Filipe Duarte Santos: “Não há maneira de fazer parar isso”
Especialista diz que a incidência crescente dos fenómenos meteorológicos extremos é o maior sinal de alerta quanto ao impacto futuro das alterações climáticas.
Qual é a principal nova mensagem deste relatório do IPCC?
O mais importante são as implicações das alterações climáticas sobre a segurança alimentar a nível global. No quarto relatório [de 2007] não estava dito com tanta clareza. Este quinto relatório evidencia uma preocupação muito grande nessa área a médio e longo prazo.
Quais são os sinais de alarme?
São sobretudo os fenómenos meteorológicos extremos. Por exemplo, uma seca grave numa região que desempenha um papel importante no abastecimento de cereais. Um caso concreto foi a grande seca e onda de calor na Rússia em 2009/2010. A Rússia deixou de exportar e isso teve repercussões mundiais, os preços aumentaram. Como tudo indica que no futuro teremos fenómenos extremos mais frequentes, o impacto na produção agrícola será significativo.
As ondas de calor serão um dos principais impactos no Sul da Europa. Está a ser feito o suficiente em termos de adaptação em Portugal?
Tem sido feito um trabalho bastante bom pela Direcção-Geral de Saúde e pelo Instituto Ricardo Jorge. Existe um sistema de alerta, o Ícaro, que é bastante bom. Mas temos falhas que resultam também da situação de permanente crise que se está a viver. Se há uma onda de calor e se há um hospital em que o ar condicionado avaria ou não existe, para os doentes é uma coisa dramática. Num hospital deve ser uma prioridade ter um ar condicionado.
Sabendo que o mar vai avançar em Portugal, devemos proteger ou demolir as construções em zonas de risco?
Há três tipos de resposta. Uma é a protecção. É o que se faz na Holanda: eles têm uma linha, que é a da costa em 1990, que consideram como “fronteira da guerra”. Vão defendê-la, decidiram não recuar. Não é uma estratégia que se possa adoptar para a toda a costa portuguesa. Outra opção é acomodar, ou seja, uma protecção mais flexível com a ajuda da natureza, iniciativas de defesa sem obras de engenharia pesadas. E finalmente há outra estratégia que é a retirada. Mas tem de ser muito bem pensada, tem de ser um processo feito com a participação das populações. E a informação é essencial. Sem que as pessoas tenham um conhecimento do que se está a passar e do que se irá passar com a subida do nível do mar, o diálogo é extremamente difícil.
O IPCC diz que com um grau a mais na temperatura global haverá impactos importantes. Isto significa que o limite de dois graus adoptado internacionalmente já não é seguro?
Há um artigo recente que calcula qual é a subida do nível médio do mar que está comprometida com um aumento de um grau na temperatura global. É de 2,3 metros, ao longo de muitos séculos. Não temos maneira de fazer parar isso. Na Costa da Caparica, há 126 mil anos, quando a temperatura global era dois graus mais elevada do que agora, o nível médio do mar era cerca de quatro metros mais alto. É muito arriscado dizer que está tudo bem até dois graus.
Os relatórios do IPCC põem um ponto final nas vozes cépticas quanto ao aquecimento global?
Creio que não. Depois de tudo o que de muito positivo resultou da utilização intensiva de energia através dos combustíveis fósseis, custa muito à humanidade, ou pelo menos a certos sectores, que haja certos limites ao nosso desenvolvimento. Isto é compreensível e toma formas muito diversas, como a de pessoas que defendem que não há alterações climáticas ou de que há imensas dúvidas sobre as alterações climáticas, sem grande fundamento científico. E tudo isto é alimentado por pessoas que fazem disso uma forma de visibilidade. Portanto, não vai calar os cépticos. Fazem parte da nossa diversidade cultural, é um fenómeno que nos vai acompanhar nos próximos 100, 200 anos. Mesmo quando o nível médio do mar tiver subido um metro, continuará a haver cépticos.