Os mais velhos da turma

Há quem tenha aproveitado uma situação de desemprego para investir na sua formação. Há quem esteja a estudar matérias que há anos fazem parte da sua vida. Há quem tenha sido avaliado pelos professores dos filhos. Há quem diga que ingressar (ou re-ingressar) no ensino superior foi o melhor que lhes aconteceu.

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Pedro Nunes é aluno à segunda e à sexta-feira e nos outros dias trabalha na sua empresa Enric Vives-Rubio
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Liliana Pereira está a tirar o mestrado para poder voltar a dar aulas de Espanhol Ricardo Castelo/NFactos
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Dália Cavaco: “É preciso reaprender a estudar” Enric Vives-Rubio
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Ariana Pinho: universidades dificultam a vida aos trabalhadores-estudantes Manuel Roberto

Ariana Pinho: “O leque de possibilidades devia ser maior”

“Lembro-me de dizerem que eu tinha feito uma opção, ser trabalhador-estudante, por isso que me aguentasse.” A frase é recordada por Ariana Maria Pinho, 44 anos, funcionária da Câmara Municipal de Gaia. Fez o bacharelato de Engenharia Civil nos anos 90. Começou a trabalhar. E quando tentou avançar para a licenciatura percebeu que seria difícil. Não havia grande oferta em horário pós-laboral.

Ingressou primeiro na Universidade do Minho, depois pediu transferência para a Universidade do Porto. Entre 1998 e 2004 fez algumas cadeiras. “Estas duas instituições sempre dificultaram ao máximo a vida a quem era trabalhador-estudante.”

Recorda-se de pedir que pelo menos o atendimento aos alunos acontecesse depois das cinco da tarde, para ela poder ser recebida sem ter de faltar ao trabalho. Foi quando ouviu a tal frase: “Tinha feito uma opção, ser trabalhador-estudante, por isso que me aguentasse.” Não desistiu. Entrou na Universidade Fernando Pessoa, uma privada do Porto, com turmas em regime pós-laboral. E em 2009 licenciou-se, finalmente. Satisfeita? Sim. Mas quer mais.

Gosta de estudar. E aos 44 anos anda a avaliar as possibilidades de fazer uma licenciatura em Direito. Ou uma pós-graduação em Urbanismo. “Só que nas universidades do Porto é quase inexistente a formação na área que me interessa — mestrados ou pós-graduações em planeamento, urbanismo, transportes...” E quando ao Direito: na universidade pública “é praticamente impossível o acesso” porque as vagas para alunos que já possuam uma licenciatura “são muito reduzidas”.

Uma possibilidade é voltar a recorrer ao ensino privado. Mas também essa hipótese tem contras. “Eu, que sou funcionária pública, ainda que com um vencimento de técnica superior, não consigo pagar as mensalidades que exigem quer a Católica, a Lusíada ou a Portucalense.”

O principal problema, contudo, é mesmo a falta de oferta para maiores de 30. “O leque de possibilidades devia ser maior. O ensino precisa de ser reorganizado em função das necessidades das pessoas.”

António Sequeira: “A minha filha tem um orgulho enorme no pai”

Fez o 11.º ano e interrompeu os estudos. Começou a trabalhar mas, com os anos, a vontade de voltar a estudar foi ganhando força. António Jorge Sequeira, 51 anos, gerente de uma unidade de cafetaria em Faro, ingressou no ensino superior há dois, através do regime dos maiores de 23 (um concurso especial que não exige os exames nacionais que os candidatos do regime geral têm de fazer). Agora é estudante na Universidade do Algarve. A filha, de 18 anos, frequenta a Universidade do Porto. “A minha filha tem um orgulho enorme no pai.” Às vezes falam ao telefone sobre alguns matérias que têm em comum.

António escolheu Sociologia. Acredita que o curso lhe vai abrir novas portas até porque “as empresas estão a ficar mais receptivas a contratar pessoas com mais idade”, não só porque “valorizam mais a experiência de vida” como porque “a população está cada vez mais envelhecida”.

