Inês Lobo, arquitecta em nome próprio

A arquitecta portuguesa reconhece que o prémio ArcVision tem em vista "chamar a atenção para a condição da mulher". Mas diz que foi “educada sem género” e a acreditar nas possibilidades abertas pelo mérito.

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Enric Vives-Rubio

A primeira premiada com o arcVision fora, em 2012, a arquitecta brasileira Carla Juaçaba, sediada no Rio de Janeiro, que, tal como Inês Lobo, dirige um escritório em nome próprio.

No momento dos agradecimentos, Inês Lobo não se esqueceu de referir o trabalho de uma outra brasileira, Lina Bo Bardi, falecida em 1993. O prémio deste ano coincide, aliás, com o centenário do nascimento de Bo Bardi, arquitecta de origem italiana naturalizada brasileira que se notabilizou internacionalmente através de projectos como a Casa de Vidro (1951), o Museu de Arte de São Paulo (MASP, 1957-1968), o SESC Pompeia (1977), todos em São Paulo, ou a recuperação do solar do Unhão (1959), em São Salvador.

Mas o que une estas três mulheres, Inês Lobo, Carla Juaçaba e Lina Bo Bardi, é terem conseguido impor o seu nome próprio num mundo ainda dominado pelos homens. “Não é à toa que há poucas mulheres na arquitectura!” – admitiu a dada altura Carla Juaçaba, quando interrogada quanto ao significado do prémio, concluindo: “O acto da arquitetura em si, o acto de construir, é um acto masculino.” 

A Inês Lobo seria colocada uma questão idêntica. Mas a arquitecta portuguesa vem de uma família em que as mulheres cultivavam já alguma autonomia profissional. De certo modo, e como declara, foi “educada sem género” e a acreditar nas possibilidades abertas pelo mérito.

O prémio arcVision – Women and Architecture destina-se a uma profissional que tenha desenhado pelo menos um edifício, sozinha ou em equipa (construído ou em projecto de execução), que se destaque nos planos tecnológico, funcional e da sustentabilidade. Exige-se ainda que actue no domínio da investigação ou do ensino (Inês Lobo é professora do Departamento de Arquitectura da Universidade Autónoma de Lisboa). À autonomia criativa junta-se uma consciência social.

A existência de um prémio que se assume como de género tenta, ainda nas palavras de Inês Lobo, “chamar à atenção para a condição da mulher”: “Estes prémios, se existem, é porque são precisos”. Em Portugal, a maioria das mulheres arquitectas recusa um tratamento diferenciado. Este aspecto foi, por exemplo, referido pela própria Inês Lobo quando, em 2011, deu um depoimento à revista JA – Jornal Arquitectos, órgão oficial da Ordem dos Arquitectos, cujo número se intitulava precisamente Ser Mulher: “Continuo a achar que os problemas de género não têm a ver especificamente com as profissões”. Inês Lobo assinalava, na época, que sentia, inclusive, “uma maior condescendência” pela sua condição feminina, ainda que realçasse a necessidade em saber conquistar um espaço, demonstrar competência.

Entre o júri do prémio, contavam-se pelo menos três mulheres influentes na cultura arquitectónica internacional: a japonesa Kazuyo Sejima, já vencedora do Prémio Pritzker, a italiana Benedetta Tagliabue, que assinou em co-autoria os últimos trabalhos do catalão  Enric Miralles, e a norte-americana Martha Thorne, directora do Prémio Pritzker.

Os estudos de género em Portugal aplicados à arquitectura são relativamente recentes. Para lá do citado número do JA, o Departamento de Arquitectura da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra dedicou a primeira edição da revista Joelho à mesma causa antes, em 2010. No ensaio intitulado “Corpo, Imagem, Objeto: a cadeira LC9 e Charlotte Perriand” aí publicado, a investigadora brasileira Silvana Rubino escreve: “Charlotte Perriand, como as mulheres da Bauhaus e outras designers do seu tempo, construiu sua carreira nas brechas estipuladas por uma dominação masculina no campo, mas não sem deixar as marcas de uma sutil revolução simbólica”. Ao abordar o contributo desta colaboradora de Le Corbusier, situa o papel e os percursos da mulher arquitecta no Movimento Moderno.

Ao contrário de outros contextos internacionais, onde personagens como Beatriz Colomina ou Mary Mcleod transformaram a história da arquitectura num campo aberto ao debate sobre questões de género, em Portugal, a produção de investigação na área também não tem abundado.

A arquitecta Rita Portela, autora de uma pesquisa sobre a arquitecta portuguesa Maria Emília Caria (falecida em 2000), apresentada como parte do seu projecto final de arquitectura no ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, notou a excepcionalidade da mulher arquitecta nos quadros do funcionalismo público durante o período do Estado Novo, principalmente em cargos que implicavam projecto.

Inês Lobo reconhece que é uma excepção no panorama português, mesmo entre uma geração, nascida durante a década de 1960, que se impôs num período de grande abertura política, propício ao esbatimento das diferenças entre géneros. 

Formada pela Faculdade de Arquitectura da então Universidade Técnica de Lisboa em 1989, frequentou o primeiro ano no Porto, onde seria aluna de Fernando Távora e Sergio Fernandez. Na capital, será marcada por João Luís Carrilho da Graça, que influenciaria fortemente a sua formação profissional. Ao longo da sua prática, tem privilegiado os trabalhos em parceria. Entre os arquitectos com quem partilhou projectos encontram-se Pedro Domingos, Carlos Vilela, Ricardo Bak Gordon, João Maria Trindade ou João Mendes Ribeiro. 

A sua obra acarreta uma síntese particular dos principais aspectos normalmente associados à arquitectura portuguesa contemporânea, como sejam uma acertada integração no lugar, a compreensão dos modos de vida no desenho do programa e uma inteligência tectónica que combina técnicas tradicionais com propostas inovadoras. Essa síntese, contudo, é realizada para lá da esfera de influência directa da arquitectura do Porto, à qual é mais comumente atribuído esse contributo. Inês Lobo introduz uma visão plástica que tem ganho progressivamente autonomia e contribuído para a expressão internacional da arquitectura portuguesa.

Recentemente, Inês Lobo tem-se também destacado como comissária em importantes representações de Portugal em eventos internacionais, caso da última Bienal de Arquitectura de Veneza, com a exposição-catálogo Lisbon Ground. As intervenções programadas para a Colina de Santana, em Lisboa, que visam recuperar os antigos hospitais da cidade assentam igualmente num importante estudo e levantamento realizado pelo seu escritório. Encontra-se a preparar uma exposição juntamente com o fotógrafo Duarte Belo para a Garagem Sul no Centro Cultural de Belém, prevista para 2015.

Mereceram ainda menções honrosas, as arquitectas Anna Heringer, Shimul Jhaveri Kadri e Cecilia Puga, todas destacadas pelo seu papel de intervenção social e práticas em contextos menos mediáticos e respeito pelas questões da  localidade.

Ao insistir na vertente da responsabilidade social e comunitária, o prémio arcVision – Women and Architecture não deixa de acentuar um papel que tradicionalmente tem sido associado ao da condição feminina. O prémio implica um valor pecuniário de 50 mil euros (parte do qual deve ser investido num programa social escolhido pela vencedora e relacionado com arquitectura), e duas semanas de workshop no centro de investigação do grupo, em Bérgamo (Itália), um edifício projectado pelo arquitecto Richard Meier.

No final, Inês Lobo irá sintetizar a sua experiência nos encontros Millennium, que decorrem na Milan Design Week, entre 7 e 21 de Abril.

 

 

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