O Manifesto da Bancarrota

O manifesto em favor da reestruturação da dívida pública portuguesa mistura o óbvio e consensual com três problemas e uma contradição fatal.

As duas primeiras são consensuais e foram implementadas nos últimos dois anos. Todos os portugueses concordam que é preferível que o Estado pague uma taxa de juro de 0,5% a um prazo de 100 anos do que 3,5% a 20 anos. E concordam especialmente porque o Estado vai buscar o dinheiro para pagar a dívida à sociedade, ou seja a todos nós que pagamos impostos.

A terceira proposta defende que as populações dos outros países da UE deverão pagar uma parte dos juros da dívida do Estado português (mas não o capital em dívida). Para isso refere a reestruturação da dívida no âmbito da solidariedade e responsabilidade europeias. No fundo, no estilo “saída do Euro com a ajuda da UE” defendida pelo professor Ferreira do Amaral, mas agora aplicada ao pagamento dos encargos com a dívida.

Penso que em Portugal ninguém se opõe a que os nossos parceiros da UE contribuam para o nosso Bem Comum (já o fazem desde 1986 com os fundos europeus), desde que as contrapartidas exigidas sejam aceitáveis. Mas talvez a opinião dos que vão pagar também seja relevante, especialmente se pensarmos que vivem em sociedades democráticas onde, há semelhança de Portugal, as pessoas têm a liberdade de poder manifestar a sua concordância.

O manifesto devia considerar não só estas questões mas também que o apelo à solidariedade dos povos europeus inclui alguns que são em média mais pobres do que os portugueses, e que são os mais pobres desses países que irão sofrer mais com a solidariedade que o manifesto requer. O manifesto não deveria também recorrer a argumentos duvidosos como é o exemplo da Alemanha completamente destruída na 2ª Guerra Mundial e previamente humilhada pelo Tratado de Versalhes.

Estas propostas apresentam, contudo, três problemas.

O primeiro é a sua infeliz oportunidade. Este manifesto poderia ter sido apresentado em 2012 ou 2013, quando a Economia estava a contrair e o desemprego a aumentar. A situação da dívida já era essencialmente a mesma e perceber-se-ia muito melhor nessa altura. Ou então quando a nova Comissão Europeia entrar em funções, daqui a alguns meses, em que a situação da dívida continuará a ser a mesma. Mas numa altura em que o Estado português está, após três anos, em vias de normalizar o acesso a financiamento externo, colocar dúvidas sobre a nossa intenção de pagar a dívida, e apresentá-lo como um suposto consenso, é de uma tremenda irresponsabilidade.

O segundo refere-se à ausência de referência às condições da Economia portuguesa que criaram o problema do excesso de endividamento interno e externo. O manifesto concentra-se na consequência mas ignora as causas, o que seria muito mais importante pois estando estas resolvidas não haveria o risco de que o problema do excessivo endividamento surgisse outra vez. Olhando para os subscritores do manifesto compreende-se porque é que esta questão não é abordada. Se o fosse, não haveria qualquer manifesto. Mas isto só desmente os seus promotores ao pretenderem que o manifesto é um sinal de consenso na sociedade portuguesa.

Finalmente, o mais grave é a contradição fatal no que se refere ao crescimento económico. O manifesto baseia o crescimento futuro de Portugal na possibilidade de o Estado ter margem de endividamento para poder aumentar a sua despesa. Mas sabemos o resultado do crescimento económico baseado no endividamento e na despesa pública pelo que aconteceu na década de 2000: fraco crescimento económico assente na procura interna, desemprego crescente, excessivo endividamento para consumo de bens importados, desequilíbrio externo e orçamental, e desperdício de recursos em autoestradas surreais. Ao primeiro choque externo entrámos em pré-bancarrota. É a bancarrota o consenso do manifesto?

Professor universitário, IADE

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