Não há horário pós-laboral, tem de frequentar as aulas durante o dia, como qualquer jovem. O estatuto de trabalhador-estudante isenta-o, contudo, de um regime de faltas. Vai tentando encaixar estudos e trabalho — “No ano passado tinha aulas de manhã, à tarde trabalhava, à noite estudava. Tenho tido boas notas, é muito cansativo mas é por uma boa causa”. Não sendo o único com mais de 30 anos, é o mais velho da sua turma. Mas isso não o incomoda nada. Gosta do convívio com os colegas. E até foi eleito delegado de turma.

E a empresa? Compreende as ausências? “A lei dá seis horas por semana remuneradas ao trabalhador-estudante e é possível faltar nos dias dos exames e na véspera dos mesmos. Desde que isto não interfira com o normal funcionamento da empresa... De certa forma tem de haver o acordo do patrão.” Na prática, António diz que vai compensando no trabalho as horas em que precisa de estar na universidade.

Pedro Nunes: “Vou acompanhar as minhas próprias obras”

Foi há muito anos. Era um jovem a acabar o ensino secundário e fez “uma birra”. Os pais queriam que ele fosse para Engenharia Civil. Ele escolheu Engenharia Física. Concluiu a licenciatura em 1995. E seguiu-se uma vida profissional variada. Passou pela Áustria, foi engenheiro ferroviário, tornou-se empresário de construção civil.

Pedro Nunes tem 46 anos. Como muitos empresários do sector foi atingido pela crise económica e pôs-se a pensar o que poderia fazer para se tornar mais resistente a ela. Decidiu fazer o que há 27 não fez por “birra”. O curso de Engenharia Civil.

Escolheu o que considera ser “o mais prestigiado”, no Instituto Superior Técnico, em Lisboa. Mesmo tendo noção de que isso significaria, por exemplo, que não teria aulas em regime pós-laboral. Assim, às segundas e às sextas é aluno. Nos outros dias trabalha na sua empresa. O estatuto de trabalhador-estudante permite isso. “Apesar de haver muitos professores que fazem questão de nos verem. De saberem quem estão a avaliar. Percebo... temos de nos desdobrar.” Se houvesse aulas até às oito, nove da noite e, sobretudo, se houvesse aulas ao sábado de manhã, seria mais fácil.

A verdade é que estando “o mercado da construção difícil” acabou por ficar com mais tempo para estudar. Por outro lado, a licenciatura em Civil vai-lhe permitir dispensar um técnico que cumpra os requisitos exigidos pela Ordem dos Engenheiros para o acompanhamento dos projectos. “Vou poder acompanhar as minhas próprias obras.”

Nem tudo são rosas. “Parece que o cérebro não tem a abertura de outros tempos, os jovens têm uma capacidade de abstração que um adulto já tem mais dificuldade em ter.” Mas está determinado. Fará o curso no tempo que for preciso. “Tinha estipulado três, quatro anos... não sei.”

Lurdes Véstia: “Decidi estudar quando os meus filhos saíram de casa”

Lurdes Véstia candidatou-se ao ensino superior com 51 anos, fez a licenciatura em Animação Cultural e Educação Comunitária, na Escola Superior de Educação de Santarém, e agora, aos 57, está prestes a defender a tese de mestrado. “Em princípio será na próxima semana.” Diz que nunca se sentiu tão realizada.

“Decidi ir estudar quando os meus filhos saíram de casa e eu fiquei um pouco sem saber o que fazer”, conta. “Candidatei-me [pelo regime dos maiores de 23] mas não disse nada a ninguém, tinha medo de não conseguir. Fiz as provas e na entrevista encontrei dois professores que tinham sido professores dos meus filhos. Disseram-me que os meus resultados eram muito razoáveis. Fui aceite.”

Lurdes tinha feito o antigo 7.º ano do liceu em 1974, mas não chegara a ir para a universidade. Foi ginasta do Benfica, deu aulas de Educação Física, foi comerciante. E quando entrou na escola superior estava a trabalhar na Santa Casa da Misericórdia de Santarém. “Trabalhava todos os sábados e domingos para compensar” as horas em que tinha que ir às aulas, continua. “Não havia horário pós-laboral neste curso. Havia noutros, mas eu fazia questão de fazer este. Era o que eu queria. Tinha muito a ver comigo.”

Durante o curso integrou um projecto relacionado com a cultura Avieira, no Vale do Tejo, e foi esse o tema da sua tese de licenciatura, que acabou por dar origem a um livro publicado com o apoio do Politécnico de Santarém, chamado “Avieiros — Dores e Maleitas”.

