Daniel Avery e a música de dança que nasce no rio Tamisa
Estreou-se com um dos melhores álbuns de música de dança do ano passado e esta sexta-feira a fisicalidade emocional da música do inglês Daniel Avery vai estar em evidência no Lux, em Lisboa, ao lado de outros nomes dos sons londrinos.
Foi a sua decisão mais acertada de sempre, diz-nos ele a partir de Londres. Foi aí que no ano passado completou o álbum Drone Logic, um dos mais estimulantes discos de música de dança do ano transacto.
“Mais do que filmes, livros, outros discos, viagens pelo mundo fora ou até pessoas, foi a visão do rio, os edifícios de Londres reflectidos nas suas águas, o som das próprias águas, a superfície de diferentes texturas, que me inspiraram na feitura do disco”, diz.
“Sempre que me sentia perdido durante o período de elaboração, olhava lá para fora para o rio e tinha essa sensação meio indefinível, mas confortável, de me sentir em casa. Este é um disco londrino, mesmo que não o consiga justificar muito bem.”
Hoje, no Lux, em Lisboa, alguma da mais interessante música de dança vinda de Londres vai estar em destaque numa noite que conta com três figuras pertencentes à editora Phantasy: o seu principal responsável, Erol Alkan, Ghost Culture e Daniel Avery.
Nos últimos meses tem sido este último a estar em maior destaque devido ao álbum Drone Logic, que figurou em muitos balanços dos melhores registos do ano. Trata-se de um disco de temas físicos, ritmados, mas de cadência moderada, marcados por linhas de baixo vigorosas e ambientes hipnóticos. É música de cariz electrónico dançante, mas com qualquer coisa de melancólico. Não é definitivamente uma sonoridade eufórica.
Quando muito trata-se de um tipo de musicalidade que convida a uma certa transcendência, mas nunca de uma forma óbvia. “A minha música favorita é aquela que se disponibiliza para que nos dissipemos no seu interior. É música para nos deixarmos ir. É música generosa, que nos submerge e envolve, que fica ao nosso lado e que acaba por ir dormir connosco”, afirma, por entre risos.
Daniel Avery não é um novato. Mas dir-se-ia que está a passar pelo seu momento de maior fulgor. Nessa ascensão teve a ajuda directa, ou pelo menos o exemplo de veteranos credíveis do cenário dançante internacional. Em primeiro lugar Erol Alkan, mas também Andrew Weatherall, Ivan Smagghe ou Trevor Jackson, tudo gente relevante do cenário de confluência entre idiomas como o house e o tecno e linguagens como o pós-punk.
Em termos de ligação geracional, é possível encontrar paralelismos entre a sua actividade e a de nomes como Jon Hopkins, Four Tet, The Field, James Holden ou até os Factory Floor, apesar de estes serem uma banda. Cada um terá uma abordagem diferenciada à matéria musical, mas todos nutrem apetite por sons psicadélicos, ambientes de imersão, linhas circulares indutoras de hipnose e secretos desejos de elevação.
“Independentemente do modelo ou do formato, podendo ser feita por um produtor isolado ou por uma banda, gosto de música psicadélica. Em casa não escuto música de dança, mas quando oiço rock na linha dos My Bloody Valentine ou Slowdive, ou funk como os Parliament, ou electrónica ambiental como Aphex Twin, consigo vislumbrar o que eles partilham. É essa indução, esse convite declarado para que nos percamos no interior do som.”
Na sua música expõe ideias de forma clara e concisa, com ondas de ritmo a velocidade moderada, inspiradas quer no tecno mais elegante, quer nas electrónicas abstractas ou no pós-punk.
Em estúdio diz que o processo de feitura da música é muito experimental e quando partiu para a execução do álbum tinha presente que desejava obter uma certa unidade: “O objectivo era fazer um disco que se pudesse ouvir do início ao fim, imbuído do mesmo espírito sedutor e da mesma atmosfera.” E acrescenta de imediato: “Ao mesmo tempo gosto de imaginar que todas as faixas podem funcionar num dos excelentes clubes por esse mundo fora onde vou aos fins-de-semana. Precisamente por isso existem momentos de excitação e outros de alguma tranquilidade, porque também as noites passam por várias fases.”
Nas suas sessões musicais existe uma lógica de jornada, com início, meio e fim. “Enquanto ouvinte é também desse tipo de experiência que privilegio”, reflecte. “Gosto de ser agarrado no início e de ficar ao longo de duas horas, passando por fases de êxtase ou de maior acalmia. É isso que tento fazer. A possibilidade de mudar a atmosfera de uma sala é incrível, podendo-se fazer dançar as pessoas de maneira mais exaltada ou tranquila.”
Nos últimos tempos, enquanto o mercado americano rejubila com DJ e produtores de música de dança para massas (de David Guetta a Steve Aoki), os ingleses passam por um período de alguma invisibilidade em termos comerciais, embora criativamente não se possam queixar. É essa pelo menos a visão de Daniel. “Na Europa a música house vocal comercial também se tornou enorme”, lembra ele, enunciando o caso dos ingleses Disclosure o ano passado. “O interessante é que como reacção existe muita gente neste momento a fazer coisas interessantes, porque deseja diferenciar-se, apostando em ideias novas.”
A segunda metade dos anos 1980 e toda a década de 1990 foi gloriosa para as actividades nocturnas, em Londres, ligadas à música. À sua volta consolidou-se uma verdadeira indústria. Em Inglaterra foi a época de superclubes como o Ministry of Sound, Gatecrasher ou Cream, que se afirmaram como marcas poderosas no seio da indústria do entretenimento, desmultiplicando-se por outras actividades – do design gráfico até linhas de vestuário.
Depois veio a crise. Clubes de dança de grandes dimensões deram lugar a espaços pequenos. Zonas anteriormente esquecidas criaram novas centralidades e a noite diversificou-se. E não é apenas urbanisticamente que existe renovação. Também na música sucede. Hoje Londres poderá não ter a força económica do mercado americano, no campo da música de dança, mas volta a agitar-se com prazer e esta sexta-feira Lisboa também o poderá fazer.