O nome do canadiano Denis Côté não é desconhecido por cá, apesar de Vic e Flo Viram um Urso, sétima longa de uma carreira iniciada em 2005, ser o seu primeiro filme a chegar ao circuito comercial: desde a sua estreia com Les États nordiques, a sua obra, alternando ficção e documentário, tem circulado pelo IndieLisboa, e há alguns meses foi alvo de retrospectiva na Cinemateca Portuguesa por ocasião do Cinecoa. Tudo isto para dizer que Vic e Flo Viram um Urso será muito provavelmente a mais “acessível” das suas longas-metragens, bem como a mais fácil de “encaixar” numa gaveta.
Em quase todas as suas ficções, Côté trabalha a partir de fórmulas de género. Aqui, ele pega na trama clássica do filme policial (o ex-presidiário perseguido pelo passado) e opera uma transformação em meditação excêntrica sobre (lá está...) as gavetas. O seu ex-presidiário é aqui uma ex-presidiária bissexual (a comediante canadiana Pierrette Robitaille), que foi viver com a namorada bissexual e ela também acabada de sair da prisão (Romane Bohringer) nos confins do Quebec rural. O passado persegue-a na forma de uma psicopata que se define como “uma bruta do caraças” e de um agente de liberdade condicional “gay mas mignon”. Daqui resulta uma espécie de “gótico canadiano” escarninho e fatalista, estilizado e subversivo, comentário lúdico e homenagem sincera ao cinema de género, apoiado na cumplicidade evidente entre duas actrizes que se entregam com prazer ao jogo de Côté.
Com a vantagem de nunca subverter apenas pela subversão - há sempre um motivo para as guinadas aparentemente excêntricas do guião - e de encenar o idílio rural de Vic e Flo, sempre com o “urso” à espreita, como uma fábula triste passiva-agressiva ou um conto de fadas simultaneamente inquietante e desopilante, mas nunca convencional. É verdade que há momentos em que Côté parece fazer demasiada questão de desorientar o espectador - mas para quem não conhece o cinema do antigo crítico canadiano, Vic e Flo Viram um Urso é uma muito recomendável “súmula” e “introdução”.