Finlandeses investem dez milhões na criação de centro de investigação científica em Querença
Universidade do Algarve admite vir a “associar-se“ a um projecto que pretende colocar o barrocal na rota do turismo científico e cultural. Novo reitor lança périplo concelho a concelho.
O périplo arrancou no concelho de Loulé, na passada sexta-feira. Por coincidência, na mesma altura em que o Presidente da República, Cavaco Silva, percorria a região, com passagem por Faro, Tavira, Loulé e Silves, numa jornada destinada a conhecer os casos de sucesso de jovens agricultores. Enquanto o chefe de Estado visitava uma queijaria em Alte (Loulé), que esperou oito anos para ser legalizada, na Fundação Manuel Viegas Guerreiro (MVG), em Querença, António Branco recebia, com surpresa, a notícia de que naquela zona do barrocal algarvio vai ser criado um centro de investigação científica, ligado às questões ambientais – um projecto de dez milhões de euros, a desenvolver pela Arto Carpus Castelo Foundation (ACCF), com sede na Finlândia.
Este centro, dedicado ao turismo científico e cultural, “segue o mesmo espírito do que é realizado no famoso Parque Nacional Nuuksio, em Espoo, na Finlândia”, adianta Fernando Pessoa, autor do projecto de arquitectura paisagista. O objectivo principal, sublinha, é “estudar e proteger os ecossistemas mediterrânicos do barrocal, em rede com várias universidades”.
O projecto, que entrou na Câmara de Loulé no mês de Outubro, desenvolve-se numa área de cerca de dez hectares, num monte junto à ribeira da Fonte da Benémola. O equipamento de apoio à actividade científica, denominado Casas da Benémola, contempla 17 quartos e duas suites. “Não é um resort”, enfatiza Fernando Pessoa, lembrando que o objectivo do projecto, "promovido por uma organização sem fins lucrativos, é proteger os ecossistemas mediterrânicos do barrocal”. A particularidade de se desenvolver num lugar “singular” do ponto de vista ecológico, prevê, “vai colocar o Algarve na rota do turismo científico e cultural”.
O reitor, após tomar conhecimento de que algo de novo se está a passar pelo interior da região, afirmou ao PÚBLICO: “Estou interessadíssimo em saber que projecto é este, até porque se é um centro de investigação é muito provável que a Ualg se possa vir a associar.” António Branco prometeu levar a notícia aos colegas, acompanhada de uma sugestão: “Vejam o que é que está acontecer em Querença.”
O presidente da MVG, Luís Guerreiro, por seu lado, manifestou o desejo de juntar a área da ecologia aos projectos que a instituição já desenvolve com a Ulag, no âmbito do Centro de Estudos Algarvios. A propósito da triologia homem, natureza e cultura, defendida na proposta de investimento da Fundação Arto Carpus Castelo, afirmou: “Costumo dizer que esta fundação tem dois patronos – Manuel Viegas Guerreiro, etnólogo, e Manuel Gomes Guerreiro, primeiro reitor da Universidade do Algarve [investigador da floresta mediterrânica], ambos nascidos nesta aldeia do barrocal.” "Por isso, estou certo que vamos trabalhar juntos”, disse.
A pobreza e o turismo de luxo
Uma universidade “descomprometida, não enfeudada ao poder ou à pressão económica”. É desta forma que o presidente da Câmara de Loulé, Vítor Aleixo, vê o papel da Ualg no contexto de uma região que regista os mais altos índices de desemprego do país. “Vivemos um tempo estranho e de muitas dificuldades”, lembrou, por seu lado, António Branco, afirmando que é desejável que as duas instituições possam cooperar de forma a “juntarem recursos e sonhos e fazerem alguma coisa em prol das pessoas”.
O autarca agarrou no mote e recordou a face oculta de um concelho que tem fama de rico, “mas que, ao mesmo tempo, tem pessoas em grandes dificuldades, com muita pobreza”, vivendo quase lado a lado com os destinos turísticos de luxo. “Queremos que a universidade avalie a grande desigualdade que temos no concelho”, disse, salientando a importância do protocolo assinado, no salão nobre da câmara, com incidência no desenvolvimento dos estudos nas áreas sociais, culturais e economia.
Vítor Aleixo, neto do poeta António Aleixo, foi o autarca que nas últimas eleições autárquicas conquistou um dos municípios considerados “bastiões” do PSD. António Branco, sobrinho de José Mário Branco, foi, recentemente, eleito reitor da Ualg, o primeiro académico da área das humanidades a atingir o lugar cimeiro da instituição.
O programa ao jeito de “reitoria aberta” incluiu uma prova de vinhos, na Quinta da Tôr. A propriedade, de 47 hectares, dez dos quais com vinha, foi adquirida em 2011, por 700 mil euros. Na recuperação de 12 quartos destinados a turismo rural, da adega e na reabilitação das terras abandonadas, o proprietário Mário Santos investiu mais 400 mil euros e ainda há muita obra a realizar.
A Quinta da Tôr situa-se a cerca de quatro quilómetros do local onde a fundação finlandesa pretende erguer o centro de investigação científica, ligado às questões da natureza. “Isto foi um pouco maluqueira”, desabafou, em declarações ao PÚBLICO Mário Santos, engenheiro electrotécnico, admitindo que foi guiado mais “pela paixão do que pelo negócio”. No entanto, depois de dar a provar à comitiva da Ualg e da Câmara de Loulé o vinho criado pelos enólogos Joachim Roque e Pedro Mendes, desabafou: “A pinga é boa, só falta concluir o alojamento e equipar o restaurante da quinta.” Ainda não tem data para abrir ao público, mas o vinho vai começar a ser comercializado no Algarve.
Já no auditório da Fundação Manuel Viegas Guerreiro, António Branco haveria de fazer o elogio do conhecimento, lembrando que os projectos que lhe foram apresentados foram fruto de “muita paixão, ambição e capacidade de realização”. É esse lado positivo, sem esquecer a realidade do quotidiano, que pretende trazer à superfície e ao debate público, funcionando o reitor como pivot. A ideia, explicou, é “contactar directamente com as realidades possíveis”, dando-se a conhecer e apreender a vida para além do campus universitário.
Mais seis grandes áreas comerciais
Os pedidos para instalar novas grandes áreas comerciais no concelho de Loulé não param de crescer. Pelas contas da câmara, as novas solicitações ultrapassam a meia dúzia, incluindo as que já estão em fase final de licenciamento. “Uma pressão brutal” – foi assim que o presidente da câmara se referiu à forma como os promotores “tentam condicionar” a decisão do município para emitir novos alvarás, ao mesmo tempo que disputam entre si os espaços e quotas de mercado. Neste contexto, a câmara pretende conhecer o impacto económico e social dos novos empreendimentos junto do comércio tradicional. Para isso, a Universidade do Algarve irá fazer um estudo que “situe o concelho no contexto regional e crie condições para tomadas de decisões futuras, mais bem fundamentadas”, no que toca a licenciamentos de superfícies comerciais.