Acordo sobre união bancária acelera intervenção em bancos falidos

Bruxelas destaca vantagens para a economia do novo instrumento de resolução, fechado depois de cedências da Alemanha.

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Elisa Ferreira foi elogiada pelo presidente do Parlamento Europeu pelo seu papel nas negociações Adriano Miranda

Durante oito anos — e não dez, como inicialmente previsto e defendido pela Alemanha —, os bancos de cada país irão contribuir progressivamente para a constituição do fundo de 55.000 milhões de euros. Além disso, o novo mecanismo vai poder accionar uma linha de crédito que permite intervir desde o início, antes do fundo estar preenchido.

Este mecanismo é um dos pilares da nova união bancária em desenvolvimento nos países da moeda única, criada para garantir que os custos de futuras crises financeiras e falências de bancos deixam de ser suportados pelos contribuintes. Para a Comissão Europeia, o novo mecanismo tem a vantagem de permitir “estabilizar os mercados financeiros e ajudar à recuperação da economia”, defendeu o presidente do executivo comunitário, Durão Barroso.

Uma longa “e difícil” noite de negociações, que durou cerca de 16 horas e só terminou por volta das sete da manhã, deu origem a um acordo que “não é perfeito”, mas que “é crucial” para recuperar a confiança no sistema bancário europeu, defendeu a eurodeputada portuguesa Elisa Ferreira, representante do Parlamento Europeu nas negociações. “É um acordo que salvaguarda os contribuintes, que garante que o mecanismo será financiado pelos bancos e que as decisões não vão ser tomadas em função de pressões políticas deste ou daquele Estado”, disse ao PÚBLICO a eurodeputada socialista.

Uma mudança importante está ligada ao papel do Banco Central Europeu (BCE). De acordo com  o que ficou estabelecido, o BCE, enquanto supervisor, será o responsável por desencadear o processo de intervenção, quando considerar que um banco está em risco de cair. No entanto, os responsáveis pelo mecanismo de resolução podem tomar a iniciativa e solicitar que o BCE inicie esse processo. Caso o BCE não actue, é dada a capacidade aos responsáveis do mecanismo para, eles próprios, desencadearem a intervenção.

De acordo com o comunicado enviado pela delegação portuguesa do grupo dos Socialistas e Democratas no Parlamento Europeu, “o prazo para desencadear o mecanismo para resolver um banco será agora mais reduzido e o processo de decisão simplificado”.

Seja como for, o fundo só será chamado a intervir a partir dos 8% do montante necessário. Antes disso, a responsabilidade caberá aos accionistas e obrigacionistas dos bancos e aos depositantes com depósitos mais elevados, acima dos 100 mil euros, o chamado bail in.

A socialista Elisa Ferreira explicou ainda que a proposta do Conselho Europeu, que nas negociações esteve representado pelo presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, e pelo ministro das Finanças grego, Yannis Stournaras (a Grécia detém a Presidência europeia), “era diametralmente oposta” em “questões fundamentais” como a mutualização do fundo e o grau de intervenção do plenário da entidade gestora do fundo.

A proposta inicial do Conselho Europeu previa que as contribuições dos bancos ficassem “em compartimentos nacionais durante um período de dez anos” e só depois fossem transferidas para os cofres do fundo europeu. Países como a Alemanha e a França pretendiam assim salvaguardar que as suas contribuições para o futuro mecanismo de resolução de falências não fossem utilizadas para reestruturar bancos de outros países. Mas o acordo prevê que a incorporação progressiva num fundo único aconteça em oito anos.

40% dos fundos mutualizados ao fim do primeiro ano
O Parlamento Europeu conseguiu a garantia de que “66,6% do fundo estará mutualizado em três anos”, com a transferência de 40% do montante total logo no primeiro ano, 20% no segundo ano e o restante nos anos subsequentes. “Não fazia qualquer sentido que as contribuições ficassem retidas, pois não são impostos e funcionam como se os bancos estivessem a pagar um seguro”, explicou a deputada europeia.

