Aos três anos, as crianças de Fukushima sabem dizer a palavra "radiação"
As crianças mais pequenas deixaram de poder sair à rua – tudo por medo da radiação e do cancro. Três anos após a catástrofe, há outros desastres que se vão preparando, em silêncio, vidas modificadas de forma drástica.
“Tenta evitar tocar o ar exterior”, recomendava uma mãe preocupada ao seu filho, à porta de um recreio interior na cidade de Koriyama, a cerca de 55 km para ocidente da central de Fukushima. Até as crianças de três anos sabem dizer a palavra “radiação”, relata a Reuters. Estes limites draconianos à exposição das crianças foram levantados em Outubro, mas os pais japoneses não confiam que seja seguro. Brincar no recreio só debaixo de tecto.
Após o acidente nuclear de Tchernobil, em 1986, houve uma subida de casos de cancro da tiróide nas crianças. Mas em Fukushima, não houve crianças sujeitas a níveis de radiação tão elevados como aconteceu no acidente da central nuclear na Ucrânia – o nível máximo no Japão, 50 milliesieverts, era um dos valores mais baixos a que estiveram sujeitas as crianças que vieram a sofrer de cancro da tiróide após a explosão da central soviética em 1986, disse à BBC Shinichi Suzuki, professor na Faculdade de Medicina de Fukushima.
A Organização Mundial de Saúde diz que as crianças expostas a maiores doses de radiação após o acidente de Fukushima correm um risco ligeiramente superior de virem a sofrer de cancros como leucemia, da tiróide ou da mama durante toda a sua vida do que a população em geral. Mas o aumento é muito pequeno, dizia a OMS num relatório publicado há um ano.
O risco de sofrer do cancro da tiróide – um cancro raro – deve subir 70% nas crianças do sexo feminino nas zonas com maior radioactividade. Mas o risco normal, durante toda a vida, é de apenas 0,75%, pelo que o risco sobe apenas para 1,25%, sublinhava a OMS.
Mas três anos após o acidente nuclear de Fukushima, as autoridades de saúde estão a reportar um aumento significativo dos casos de cancro da tiróide entre as crianças e adolescentes que vivem naquela área. Não é possível ainda destrinçar se isto se deve a uma vigilância demasiado apertada, que está a detectar casos que normalmente passariam desapercebidos, ou se realmente se está a verificar um aumento do número de casos de doença relacionados com o acidente nuclear.
O que é também fácil de verificar é que as crianças têm falta de capacidades normais, que se aprendem nas actividades do dia-a-dia, a brincar no recreio: falta-lhes força motora, não têm coordenação, não conseguem sequer andar de bicicleta. É comum terem problemas emocionais. São irritadiças e cheias de medos. Antes de comerem seja o que for, perguntam a um adulto: “Isto tem radiação?”, relatou à Reuters Mitsuhiro Hiraguri, director da creche Emporium, em Koriyama.
Nem todos se resignam a serem flores de estufa.“Alguns querem mesmo, mesmo brincar na rua. Querem fazer bolinhos de terra. Temos de lhes dizer não, temos pena. Tens de brincar na caixa de areia dentro de casa.”