“A greve é tão mais eficaz quanto maiores os danos provocados nos patrões e nos clientes das empresas”. Não posso jurar se foram estas as palavras exatas que o meu professor de Direito do Trabalho proferiu há cerca de 13 anos. Mas a ideia é esta.
O mesmo professor, António Garcia Pereira, ensinou-me, também, que a greve é um legítimo último recurso que visa garantir condições de trabalho justas e a defesa do elo mais fraco numa relação laboral.
Esta teoria faz todo o sentido. O problema é que a prática, essa madrasta da boa doutrina, e o contexto, esse inconveniente das excelentes ideias, desfazem em cacos os pilares do direito à greve em Portugal.
Comecemos pela prática. Mais de metade do mandato do atual Governo foi passado com greves nos transportes. A Carris está em greve desde o dia 19 de Fevereiro. E prevê terminá-la a 31 de Março. E os Transportes Sul do Tejo já têm duas marcadas: a 28 de Março e a 2 de Abril. Com esta frequência, as greves deixaram de ser um último recurso. É certo que continuam a ser legítimas. Mas será que quem as pratica tem bom senso?
Quem pratica as greves são os funcionários públicos. As mais frequentes e danosas são levadas a cabo por trabalhadores de empresas de transportes. E apesar de toda a gente dizer que os funcionários públicos foram os mais prejudicados com a austeridade, isso não é verdade. E eu precisava de muitos caracteres para explicar porquê (talvez numa futura crónica). Mas deixo só estes factos: as empresas públicas não vão à falência, os funcionários públicos não têm de emigrar, e apesar de terem perdido parte do salário (como os do privado também perderam) não perderam o emprego.
Não me parece, por isso, que sejam um elo assim tão fraco numa relação laboral. E até estou a ignorar as promoções automáticas, as diuturnidades e todas as outras regalias exclusivas que a função pública tem.
Passemos agora ao contexto. A situação económica e a austeridade que se vivem em Portugal afectam todos. Todos. E é bom recordar isto até à exaustão para que as pessoas não se esqueçam que a quebra no rendimento disponível, o desemprego e o aumento de impostos foi geral e não apenas para os grevistas.
Parece-me, por isso, injusto que alguns tenham o direito a utilizar um instrumento cuja eficácia dependa dos danos causados a quem está tão mal ou ainda pior que eles. É um luxo incompreensível e feito à custa dos mais fracos.
Em resumo: 1) a greve deixou de ser um último recurso; 2) visa garantir privilégios de uma classe protegida; e 3) causa danos a quem tem sido mais afectado pela crise e pela austeridade.
As reações que as greves têm gerado nos portugueses são um misto de compaixão e resignação. Os mesmos que enchem o peito para gritar “Que se lixe a troika” não têm coragem para se manifestarem contra as greves que lhes lixam a vida. Nem manifestações, nem manifestos, nem petições, nem eventos no Facebook. Nada.
E é fácil perceber porquê. Basta ver o tempo de antena que os sindicatos têm nos meios de comunicação social e a quantidade de vezes que eles embebedam a opinião pública com as palavras “direitos”, “trabalhadores” e “portugueses” para que as pessoas pensem que eles lutam por todos. Mas eles querem é defender as regalias deles. E estão-se nas tintas para os outros trabalhadores e para os desempregados.
Regalias vs impostos
E quando esta propaganda aparece ao mesmo tempo que é contada a história “a crise não se aguenta e é a causa de todos os males” (o Google gera quase três milhões de resultados para a pesquisa “devido à crise”), é fácil perceber que está montado o circo para que os portugueses pensem que as greves podem ser uma solução e não parte do problema.
O problema é que as greves são mesmo um problema. É que quanto mais regalias exclusivas os funcionários públicos garantirem, mais impostos os portugueses terão de pagar. E quanto mais tempo levarem as reestruturações no Estado, mais tempo a austeridade dura. É triste, mas é a verdade.
Por isso, da próxima vez que for prejudicado por uma greve (talvez já amanhã), lembre-se que os grevistas estão a dizer-lhe: “Estou aqui a azucrinar-te a vida, porque quero manter as minhas regalias. E quem paga és tu. Hoje com paciência. Para o resto da vida com impostos”.