Richard Hamilton foi um dos artistas britânicos mais influentes do século XX, mas nunca atingiu a popularidade de Francis Bacon, Lucian Freud ou David Hockney. Foi ele também quem cunhou o termo Pop Art, mas quando imaginamos a corrente artística é em figuras como Andy Warhol ou Roy Lichtenstein que pensamos de imediato.
É provável que ao longo deste 2014, decorridos dois anos e meio desde a morte do artista britânico aos 89 anos, essa percepção se modifique. É que na Tate Modern, em Londres, uma retrospectiva da sua obra, inaugurada a 13 de Fevereiro, condensa agora 60 anos de produção artística, viajando entre o final da década de 1940 e 2011. Terminada a sua carreira em Londres a 26 de Maio, a exposição transitará para o Reina Sofía, em Madrid, numa versão um pouco maior (ali ficará de 24 de Junho a 13 de Outubro).
Como em todas as grandes retrospectivas da Tate Modern, entra-se em qualquer uma das 18 salas e o impacto é imediato, com todas elas repletas de público. A primeira impressão é de diversidade. Não existe propriamente uma imagem de marca reconhecível, qualquer coisa que seja facilmente apreensível ou descodificável pela larga maioria das pessoas. Como aliás constatou recentemente, com humor, o ex-director da Tate Modern, o espanhol Vicente Todolí (que comissariou a exposição com Paul Schimmel): “Quando observamos figuras deformadas é natural pensarmos quase instantaneamente num Bacon. E quando pensamos em piscinas é um Hockney que imaginamos. Mas Hamilton aproximou-se de muitos campos. Não tinha uma etiqueta identificável. Tinha muitas marcas.”
Além de não poder ser associado a uma representação única, Richard Hamilton fazia uma aproximação experimental aos seus temas, optando muitas vezes por produzir várias versões inconclusivas de uma peça em vez de uma só versão acabada. Era um trabalhador incansável, tendo concebido desde a capa e as fotos do interior do White Album (1968) dos Beatles até pinturas “assistidas por computador”, já no final da carreira.Por outro lado, o potencial comercial da sua actividade não estava entre as suas primeiras preocupações. Daí que em parte a obra de Richard Hamilton ainda esteja por descobrir ao nível do grande público.
Começou a sua trajectória numa agência de publicidade; aos 16 anos, entrou na Royal Academy of Arts, onde estudou pintura. A sua primeira exposição, uma colecção de aguarelas, é de 1950. Em 1952, tornou-se professor de tipografia e de desenho industrial na Escola Central de Arte e Desenho de Londres e membro do Independent Group, que reunia artistas, arquitectos, designers e críticos que se encontravam regularmente no Instituto de Arte Contemporânea (ICA) e ali discutiam assuntos da cultura popular, então finalmente na ordem do dia.
Foi nesse contexto que concebeu as exposições Man, Machine and Motion (1995) e Exhibit (1957), agora recriadas no ICA, numa extensão da acção da Tate. A retrospectiva de Londres mostra-o de resto em toda a sua diversidade e complexidade — através dela vislumbramos o pioneiro da pop, o experimentador multimédia, o agitador político, o admirador de Marcel Duchamp e do dadaísmo, o artista que nunca deixou de experimentar através da pintura, da instalação, do design, da gravura ou da fotografia.
Em simultâneo, Richard Hamiton colaborava com outros artistas e nunca se coibiu de testar diferentes correntes artísticas de forma distintiva. Pintou interiores ou paisagens, flores e o conflito irlandês — até a Guerra do Iraque esteve na sua mira. Nunca deixou de ser comprometido com a sociedade em que viveu e com os desnortes da política, tendo tomado posições públicas contra o governo conservador de Margaret Thatcher e os anseios bélicos de Tony Blair.
O interesse pela fotografia levou-o a utilizar fotos de filmes ou publicidade, como base das pinturas. E a mediação entre as imagens e a informação, através das tecnologias, foi uma das suas preocupações constantes. Em 1957, muitos anos antes da Pop Art americana se afirmar, acabou por cunhar o termo, escrevendo numa carta que a mesma deveria ser popular, efémera, prescindível, de baixo custo, produzida em série, jovem, engenhosa, sexy, glamorosa e, se possível, um grande negócio.