Já não trabalha na Santa Casa. “Abracei o projecto da cultura Avieira e faço divulgação nas escolas, como voluntária.” Sente-se “mais nova” — “Agora faço mesmo aquilo de que gosto.”

Dália Cavaco: “Um orgulho imenso”

Tinha 32 anos quando ficou desempregada. Tinha 34 quando voltou ao ensino superior para fazer uma licenciatura em Secretariado e Comunicação Empresarial. Achou que era a única saída.

Dália Cavaco sempre tinha trabalhado na área do secretariado e serviços administrativos. Mas logo ela, que nunca achara que fosse assim tão importante ter um diploma, rapidamente percebeu que nos pedidos de emprego a exigência da licenciatura era uma constante.

Em Setembro de 2012 começou as aulas no Instituto Superior de Línguas e Administração, em Lisboa. Levava na bagagem uma experiência de quatro anos na universidade, que terminaram tinha ela 20 e poucos anos, sem acabar o curso. Foi fácil retomar? “Mais ou menos. É preciso adaptarmo-nos ao ritmo de estar numa sala de aula durante duas horas, a tirar apontamentos. É preciso reaprender a estudar.”

Como estava desempregada, optou por frequentar uma turma durante o dia. “No 1.º ano éramos três com mais de 30 anos e eu era a mais velha. Acabei com média de 15, fiz as disciplinas todas, para mim, que não estudava havia dez anos, foi um orgulho imenso.”

Entretanto, começou a trabalhar como secretária numa consultora. “Só consegui começar a ir a entrevistas de trabalho quando comecei a dizer que estava a estudar, numa escola reconhecida nesta área.” Passou para o regime nocturno. E um dia típico na sua vida é assim: “Entro no trabalho às oito da manhã, termino às 17h, vou a casa comer, às 19h estou a entrar nas aulas, e termino às 23h. Estudo nas horas de almoço e aos fins-de-semana.”

Liliana Pereira: “Ou pomos comida na mesa ou escrevemos teses”

Depois de terminar a licenciatura em Inglês/Alemão, não arranjou trabalho no ensino privado, nem conseguiu colocação no ensino público. E acabou por ir para Espanha, leccionar numa escola de hotelaria. Aproveitou para estudar Espanhol. Deu aulas na Universidade de Huelva, envolveu-se em projectos vários. Isto entre 2005 e 2010.

Ao longo desse período, Liliana Pereira, 35 anos, não deixou de concorrer aos concursos de colocação de professores em Portugal. Mas nunca conseguiu colocação. Até que a crise começou a fazer sentir-se também em Espanha. “Os pagamentos começaram a falhar e houve coisas que me começaram a desagradar.”

Em 2010 voltou a Portugal e entrou na Universidade do Porto para tirar Línguas e Literaturas Modernas, variante Espanhol. Achava que havia falta de professores nessa área e o facto é que, apesar de ainda não ter a profissionalização, foi colocada numa escola com horário completo, precisamente para ensinar essa língua. “Em Maio de 2011, contudo, lançaram uma portaria que anulava a portaria que me tinha permitido concorrer, e ficar colocada”, ou seja, que impossibilitava que quem não tivesse mestrado se candidatasse a dar aulas. Não voltou a ser contratada.

Neste momento dá formação a recibos verdes e está a terminar o mestrado. Lamenta que alguns professores com que tem lidado nos últimos anos, sobretudo os “mais antigos”, tenham “a filosofia de que estar do lado dos alunos desprestigia a faculdade”. Dá um exemplo: um dia foi ter com um professora para lhe pedir apontamentos das aulas a que não tinha podido assistir, por estar a trabalhar. “Ela disse-me: ‘Quer apontamentos? Tivesse vindo às aulas.’”

Também acha “quase humilhante ter de voltar à condição de estagiária depois de dez anos de serviço.”  Mas é isso que tem de fazer: o 2.º ano de mestrado é constituído por um estágio pedagógico, que fez numa escola secundária. “É duro.” Mas está quase a terminar. Só lhe falta entregar a tese. “Mas ou pomos comida na mesa ou escrevemos teses. É difícil arranjar tempo.”

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