Pode dizer-se que a criação e desenvolvimento da União Europeia (UE) é um processo longo e complexo, cheio de especificidades e imprevisibilidades decorrentes da tentativa de se unir países histórica e culturalmente distintos, tantas vezes em conflito. E isso é tudo verdade.
Mas penso que se pode olhar para este processo com uma lente mais simplista e comparar a UE às uniões matrimoniais que todos os dias acontecem. Duas pessoas juntam-se com o intuito de partilharem uma vida em comum, criando um espaço cultural e económico próprios, normalmente conducente à procriação e ao bem-estar. E é exactamente isso que a UE desejava ser: um espaço de paz, bem-estar e prosperidade baseado na partilha política e económica entre gentes, que afinal, partilham alguma base cultural (a europeia).
Se aceitarmos a analogia, não será de estranhar que as dificuldades que assistimos nos matrimónios sejam também as dificuldades que assistimos nesta grande união: o aparecimento de interesse divergentes (pelas dinâmicas da vida e influências externas), os conflitos da proximidade continuada, as lutas de poder.
A verdade é que a UE tem-se contruído lenta e progressivamente, mas sempre adensando as teias de cumplicidade. E é aqui que os problemas se começam a acumular: primeiro, porque esse processo não foi devidamente sufragado; depois, porque maior proximidade implica maior partilha de riscos.
A crise financeira que se abateu sobre o mundo, quando muitos países da UE estão “casados” até na moeda, é um dos primeiros grandes testes à solidez desta união (é nos momentos de crise que se vê se os casamentos são “a valer”). E a forma como a UE tem respondido à crise não é muito promissora.
Um casamento implica paridade e partilha de responsabilidades, benefícios e riscos. No caso da UE, não se pode querer os benefícios (o aumento do comércio intraeuropeu e a liberdade de circulação) se não se suportarem os custos (ajudar, sem julgamentos morais, os mais pobres e aceitar as migrações). Para além disso, não temos que nos tornar todos iguais para que a UE funcione. Pelo contrário, temos de nos adaptar às idiossincrasias alheias. Em concreto, a Alemanha (apesar de ser o país mais rico e poderoso da UE) não pode exigir que sejamos todos alemães (isso não seria união mas anexação). Tem antes que aceitar os povos do sul como ele são: menos organizados mas mais desenrascados, criativos e com uma cultura de disfrute da vida que vale a pena preservar.
Os maiores benefícios da construção de uma união só surgem, verdadeiramente, a médio e longo prazo, pelo que é preciso mostrar a maturidade de se saber ultrapassar as crises.
Acima de tudo, nunca nos podemos esquecer que proteger a paz (que só a igualdade e a prosperidade propiciam) é cumprir o desígnio fundamental da UE. Se a Alemanha vingar na intenção de proibir os pobres e desempregados da União de emigrarem para o seu país para beneficiar da sua proteção social (que fiquem pobres e desempregados nos países de origem) e insistir em não mutualizar a dívida ou em não desvalorizar o Euro, ao mesmo tempo que os nacionalismos de extrema-direita emergem em diversos países membros, o que começamos a dizer é que não nos queremos aturar uns aos outros. Nessa altura, a única analogia que restará com o casamento será o divórcio…