Herbalife investigada nos EUA por suspeita de “esquema em pirâmide”
Inquérito foi aberto depois de denúncias de que a empresa alimentaria os lucros com um esquema de adesão de novas pessoas à rede de distribuidores e não com a venda de produtos. Madoff e Dona Branca são dois casos que se celebrizaram com esta suposta actuação.
A empresa, que, em Fevereiro, anunciou que fechou 2013 com um lucro 23% superior ao do ano anterior, num valor que ultrapassa os 380 milhões de euros, e com vendas-recorde de 3500 milhões de euros, vê-se agora envolvida num suposto esquema conhecido como “esquema em pirâmide” ou “esquema Ponzi” – através do qual as empresas ou negócios se alimentam pelas novas adesões a uma determinada rede e não pela venda directa de produtos ou prestação de serviços – e que se celebrizou no estrangeiro em casos como o de Bernard Madoff e em Portugal com o de Dona Branca.
A investigação, aberta pela Comissão Federal do Comércio dos Estados Unidos e confirmada pela própria empresa, surge depois de, em Dezembro de 2012, terem começado as acusações sobre o esquema em pirâmide. Na altura, o gestor de hedge funds Bill Ackman entrou numa guerra aberta com outro accionista da empresa, Carl Icahn. O primeiro defendia que os lucros da empresa tinham como base um esquema Ponzi e inflação de produtos e dizia que, por isso, em breve, a bolha rebentaria e tudo ruiria. O segundo reforçou sempre a confiança no trabalho da Herbalife. Quem quiser começar a colaborar com a empresa como distribuidor tem sempre de investir uma quantia inicial que, teoricamente, recupera quando trabalhar, como explica o site da empresa.
Para comprovarem as suas teses, ambos apostaram forte nas acções da empresa, mas em sentido contrário: Ackman em como elas iriam desvalorizar, Icahn em como a Herbalife continuaria a crescer. Na véspera da acusação, Ackman tinha reforçado as acusações sobre actuação fraudulenta e adiantado que tem novas provas.
Durante o ano de 2013, surgiram vários apelos a que o caso fosse investigado, nomeadamente por parte de membros do Congresso dos EUA, destacando-se a intervenção do senador democrata Edward Markey junto do organismo que regula a bolsa daquele país. Agora a Comissão Federal do Comércio dos Estados Unidos decidiu abrir uma investigação formal à empresa sediada em Los Angeles, que se celebrizou mundialmente com a venda de produtos de nutrição em mais de 80 países, onde se inclui Portugal, sendo conhecida pelos seus batidos e suplementos dietéticos e pelo slogan “Quer perder peso? Pergunte-me como”.
Em reacção à decisão, a empresa, através de um comunicado divulgado no seu site internacional, disse que “o inquérito é bem-vindo, dada a tremenda quantidade de desinformação no mercado”, prometendo ainda colaborar com a comissão. “Estamos confiantes que a Herbalife age em conformidade com todas as leis e regulamentos que lhe são aplicáveis”, lê-se na nota. O PÚBLICO contactou a assessoria de imprensa da empresa em Portugal, mas não foi possível obter um comentário.
Apesar dos resultados em 2013, logo nos primeiros meses após as acusações de Bill Ackman, a empresa teve grandes quedas em bolsa – conseguindo depois recuperar. Agora, com a publicitação da investigação, as acções chegaram a estar a cair 17%, segundo o Wall Street Journal, chegando a sua transacção a ser interrompida em Nova Iorque durante cerca de meia hora. Segundo o Financial Times, a investigação aos esquemas em pirâmide costuma demorar entre 12 e 18 meses. O processo começa com uma revisão da estrutura da empresa, para perceber a forma como as pessoas são recrutadas e perceber se há vias paralelas.
Das tulipas holandesas a Madoff
Os esquemas de pirâmide são operações consideradas fraudulentas, já que prometem um retorno financeiro que é maior do que aquele que o mercado poderia dar em condições normais. O nome “Ponzi” só surgiu em 1920 com Charles Ponzi, nascido em Itália e imigrante nos Estados Unidos, que, em menos de um ano, deixou de conseguir cumprir com os 50% de lucro que prometia aos investidores no período de mês e meio. Ponzi convenceu pessoas de que os selos de correio internacional de Espanha se podiam vender a um preço mais elevado nos Estados Unidos e começaram a entregar-lhe avultadas verbas para investir. Só que, na verdade, os selos nunca foram comprados e Ponzi pagava os juros aos investidores mais antigos com o dinheiro dos novos, conquistando a confiança de todos.
O processo é alimentado através da adesão em massa de novas pessoas, recebendo os antigos parte do investimento que estes são obrigados a fazer para poder aderir. A pirâmide vai, assim, ganhando diferentes níveis de pessoas que têm diferentes níveis de rendimentos. Regra geral, os esquemas são descobertos quando começam a falhar as novas entradas ou as pessoas querem reaver o investimento na totalidade. Nessa altura, deixa de haver dinheiro para as chamadas “rendas”, falhando os pagamentos prometidos.
O caso mais antigo reportado aconteceu na Holanda, ainda no século XVII, num investimento em tulipas que caiu para níveis próximos do zero, levando muitos holandeses a perder as suas poupanças. No final da década de 1990, foi também dado a conhecer um caso na Albânia, onde se estima que metade da riqueza nacional tenha sido perdida quando as bolhas destas pirâmides não aguentaram mais. Porém, foi em 2008 quando o nome de Bernard Madoff se celebrizou que veio a público o esquema que mais impacto teve a nível internacional.
Em Portugal, o nome mais conhecido é o de Dona Branca, a conhecida “banqueira do povo”, que, nos anos 1980, viu desvendado o seu esquema, em que oferecia 10% de juros mensais quando os bancos só conseguiam juros anuais de 30%. O país tem um decreto-lei de 2008, que proíbe expressamente este tipo de modelos, que classifica de “práticas enganosas”, dizendo que está vedada a possibilidade de “criar, explorar ou promover um sistema de promoção em pirâmide em que o consumidor dá a sua própria contribuição em troca da possibilidade de receber uma contrapartida que decorra essencialmente da entrada de outros consumidores no sistema”.