Paletes, a matéria-prima de 1001 criações
A moda pegou há algum tempo e parece ter vindo para ficar. As paletes servem para fazer quase tudo. O P3 foi conhecer dois projectos que usam este material para criar novos produtos
Carla Jorge e Cristina Pina andam nisto há já cinco anos, Ricardo Romeiro e Suse Silva há menos de um. Eles são adeptos das paletes e utilizam-nas como matéria-prima principal para as suas criações — uma moda que pegou há algum tempo e que parece ter vindo para ficar.
Uma rápida pesquisa online dá para perceber a dimensão do fenómeno. Sofás, camas, estantes, mesas, cadeiras, bancos — faz-se com as paletes tudo o que a imaginação e o engenho deixarem. E muitos fazem da ideia um negócio.
A Déjà Vu, projecto das amigas Carla Jorge e Cristina Pina, apareceu no mercado “associada à crescente escassez dos recursos naturais” e à “necessidade de reciclar cada vez mais”. E decidiu dar uma segunda vida às paletes, habitualmente utilizadas para transportar mercadorias e muitas vezes abandonadas ou destruídas depois de cumprirem essa função.
“Nós e tantas outras pessoas pelo mundo entendemos que as paletes podem e devem ser reaproveitadas/ recicladas para vários fins”, disse ao P3 Carla Jorge, de 39 anos, numa entrevista via email.
Ricardo Romeiro decidiu, no Verão passado, comprar umas ferramentas para começar a fazer bricolage e com isso decorar a casa. A “brincadeira” levou-o, com a companheira Suse Silva, a uma feira em Leiria, e as cerca de 20 peças que tinha feito acabaram por ter outro destino que não a casa deles.
Inspiração familiar
“Fomos para lá sem um nome para o projecto, sem logótipo, sem cartões, sem página do Facebook”, recorda Ricardo, de 34 anos, que começou a gostar da área em miúdo quando frequentava a oficina do avô, carpinteiro e professor de trabalhos manuais.
O projecto, agora baptizado de Eco.ok, continua a ser uma “brincadeira” a que Ricardo e Suse se dedicam depois do trabalho (ele como informático, ela como vendedora numa loja). Mas, incitados pelos vários pedidos de peças que vão recebendo, “uma brincadeira um pouco mais séria”.
Para Carla Jorge a história é outra. A criação da Déjà Vu, à qual se dedica a tempo inteiro, mudou-lhe a vida. A paixão vem também da família, do bisavô paterno, marceneiro e especialista na construção de carroças de madeira: “Sempre que ia a casa dos meus bisavós lembro-me de ficar a observar o meu bisavô a trabalhar e sempre que era oportuno tentava imitar o que via fazer”, conta.
A filosofia da Déjà Vu é “desmanchar 90% do volume de paletes”, de forma a produzir trabalhos “mais elegantes e mais apreciados”. E não há espaço para paletes em mau estado — a aposta em bom material é fundamental para as criadoras deste projecto.
O processo é longo, explica Carla Jorge: “Verificamos o estado de todas as peças obtidas após o desmanche da palete, analisamos cada uma delas, se apresentam parasitas da madeira (principalmente xilófagos), e em caso afirmativo desparasitamos a madeira que fica de quarentena. Analisamos igualmente a integridade e a robustez de cada régua da palete e retiramos todos os elementos de ferragens. Separamos e classificamos todas as peças obtidas, que ficam em 'stock' a aguardar a construção da próxima criação.”
Os preços inflacionados
Porque o lema é reciclar, a Déjà Vu evita comprar paletes novas. Isto apesar de encontrar paletes usadas em bom estado e a preços razoáveis ser uma tarefa cada vez mais difícil, concordam os criadores dos dois projectos com quem o P3 falou. “Os preços são demasiado puxados muitas vezes”, diz Ricardo Romeiro, que conta que, para já, tem tido sorte e conseguido, através de bons contactos, paletes a preços simpáticos.
O propósito “nada se perde, tudo se transforma” é o lema por detrás da Eco.ok, que se centra sobretudo na transformação de paletes em peças de design contemporâneo, como vasos, caixas e suportes para velas. “Para já”, nota Ricardo Romeiro, que admite aventurar-se na criação de outras peças como sofás, cadeiras e mesas, por exemplo.
“Ainda não aconteceu porque tenho estado ocupado com o outro lado do negócio, que é o restauro de peças antigas”, justifica. Também a Déjà Vu faz restauro de mobiliário, apesar de actualmente se dedicar essencialmente à reciclagem. “Vão sempre surgindo umas peças para restaurar, outras para transformar e reciclar dentro do restauro”, conta Carla Jorge.
A palete é “banalizada” por muita gente, lamenta Carla, que percebe pelo contacto com os clientes que a maioria acredita que esta madeira “se encontra facilmente ao virar da esquina” ou num “ponto de recolha de lixo”.
E a verdade é que encontrar este material se tem tornado cada vez mais complicado. Porquê? “Existe um exército de pessoas sem emprego e sem recursos que fazem do seu quotidiano uma busca incessante de tudo o que encontram disponível no lixo ou ao abandono para que possam lucrar alguns euros”, acredita esta empreendedora.