Tea Party aposta forte para aumentar influência no Partido Republicano
Movimento quer ser uma organização mais "convencional", com uma hierarquia e porta-vozes.
Cinco anos depois de ter irrompido (com estrondo) na cena política norte-americana, em reacção à eleição do Presidente Barack Obama e à sua agenda legislativa que incluiu um pacote de estímulo económico e a reforma do funcionamento do sistema de saúde conhecido como Obamacare, o Tea Party está apostado em aumentar a sua preponderância eleitoral, e disposto a reconverter-se numa organização mais "convencional", com uma hierarquia, porta-vozes e – principalmente – com um departamento profissional de recolha de fundos.
A "transição" começou pelo estabelecimento de um Comité de Acção Política (PAC na sigla em inglês), intitulado Tea Party Patriots Citizens Fund, que de acordo com a informação recolhida pelo centro Open Secrets, que segue o financiamento da política americana, já arrecadou o equivalente a mais de 4,6 milhões de euros de donativos (de mais de 90 mil contribuintes em nome individual) para distribuir pelas campanhas dos seus candidatos em 2014.
A força desse projecto difuso e desorganizado – que foi buscar o seu nome a uma rebelião protagonizada pelos colonos de Boston em 1773 contra o pagamento de taxas alfandegárias à coroa britânica pela importação de chá –, ficou patente nas últimas eleições intercalares (2010), quando o Partido Republicano recuperou a maioria da Câmara de Representantes (o Senado manteve-se nas mãos dos Democratas).
Nessa altura, a imprensa norte-americana escreveu sobre a "luta fratricida pela pureza ideológica" dentro do partido, que corria o risco de afastar os conservadores moderados ou os independentes com uma guinada para o extremo mais à direita do espectro político. De então para cá, o movimento obteve algumas vitórias importantes, mas não impediu a reeleição do Presidente Barack Obama, em Novembro de 2012.
Dissabores e custos políticos
Entretanto, alguma da retórica ultraconservadora do chamado
caucus do Tea Party (que corresponde a cerca de 20% da bancada republicana) foi assimilada pelo partido e transposta para a agenda legislativa dos conservadores. Mas a postura mais intransigente dos congressistas e senadores afectos ao movimento acabou por provocar dissabores e trazer custos políticos ao partido, que foi responsabilizado pelos eleitores pela crise política aberta com o shutdown parcial do funcionamento do Governo federal em Outubro do ano passado.
Na actual fase de eleições primárias para a escolha de candidatos para Novembro, a fractura ideológica entre o Tea Party e as figuras mais "convencionais" do partido, com credenciais estabelecidas nos corredores do poder, voltou a evidenciar-se, animando o debate político e acrescentando uma dose de imprevisibilidade quanto à provável reconfiguração e reequilíbrio das duas forças políticas no Congresso.
A prova de que ninguém está a salvo nessa luta interna é que os dois homens de topo na hierarquia republicana estão a ser desafiados pela direita: o líder da minoria do Senado, Mitch McConnel, enfrenta um adversário apoiado pelo Tea Party no seu estado do Kentucky, e o speaker (presidente) do Congresso, John Boehner, tem a correr contra si uma petição online que já reúne quase cem mil assinaturas a favor do seu "despedimento" do cargo. O motivo invocado: aceitou um compromisso com a maioria democrata para aprovar o orçamento federal, que prevê o aumento do tecto máximo do endividamento público e o financiamento do Obamacare.
No fim de Fevereiro, os Tea Party Patriots fizeram prova da sua vitalidade, reunindo centenas de apoiantes numa conferência em Washington que contou com alguns dos mais mediáticos políticos republicanos como oradores: os senadores Mike Lee, do Utah, Ted Cruz, do Texas, e Rand Paul, do Kentucky, foram os cabeças de cartaz do encontro, que contou também com a presença dos populares congressistas Michelle Bachmann e Pete King.
