Mais contido do que a petição ao Parlamento, manifesto deixa soluções em aberto

Manifesto subscrito por mais de 70 personalidades coloca em cima da mesa uma reestruturação envolvendo os credores oficiais do Estado.

Foto
Bolsas europeias iniciaram o dia em alta Foto: Patrícia de Melo Moreira/AFP

A extensão das maturidades da dívida portuguesa — o que na prática saía, há 11 meses, da reunião dos ministros das Finanças da moeda única em Dublin — é uma das três condições que os subscritores do manifesto Preparar a reestruturação da dívida para crescer sustentadamente identificam como necessárias num processo de reestruturação. Um texto que, mesmo antes de ser divulgado na íntegra, mereceu duras críticas do primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, mas que é mais contido nas propostas do que uma petição pela renegociação da dívida que em Janeiro chegou ao Parlamento e que não abriu frentes de batalha.

Como lidar com uma dívida pública que em Janeiro chegava a 213.390 milhões de euros (129% do produto interno bruto), dos quais 72.445 milhões de euros dizem respeito aos empréstimos já recebidos da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional? É esse um das motivações do manifesto. Se o peso da dívida parece não gerar divergências (todos, do Governo, à oposição, passando pelas instituições internacionais ou economistas reconhecidos notam o elevado nível da dívida no PIB), diferente é o entendimento quanto às soluções a adoptar. Mesmo entre os signatários do manifesto há várias sensibilidades, desde logo pela clivagem ideológica e política entre vários nomes que surgem vinculados à iniciativa.

Um ponto de ordem do manifesto é a ideia de que a reestruturação deve acontecer “no espaço institucional europeu” — ou, pelo menos, começar por aí, enfatiza o economista José Castro Caldas, um dos subscritores do manifesto e que é também um dos rostos de uma outra iniciativa pela renegociação da dívida que vai “mais longe na clareza da proposta”, a petição apresentada em Janeiro à Assembleia da República pela Iniciativa para uma Auditoria Cidadã (IAC) à Dívida Pública. No manifesto, há campo para várias soluções. E “pelas pessoas que o assinam”, também as soluções “preferidas pelos subscritores serão diferentes”, sublinha, por seu lado, o economista Paulo Trigo Pereira, outro dos signatários.

O grupo de mais de 70 personalidades que assinam o manifesto concordam que a reestruturação "deve ter na base a dívida ao sector oficial". Uma posição mais contida do que a assumida pela IAC, que propõe que  um processo de renegociação envolva todos os credores do Estado (privados e oficiais). “Na IAC não paramos aqui e apontamos para a necessidade, caso a solução dentro do quadro institucional europeu não seja viável, de se encararem iniciativas que não dependam desse quadro institucional europeu [a União Económica e Monetária]”, salienta Castro Caldas, investigador no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Um dos cenários admitidos pelo movimento de cidadãos é o de o processo de renegociação poder implicar uma suspensão do pagamento dos juros e das amortizações da dívida.

O manifesto é publicado nas vésperas das eleições europeias de Maio e a poucas semanas de Portugal debater as modalidades de saída do resgate internacional. E surge numa altura em que a moeda única parece mostrar abertura para conceder novas medidas para reduzir a dívida pública da Grécia, país cuja situação é referida pelos responsáveis da zona euro como um caso único e excepcional entre os resgatados. No caso português, diz Trigo Pereira, um novo alongamento das maturidades e dos juros traria “benefícios consideráveis do ponto de vista do recurso a mercado de capitais”. “Os quatro próximos anos vão ser particularmente difíceis e serão tanto mais difíceis quanto menos crescermos e quanto menos reestruturarmos a dívida”, considera.

Sugerir correcção
Comentar