínimo em 8,5 euros à hora? Terá sido pelo facto de no Partido Socialista, entre outros, termos insistido e reiterado da necessidade do aumento do salário mínimo nacional?”, perguntou António José Seguro, no encerramento de mais uma convenção “Novo Rumo para Portugal”.

“Trata-se de um aumento de poucos euros por mês, mas que faz toda a diferença na carteira de uma pessoa que recebe pouco mais que 480 euros”, declarou, adiantando: “Ainda na sexta-feira insisti para que o primeiro-ministro voltasse a atender a esta proposta do Partido Socialista e se mostrasse disponível para discutir esta matéria no seio da Concertação Social, porque há um consenso na sociedade portuguesa entre os representantes dos trabalhadores – a UGT e a CGTP -, entre as confederações patronais, entre os partidos políticos da posição”.

Para António José Seguro, “só o primeiro-ministro e o Governo têm estado fora deste consenso”.

A este propósito recordou o debate no Parlamento, a 6 de Março do ano passado, quando lhe dirigiu esta proposta: “Dizia ele que quando o nível de desemprego é elevado a medida mais sensata era exatamente fazer o oposto, isto é, baixar o salário mínimo nacional e que só não o faria porque o valor era reduzido”.

“Eu não sei o que é que o fez mudar [de opinião], o que é certo é que ele mudou”, referiu o secretário-geral socialista, avisando: “Mas com este primeiro-ministro, temos de ter cuidado com as palavras dele. Todo o cuidado é pouco”.

Patrões igualmente disponíveis
Reagindo às declarações de Pedro Passos Coelho, António Saraiva, presidente da Confederação da Indústria Portuguesa, afirmou que a organização patronal está disponível para celebrar um novo acordo sobre o salário mínimo, "com critérios que as partes possam acompanhar e monitorizar a sua evolução".

Também João Vieira Lopes, presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, recordou que a CCP já tinha mostrado abertura para o arranque das negociações. "O mercado interno é uma componente essencial para a recuperação da economia e o aumento do salário mínimo é, de facto, um sinal, além de melhorar o poder de compra de algumas camadas da população, com maiores dificuldades", disse à Lusa.

João Vieira Lopes sublinha que "essa negociação deverá estar terminada em Outubro", na medida em que muitas empresas que necessitam de fazer contratos para o próximo ano, precisam de saber "qual a grelha salarial com que vão contar". "É, portanto, essencial que se marque uma baliza para essa discussão", defendeu.

CGTP exige aumento imediato
Na reacção às palavras do primeiro-ministro, o secretário-geral da CGTP, Arménio Carlos, disse que “o salário mínimo está por actualizar há três anos” e exigiu um aumento imediato. "Esta declaração do primeiro-ministro remete para a frente a resolução de um problema que exige resposta no presente. Não podemos esquecer que há um acordo por cumprir: os 500 euros do salário mínimo nacional deviam estar em vigor desde 1 de Janeiro de 2011”, criticou o dirigente sindical.

O responsável da CGTP disse que os trabalhadores que auferem este salário perderam, neste período, 675 euros e reclamou “uma actualização imediata” do salário mínimo para os 515 euros para repor parte do poder de compra entretanto perdido.

Como o PÚBLICO já escreveu em Março, para recuperar o poder de compra perdido desde 2011, o salário mínimo teria de aumentar 5,1% - para os 510 euros - no próximo ano.

Debate académico
Na prática, em todos os países, grandes ou pequenos, em recessão ou em expansão, o debate sobre a possibilidade de subida do salário mínimo envolve o mesmo tipo de argumentos. De um lado estão os que defendem que um salário mínimo maior (ou mesmo a simples existência de um salário mínimo) retira a capacidade das empresas para se adaptarem à situação económica e faz com que estas criem menos empregos. Do outro, os que acham que este é um bom instrumento de correcção da desigualdade e que, a existir, o efeito negativo sobre o emprego acaba por ser quase todo compensado pelo impacto positivo na actividade económica por via de uma subida dos níveis salariais das pessoas com menores taxas de poupança.

São vários os estudos académicos realizados pelo tema, tanto no estrangeiro como em Portugal. A diversidade dos resultados ao longo dos anos faz com que esta seja mais uma área em que a ciência económica parece longe de uma opinião consensual.

Em Portugal, um estudo publicado pelo Banco de Portugal em 2011 concluía os aumentos do salário mínimo “estão associados a reduções no emprego, com um aumento da instabilidade de emprego dos trabalhadores com salários mais baixos”.

Uma análise da Universidade do Minho, feita em 2011 a pedido do Governo, conclui também que “é possível prever que o aumento imediato do SMN para 500 euros, conforme acordado em 2006, originará uma diminuição do emprego que variará entre -0.34% no cenário de baixo aumento dos preços da produção interna (1%) e -0.01% no cenário de aumento dos preços alta (3%)”. Terão sido estes estudos que levaram Passos Coelho há um ano num debate parlamentar a responder à proposta do PS de subir o salário mínimo afirmando: “quando um país enfrenta um nível elevado de desemprego, a medida mais sensata que se pode tomar é exactamente a oposta”.

Mas há outras conclusões. O economista Ricardo Paes Mamede, em 2009, num estudo feito a pedido do Governo da altura, concluía que “o acordo alcançado [em 2006] poderá estar a contribuir para diminuir a incidência do fenómeno dos 'trabalhadores pobres' em Portugal, sem com isso pôr em risco o desempenho da economia portuguesa na sua globalidade”. E, em 2011, três economistas publicaram um estudo na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra que dizia que "mesmo durante uma recessão económica significativa, aumentos do salário mínimo não parecem ter efeitos particularmente fortes na redução do emprego”. 

Entre 2006 e 2011, mostram os números do Ministério do Emprego, o valor do salário mínimo subiu de 385,90 euros para os 485 euros que se registam agora. No mesmo período, em percentagem do vencimento médio subiu de 38,7% para 42,4%, subindo também o peso na mão-de-obra total dos trabalhadores com salário mínimo. No meio da diversidade de opiniões académicas, a decisão agora é política. com Lusa

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