Mais contido do que a petição ao Parlamento, manifesto deixa soluções em aberto
Manifesto subscrito por mais de 70 personalidades coloca em cima da mesa uma reestruturação envolvendo os credores oficiais do Estado.
A extensão das maturidades da dívida portuguesa — o que na prática saía, há 11 meses, da reunião dos ministros das Finanças da moeda única em Dublin — é uma das três condições que os subscritores do manifesto Preparar a reestruturação da dívida para crescer sustentadamente identificam como necessárias num processo de reestruturação. Um texto que, mesmo antes de ser divulgado na íntegra, mereceu duras críticas do primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, mas que é mais contido nas propostas do que uma petição pela renegociação da dívida que em Janeiro chegou ao Parlamento e que não abriu frentes de batalha.
Como lidar com uma dívida pública que em Janeiro chegava a 213.390 milhões de euros (129% do produto interno bruto), dos quais 72.445 milhões de euros dizem respeito aos empréstimos já recebidos da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional? É esse um das motivações do manifesto. Se o peso da dívida parece não gerar divergências (todos, do Governo, à oposição, passando pelas instituições internacionais ou economistas reconhecidos notam o elevado nível da dívida no PIB), diferente é o entendimento quanto às soluções a adoptar. Mesmo entre os signatários do manifesto há várias sensibilidades, desde logo pela clivagem ideológica e política entre vários nomes que surgem vinculados à iniciativa.
Um ponto de ordem do manifesto é a ideia de que a reestruturação deve acontecer “no espaço institucional europeu” — ou, pelo menos, começar por aí, enfatiza o economista José Castro Caldas, um dos subscritores do manifesto e que é também um dos rostos de uma outra iniciativa pela renegociação da dívida que vai “mais longe na clareza da proposta”, a petição apresentada em Janeiro à Assembleia da República pela Iniciativa para uma Auditoria Cidadã (IAC) à Dívida Pública. No manifesto, há campo para várias soluções. E “pelas pessoas que o assinam”, também as soluções “preferidas pelos subscritores serão diferentes”, sublinha, por seu lado, o economista Paulo Trigo Pereira, outro dos signatários.
O grupo de mais de 70 personalidades que assinam o manifesto concordam que a reestruturação "deve ter na base a dívida ao sector oficial". Uma posição mais contida do que a assumida pela IAC, que propõe que um processo de renegociação envolva todos os credores do Estado (privados e oficiais). “Na IAC não paramos aqui e apontamos para a necessidade, caso a solução dentro do quadro institucional europeu não seja viável, de se encararem iniciativas que não dependam desse quadro institucional europeu [a União Económica e Monetária]”, salienta Castro Caldas, investigador no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Um dos cenários admitidos pelo movimento de cidadãos é o de o processo de renegociação poder implicar uma suspensão do pagamento dos juros e das amortizações da dívida.
O manifesto é publicado nas vésperas das eleições europeias de Maio e a poucas semanas de Portugal debater as modalidades de saída do resgate internacional. E surge numa altura em que a moeda única parece mostrar abertura para conceder novas medidas para reduzir a dívida pública da Grécia, país cuja situação é referida pelos responsáveis da zona euro como um caso único e excepcional entre os resgatados. No caso português, diz Trigo Pereira, um novo alongamento das maturidades e dos juros traria “benefícios consideráveis do ponto de vista do recurso a mercado de capitais”. “Os quatro próximos anos vão ser particularmente difíceis e serão tanto mais difíceis quanto menos crescermos e quanto menos reestruturarmos a dívida”, considera.