Petróleo vai posicionar a língua portuguesa na geopolítica mundial

Ferreira de Oliveira, CEO da Galp Energia, acredita que o petróleo do Brasil e o gás de Moçambique vão mudar a percepção que o mundo tem da CPLP. A sua companhia está nos dois palcos e se para já é tempo de investir, depois de 2017 a operação no pré-sal do Brasil começará a libertar dinheiro

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Manuel Ferreira de Oliveira NICOLAS ASFOURI/AFP

PÚBLICO - No ano passado a Galp Energia investiu 600 milhões na exploração de petróleo no Brasil. Quando é que um investimento desta envergadura começará a ser remunerado?
Manuel Ferreira de Oliveira - A Galp Energia tem projectos que são desenvolvidos em termos modulares. Um módulo produz entre 120 a 150 mil barris por dia e o investimento que lhe está associado custa à volta de quatro mil milhões de dólares para estar em produção. A Galp Energia, neste momento, está envolvida em projectos de desenvolvimento em dez destas unidades naquilo a que chamamos o pré-sal da bacia de Santos. E todas essas unidades, que ocorrem principalmente nos campos Lula e no campo Iara, estarão em produção em 2017.  

Será após 2017 que a taxa de investimento começará a baixar e terá início a libertação de recursos?
Quando estamos a construir um projecto, ele não remunera o capital – é o que chamamos imobilizado em curso. Mas à medida que começa a produção, começa a remuneração do capital investido. Nós nas operações que temos no Brasil teremos o primeiro ano de free cash-flow (quando a libertação de recursos é pelo menos igual ao volume de investimento) positivo, se tudo correr conforme os nossos planos, em 2017.

Mantém como objectivo os 300 mil barris diários de produção para 2020?
Sim, para o grupo todo. Entre 70 e 80% dessa produção virá do Brasil, depende como vão correr os projectos nos outros sítios. Mas o Brasil é claramente em 2020 a âncora da empresa.  

Continua confiante no potencial das jazidas do pré-sal? Acredita que a sete mil metros de profundidade existirão reservas de 90 mil milhões de barris?  
Essas coisas não são de acreditar ou de não acreditar. É de ter evidência científica e técnica de que existe ou não existe. Há estudos muito conceptuais de natureza geológica que se fazem para perceber o potencial de uma região a que nós chamamos bacias sedimentares. Esse é o potencial teórico. Quando esse potencial é atractivo, as empresas decidem investir para verificar se ele existe de facto. Umas vezes temos surpresas positivas, outras vezes negativas, uma vez que a mãe-terra nem sempre é clara na sua linguagem. O que nós temos hoje, a grande descoberta que pôs o pré-sal brasileiro nas bocas do mundo, foi o campo Lula. Foi dito com fundamento geológico que teria reservas de cinco a oito mil milhões de barris de petróleo recuperável. Hoje não temos dúvida que vamos extrair desse reservatório entre 10 e 12 mil milhões de barris. Ou seja, a realidade superou as expectativas criadas pelos estudos de base geológica.

Como está a correr a parceria com os chineses da Sinopec?
Nós trabalhamos com a Sinopec, entre o processo negocial e as operações no dia-a-dia já vão quase dois anos. A Sinopec não é nossa accionista, é nossa parceira. Há uma grande diferença entre outras relações constituídas no nosso país. Uma coisa é uma empresa que tem como accionista uma empresa chinesa, onde, de certa forma, há uma relação hierárquica entre a empresa e o accionista, outra coisa é uma relação de parceria.

Mas a Sinopec não tem 30% do capital da Petrogal Brasil?
O que nós fizemos no Brasil foi uma emissão de acções novas, uma operação de aumento de capital. Essa operação podia ter sido feita na bolsa, e esse era o nosso caso base. Nós precisávamos de levantar recursos no mercado. O cash-flow das outras operações não permitia que financiássemos o gigantismo dos investimentos que tínhamos pela frente. Teríamos de aumentar o capital. Então organizámos um processo competitivo internacional e a empresa que pagou mais por cada acção foi a Sinopec. Nós somos o accionista controlador da Petrogal Brasil.  

O músculo financeiro da Sinopec é confortável para uma empresa que, como a Petrogal Brasil, tem à sua frente um pesadíssimo caderno de encargos?
A Sinopec tem músculo financeiro, mas o dinheiro é deles, não é nosso. A Galp Energia está totalmente preparada para os investimentos que nos levam no Brasil a um contexto de free cash-flow positivo. Nós temos todo o capital no nosso balanço que nos leva a esse contexto. Não precisamos de pôr mais capital no Brasil.

Sendo o presidente de uma empresa pioneira no pré-sal do Brasil, ficou com pena por não ter avançado na concessão do campo de Libra?
Nós estudamos com muito detalhe o projecto Libra e gostamos do projecto Libra. Foram criadas todas as condições para lá podermos estar, mas na Galp temos uma cultura que eu subscrevo: as empresas, como as pessoas, não podem dar passos maiores do que as suas pernas. Libra é um projecto gigantesco, do tamanho de Lula, e no nosso balanço havia uma sobreposição no tempo desse investimento com o que temos de fazer em Moçambique, que também é ‘giga’. Portanto, não por razões técnicas, mas por razões de respeito para com o nosso balanço, entendemos que não podíamos fazê-lo.  

No horizonte de uma década o Brasil continuará a ser a principal prioridade da Galp Energia, ou essa prioridade poderá ser deslocada para Angola ou, mais provavelmente, para Moçambique?
Nos países da lusofonia, especificamente em Angola, Moçambique e Brasil, desde 2006 até hoje, ocorreram 26% de todas as novas descobertas de petróleo e gás. E das descobertas no mar profundo, 52%. A taxa de crescimento desta actividade vai ser explosiva. Não tenho dúvida que, nesta década em que estamos a viver, vai posicionar a CPLP em termos geopolíticos no mundo. Moçambique tem hoje em desenvolvimento o maior projecto de gás do mundo e o Brasil o maior projecto de petróleo do mundo. Estar nestes dois projectos é um privilégio enorme e uma responsabilidade gigantesca.

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