Elisa Ferreira sublinhou também que o acordo introduz a criação de uma linha de crédito destinada a salvaguardar que o fundo estará em condições de dar resposta a um eventual problema, mesmo que ainda não esteja devidamente capitalizado. “Será o próprio fundo a negociar esta linha de crédito, que será paga pelas contribuições futuras dos bancos”, disse Elisa Ferreira.

Os pormenores sobre este mecanismo “vão ainda ser definidos” para constar da proposta final a apresentar ao Parlamento Europeu em Abril, mas na conferência de imprensa que se seguiu à obtenção do acordo, em Bruxelas, a garantia foi a de que “não haverá dinheiros públicos envolvidos”, ou seja, que os Estados deixam de intervir como aconteceu até agora.

O mecanismo mantém, assim, a premissa de que cabe aos bancos — e não aos Estados — garantir o financiamento do mecanismo. Sven Giegold, eurodeputado alemão envolvido nas negociações (Grupo dos Verdes), que o Financial Times cita, ironizou sobre a cedência de Berlim: “Conseguimos levantar Wolfgang Schäuble às 5h30 e assim alcançar concessões”.

Poderes para comité do mecanismo
Na proposta do Conselho Europeu, “o processo de resolução era decidido ao nível do plenário da entidade”, onde estão representados os ministros das Finanças europeus, o que tornava o processo de decisão “vulnerável às influências e pressões políticas”. Na prática, “quase todos os processos teriam de passar pelo plenário”. O acordo alcançado nesta quinta-feira prevê que a decisão seja sempre tomada pelo comité executivo da entidade, “um comité técnico”, restrito, ainda que, nas decisões que exijam um envolvimento do fundo superior a 5000 milhões de euros, “algum representante [dos Estados-membros] possa requerer que o assunto vá a plenário para obter esclarecimentos”.

As decisões serão centralizadas e tomadas por um comité único de resolução, que inclui membros permanentes em representação da Comissão, do Conselho, do BCE e das autoridades nacionais de resolução. O Financial Times notava que a Comissão Europeia fica com a formalização das intervenções, e que, apesar das alterações, os ministros das Finanças podem contrariar as decisões do comité de resolução do mecanismo em determinadas circunstâncias. No entanto, ainda não há pormenores sobre os poderes dos ministros nesta matéria.

O entendimento alcançado a nível europeu é visto como fundamental, conforme sublinhou Elisa Ferreira na conferência de imprensa, para devolver confiança ao sistema bancário dos Estados membros, e ajudar a diminuir as diferenças que existentes no acesso ao crédito, que tem penalizado países como Portugal (a “fragmentação bancária”) em termos de liquidez e custos.

Elisa Ferreira, que não poupou elogios a Dijsselbloem e Stournaras, contou que foi alcançado um princípio de acordo por volta das cinco da manhã, mas os representantes dos Estados-membros tiveram de parar a reunião para “fazer telefonemas e apresentar a proposta” a outros responsáveis europeus. Só “passado uma hora” chegou a autorização para prosseguir as negociações, fazer os ajustes finais e fechar o acordo, que será ratificado no próximo mês, antes do fim da actual legislatura. A ideia é ter o comité a funcionar em 2015, já com o BCE a assumir o papel de supervisão a nível europeu (a partir do final deste ano).

Martin Schulz, presidente do Parlamento Europeu e candidato dos Socialistas Europeus ao cargo de presidente da Comissão Europeia, sublinhou à Lusa o “papel-chave” de Elisa Ferreira no acordo alcançado, dizendo que a eurodeputada “demonstrou uma enorme competência, liderança e capacidade de fazer avançar as negociações”. E também o comissário europeu do Mercado Interno, Michel Barnier, enalteceu “o trabalho incansável e o espírito de compromisso revelado pelos co-legisladores”, agradecendo particularmente a Elisa Ferreira.

Para o secretário-geral do PS, António José Seguro, que em Lisboa reagiu ao acordo, o novo mecanismo representa um passo em frente “na linha da mutualização” que diz defender  para a Europa — não apenas “para este fundo de resgate, caso necessário para o sistema bancário, mas também para a gestão da nossa dívida”. Seguro considerou, no entanto, que o montante de 55.000 milhões de euros do fundo a utilizar em caso de resolução dos bancos ainda fica “distante do desejável”.

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