Avaliar o presente para construir o futuro
Neste sentido, foram desenvolvidos, no âmbito do Fórum das Políticas Públicas, diversos trabalhos de avaliação das condições de execução do Memorando de Entendimento. Procura-se assim contribuir para o conhecimento e, consequentemente, para o debate sobre as políticas públicas a adoptar no novo ciclo político, pós Troika. Vejamos algumas das conclusões a que foi já possível chegar.
1. No que respeita às políticas para a sustentabilidade das finanças públicas, foi elevado o grau de incumprimento do programa, das suas metas e objectivos. A declaração de inconstitucionalidade de algumas das medidas anunciadas (que não estavam previstas no memorando inicial), por um lado, e o facto de o programa de ajustamento orçamental efetivamente concretizado ter tido um efeito recessivo na economia muito superior ao inicialmente previsto, por outro, geraram, desde o início do programa, sérias dificuldades de cumprimento das metas. A ocorrência de quebras acentuadas, em simultâneo, na procura interna, no crédito para financiamento da economia e no investimento público tiveram como consequência elevados níveis de recessão que, por sua vez, geraram desemprego e quebra de receitas, o que impediu o cumprimento das metas do PIB, do défice e da dívida, numa dinâmica de círculo vicioso.
2. No que respeita às políticas para a estabilização do sistema financeiro, foram cumpridas as medidas de política e alcançados os objectivos. Todavia, o efeito recessivo da política orçamental fez aumentar o crédito mal parado, dificultando o cumprimento, pelas instituições bancárias, da sua missão de financiamento da economia.
3. No que respeita às políticas para a competitividade e reformas estruturais, regista-se uma diversidade de situações. A reforma do mercado de habitação foi cumprida nos termos inicialmente previstos. No caso da justiça, o programa inicial foi abandonado e transformado num conjunto de medidas de revisão dos códigos no domínio penal. Quanto ao sector da energia, o programa cumprido ficou aquém do inicialmente previsto, tendo-se centrado na liberalização do mercado de eletricidade e gás, esquecendo-se a integração das preocupações climáticas e de diminuição da dependência energética externa. Já quanto à regulação do mercado de trabalho, foram abandonados vários dos objectivos inicialmente previstos e centrada a intervenção na alteração do equilíbrio de poderes nas relações de trabalho e nos níveis de proteção do trabalho.
Concluindo, conhecer os resultados e os impactos da aplicação do Memorando é um passo indispensável para pensar o futuro próximo. A percepção pública dos cidadãos sobre esses resultados e impactos é negativa, tanto no que respeita à situação atual, como no que respeita ao futuro: cerca de 70% dos portugueses pensam que a sua situação e a situação do país pioraram nos últimos três anos e cerca de 84% considera que o futuro próximo será igual ou pior. Tais percepções assentam no facto de se ter interrompido a trajetória de aproximação aos países mais desenvolvidos da UE, sem que se perceba qual é, ou onde nos leva, o caminho alternativo que estamos a percorrer.
Como diz Fernando Henrique Cardoso, a política só vale a pena se for para mudar as coisas para melhor, se for para construir um caminho que permita melhorar a vida das pessoas.
No nosso caso, construir esse caminho passa por estabelecer objectivos programáticos claros no que respeita ao crescimento económico, à qualificação das pessoas, à superação dos problemas demográficos e ambientais e à proteção nos riscos. Tudo isto no contexto da União Europeia, enfrentando com ambição os desafios da integração, da coesão e da moeda única.
Professora de políticas públicas no ISCTE-IUL