Hoje é talvez mais conhecido por isso. Por ter percepcionado antes de todos a beleza da vulgaridade quotidiana, retratada na colagem de 1956 Just what is it that makes today’s homes so diferente, so appealing?, em que juntou uma rapariga de revista, um televisor, um logótipo da Ford, um aspirador, um cartaz de cinema e um culturista com um grande chupa-chupa com a palavra pop inscrita, numa mistura de símbolos da cultura americana.
Da mesma altura é a instalação Fun house (1956), que acaba por ser um dos grandes atractivos da retrospectiva. Foi reconstruida para o efeito, permitindo aos visitantes deambularem por salões com decoração da época e uma jukebox artilhada com sucessos desse tempo. Há também um microfone que permite aos visitantes partilharem as palavras de Hamilton, ao mesmo tempo que são projectados os seus filmes experimentais.
Do optimismo à depressão
A lista de características da Pop Art por ele mesmo inventariadas acabou por gerar um núcleo de pinturas entre 1957 e 1963 reveladoras de que a atitude de Richard Hamilton perante a cultura consumista da época era complexa. Nem era satírico nem ingenuamente adulador, apesar de mais tarde (1964-79) assumir sem problemas, por exemplo, o fascínio pelas produções de design de Dieter Rams para a Braun, tendo escrito ironicamente que esses produtos ocupavam na sua percepção o lugar que já pertencera à Montaigne Sainte-Victoire, a paisagem-fétiche de Cézanne, em certo sentido fundadora de toda a tradição modernista.
Entre as muitas obras que se podem ver na Tate Modern há imagens poderosas como a série de pinturas Swingein London, onde se vê Mick Jagger depois de detido por consumo de drogas em 1967, ou comentários sociais marcados pela ironia como Towards a definitive statement on the coming trends in menswear and accessories (1962). Também não faltam experimentações com polaróides pintadas, quadros de edifícios e vários dos exemplares de Toaster (1967), pertencente à série com electrodomésticos Braun que se converteu no exemplo paradigmático da Pop Art.
Nos anos 1980, o optimismo que sentira nos anos 1950 e 1960 viria a dissipar-se. Em 1984 criou uma série de instalações, Treatment room, reflectindo a Inglaterra conservadora desses anos, na sua visão deprimida, cínica e clínica. Numa delas, uma maca, onde imaginamos um paciente. Por cima, um monitor de TV com imagens de Thatcher, como uma câmara de vigilância.
Nos anos 1990 e 2000 continuou a focar assuntos políticos. War games constituía uma resposta à trivialização, pelos media, da Guerra do Golfo, enquanto em Shock and awe vemos Tony Blair com dois revolveres, como um cowboy do velho Oeste americano.
A sala reservada às suas polaróides serve também para tomarmos conta das suas cumplicidades. Ao longo dos anos foi pedindo a artistas e amigos (como Francis Bacon ou David Hockney) para o fotografarem, evidenciando dessa forma que, apesar do caracter aparentemente mecânico da camara, os resultados acabavam por espelhar a diversidade de sensibilidades de quem tirava as fotografias. E há também lugar para retratos da sua autoria a amigos próximos, como o suíço Dieter Roth ou o cineasta inglês Derek Jarman.
Em 2010 foi convidado para contribuir com uma pintura para uma exposição sobre uma novela de Balzac, A Obra-prima Ignorada, cujo protagonista, um pintor chamado Frenhofer, tenta pintar um nu perfeito, mas acaba por produzir qualquer coisa de ininteligível. Hamilton concebeu uma imagem em que três figuras (Ticiano, Poussin e Courbet) olham para um nu reclinado, concebido em computador, em mais uma demonstração de que nem a ironia nem a tecnologia alguma vez o abandonaram. Haveria de ser o seu último trabalho. Acabou por morrer a 13 de Setembro de 2011, sem nunca deixar de lado a sua obsessão pelo futuro.
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