Reis Novais diz que Cavaco não pediu fiscalização da CES para adiar medida
O antigo consultor de Jorge Sampaio considera "uma indignidade" a imposição da CES aos pensionistas e diz que o Tribunal Constitucional está, pela primeira vez, a levar a sério os direitos sociais.
Desafiado a fazer uma previsão sobre a decisão que o Tribunal Constitucional (TC) poderá tomar, quando os partidos da oposição concretizarem o pedido de fiscalização sucessiva, defende que a decisão deve acontecer "o mais rápido possível", ainda que, "para muitos, agradaria que [a decisão] fosse tomada depois do fim do memorando de entendimento".
O professor universitário, antigo consultor presidencial de Mário Soares e de Jorge Sampaio, foi o convidado de ontem de mais um dos Animados Almoços Ânimo, na Associação 25 de Abril. E se foi duro quando admitiu que durante 30 anos o TC não levou a sério os direitos sociais, elogiou o facto de este órgão estar, "pela primeira vez, a levar a sério os direitos sociais [...] nestes últimos dois anos."
Para o constitucionalista, "seria uma surpresa se o TC não se pronunciasse sobre a inconstitucionalidade" da CES e dos cortes na função pública. Reis Novais defende que essa contribuição viola o princípio fundamental da igualdade, tratando-se, portanto, de "uma indignidade". E revela que foi com espanto que viu, em 2013, o TC deixar passar o aumento da CES. Na altura, explica, "o Governo dizia que era uma medida transitória, o problema é que agora não se trata de uma medida transitória".
Os cortes dos rendimentos da função pública e dos pensionistas, considerados "alvos fáceis", integram, na opinião de Reis Novais, uma estratégia de destruição da função pública, que tem o objectivo de acabar com o Estado Social e transferir esses serviços [saúde, educação, trabalho] para o mercado privado". Já no que toca ao aumento da ADSE e de outros subsistemas de saúde, o ex-consultor acredita que o TC não se deverá opor, uma vez que estes são sistemas opcionais, não consagrados na Constituição.
Seguindo a "estratégia de destruição do Estado Social ", as camadas médias da sociedade vão progressivamente deixar de pagar esses subsistemas e vão ter de optar, ou pelo privado, ou pelo SNS (Sistema Nacional de Saúde), onde já passam a contribuir, prevê Reis Novais.
O ex-consultor da Presidência foi um dos subscritores do manifesto dos 70 sobre a reestruturação da dívida, por acreditar que é preciso "uma folga na defesa dos direitos constitucionais" que estão em risco até 2035. "Numa altura em que se apelava tanto a um consenso, a primeira vez que isso de se fez de forma alargada, da direita à esquerda, na questão da reestruturação da dívida, gerou muito impacto", afirmou. Para o constitucionalista, o documento corresponde a "uma tentativa de alternativa política".
Democracia está em risco
Sobre a polémica da prescrição do processo judicial contra Jardim Gonçalves, o presidente da associação, Vasco Lourenço, falou de "hipocrisia na classe política que está no poder": "Fico arrepiado quando vejo o primeiro-ministro dizer que tem muita pena, mas a justiça ainda não é igual para todos", disse, pedindo a Passos Coelho "que não lamente, faça coisas".
Neste assunto, Reis Novais lamenta que existam "poderes ocultos que capturam os aparelhos do Estado". Trata-se de "uma situação inevitável, comum a todas as democracias, que tem de ser combatida". Até porque, nas actuais circunstâncias, os pressupostos da democracia não estão a ser "efectivamente realizados", disse, alertando para o facto de a democracia estar em risco.
“Uma democracia efectiva-se quando o voto serve para eleger e derrubar governos, no sentido de mudar de política e de se poder escolher entre uma política de direita ou de esquerda”.
Para Reis Novais, isso já não está a acontecer a nível nacional e muito menos acontecerá a nível europeu. “O problema é que isso [a influência de Portugal nas políticas europeias] é uma ficção”, comentou, sublinhando que a influência de Portugal na Europa “se não é zero, anda muito próxima do zero”.
No entendimento de Reis Novais, “não são apenas os direitos sociais que estão em causa, a própria democracia está em risco”, o que pode ser mais grave. “É possível defender os direitos sociais, já a democracia é mais complicado que seja tarefa do TC”, confessou.
A perda da soberania monetária, com a entrada no euro, e o Tratado Orçamental são dois exemplos dos constrangimentos existentes à alteração de política, segundo o constitucionalista. “Independentemente da maneira que se sai da troika, a política de austeridade vai ter que ser seguida até 2035”, disse, lembrando o prefácio de Cavaco Silva, no Roteiros VIII.
No cenário da defesa dos direitos constitucionais, “a situação é grave, temos grandes condicionamentos, mas também temos mecanismos de resistência ”, resumiu.
No entanto, até esses mecanismos estão a ser “ameaçados” pela “pressão política feita ao TC”, dos que defendem revisões do documento - “os mais lúcidos já perceberam que os princípios são estruturais e não podem ser alterados” – e ainda a “pressão dos condicionamentos do Tratado Orçamental”.
“Na ausência de um crescimento económico sólido, o caminho que tem de ser seguido é a dos cortes”, lamentou o convidado da Associação 25 de Abril.