"O Tea Party é o acontecimento político mais excitante das últimas décadas", considerou Cruz, que se tornou uma das estrelas do movimento ao ocupar o pódio do Senado num discurso de mais de 21 horas consecutivas contra o Obamacare, e ao recusar votar uma resolução para financiar a actividade do Governo federal, que levou ao shutdown de Outubro de 2013. "Mas mais do que ficar com a razão, também precisamos de ganhar o debate", observou Mike Lee – o senador, que se referia às primárias republicanas, aconselhou os candidatos do Tea Party a insistir menos no protesto contra o sistema e a concentrar-se na sua "visão de governo" para o país.
Aqueles que foram até Washington para relançar o combate político do Tea Party estavam optimistas e confiantes que o movimento conseguiria vencer algumas batalhas primárias e alargar a sua margem no Congresso – a sua estratégia de "renovação" até incluiu a substituição do seu slogan original contra a expansão do Governo e a favor da redução do défice por um novo mantra: "Pela liberdade e um futuro sem dívidas".
Oposição interna
Mas logo depois da conferência dos Tea Party Patriots, a colunista conservadora do
The Washington Post, Jennifer Rubin, arrefecia os ânimos, ao compilar uma lista com dez pontos que, na sua opinião, apontam para o "declínio" do Tea Party e confirmam a prevalência da facção institucional (moderada) na corrida das primárias. Entre os seus argumentos, estava a ausência dos concorrentes do Tea Party na conferência CPAC, a grande reunião anual dos conservadores em Washington; ou os dados das sondagens que atribuem o favoritismo aos candidatos do aparelho nos duelos com os "rebeldes" apoiados pelo movimento.
No mesmo jornal, o igualmente conservador Michael Gerson especulava que perante a "ameaça" do Tea Party, a famosa disciplina e pragmatismo do GOP começavam de novo a impor-se. "A real possibilidade de reconquista do controlo do Senado veio expor o facto de que, para os líderes e os grupos do Tea Party, esse é um objectivo irrelevante", escreveu, observando que a sua estratégia política não passa pela escolha de candidatos viáveis (leia-se, capazes de derrotar os adversários liberais), mas antes por uma espécie de "purga" dos políticos que não abraçam a ortodoxia.
Numa entrevista a The New York Times, Mitch McConnell deixou o "toque" da revolta institucional contra a oposição do Tea Party: "Acho que os vamos esmagar em todas as primárias. Acredito que no fim não terão um único candidato em todo o país", antecipou. O speaker do Congresso também não se intimidou com as críticas que lhe foram dirigidas pelo Tea Party. "Honestamente, acho que perderam toda a credibilidade", desabafou John Boehner, depois da crise do shutdown.
A oposição ao Tea Party está a ser liderada pela poderosa Câmara de Comércio [Chamber of Commerce], que tradicionalmente representa a visão empresarial e dos grandes financiadores das campanhas republicanas. Nos últimos meses, o CEO, Tom Donohue, criticou duramente a postura da bancada conservadora durante a crise do shutdown, e apelou a um compromisso com os democratas para a aprovação da reforma da lei da imigração – que a facção mais à direita se tem esforçado em impedir.
"Em 2014 apoiaremos os candidatos [republicanos] que estiverem disponíveis para trabalhar dentro do processo legislativo", anunciou Donohue. No entanto, vários analistas assinalavam a actual "restrição" da Câmara de Comércio na libertação de verbas para a campanha eleitoral, que contrasta com o esforço concertado dos Tea Party Patriots e outras organizações que pretendem mover o bloco republicano do centro para a direita, como o Club for Growth, o Madison Project ou o FreedomWorks.
"É preciso resgatar o partido das mãos dos extremistas que não acreditam nas realidades da negociação e do compromisso. Estamos a fazer progressos, mas ainda não chegamos lá", confessou ao Politico David Herro, um importante financiador republicano.