“Não temos de nos colocar em inferioridade em relação a Angola”
Segunda parte da entrevista com Rui Machete.
Foi ministro de três pastas diferentes, vice-primeiro ministro, ficaria na história como um dos quatro – com Mário Soares, Jaime Gama e Ernâni Lopes – que assinou a adesão de Portugal à CEE. Qual foi a sua motivação para aceitar o cargo de ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros?
Foram duas. Achei, perante o desafio que me foi proposto e a situação grave que o país atravessa, que não podia recusar se me era pedido o contributo. E há sempre algo que acompanha o ser humano, a necessidade de demonstrar que está vivo, de ser útil, que pode participar solidariamente com os seus concidadãos.
Não se arrependeu?
Não. Não nego que houve momentos duros, difíceis, mas acho que, sobretudo o primeiro propósito que me animou, justifica a experiência.
No dia em que foi empossado foi falado pela ligação que tinha ao BPN. Ainda pensa que as críticas de que foi alvo eram reflexo “da podridão dos hábitos políticos”, como então referiu?
A actividade política é nobre. Em Portugal, na prática, isso nem sempre tem acontecido. Essa minha expressão traduzia essa minha impressão que ainda hoje, infelizmente, se mantem, embora não seja aplicável a todas as pessoas com actividade política. Quanto à circunstância de não ter mencionado o cargo do BPN, não mencionei como não mencionei muitos outros cargos. Numa ocasião fui presidente da Assembleia Geral do BES, da Assembleia Geral BPI e não mencionei isso. Em estrito rigor nem sequer fui autor do currículo que foi entregue.
Permitiu que um currículo que não supervisionou fosse divulgado?
Não elaborei o currículo.
Já se arrependeu de não ter supervisionado o seu currículo?
O currículo numa pessoa da minha idade e que teve uma vida operosa é sempre grande. Não estou a negar que tenha feito isto ou aquilo, não considerei isso importante.
Subestimou o impacto que iria ter?
O facto de não ter considerado isso relevante pode ser considerado subestima. Na minha vida pessoal isso não teve grande importância, foi o exercício de uma função por ser presidente da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD), apenas por isso.
Não acho que o detentor de um cargo público, ainda mais um ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, deve ter especial atenção a estes aspectos?
No meu entendimento, porventura errado, essa matéria foi considerada absolutamente secundária. Depois fiquei muito surpreendido por ser muito relevante. Expliquei que não pretendia ocultar. Para mim foram mais importantes as referências à docência na Universidade De Direito de Lisboa ou na Universidade Católica, ou ter sido administrador do Banco de Portugal.
Mas reconhece o direito de escrutínio da sociedade portuguesa?
Há sim, não tenho nada a esconder, e mesmo que tivesse a esconder reconheceria esse direito. São coisas diferentes.
Aceitou ser ministro sem a diplomacia económica. O seu antecessor, Paulo Portas, foi muito enfático ao sublinhar a importância da diplomacia económica, mas quando saiu levou o dossiê com ele. Acha que isso faz sentido? Porque aceitou o ministério sem essa valência?
Não acho, nem sinto, que haja nenhuma relação de concorrência ou de conflituosidade com o doutor Paulo Portas por, depois da tutela do primeiro-ministro, ser ele a ter a tutela do AICEP, repartida, num terceiro grau, pelos ministros da Economia e dos Negócios Estrangeiros. A diplomacia dos negócios que é a parte central do que o AICEP faz é, apenas, uma parte da diplomacia económica. Quando o AICEP se autonomizou da orgânica dos Negócios Estrangeiros não cessou a diplomacia económica. A diplomacia económica realiza-se na parte institucional através da representação dos organismos que tratam de aspectos económicos internacionais ou na negociação de tratados. Ao Ministérios dos Negócios Estrangeiros não repugna a diplomacia de negócios e quando há oportunidade e se justifica também a realiza.
Funciona bem como está?
Desde que os órgãos dirigentes do AICEP, que pelas perguntas que fazem estão na vossa mente, e os organismos de tutela se entendam, e entendem-se, funciona bem. Estabeleceu-se uma cooperação extremamente positiva entre os que mais especificamente se dedicam à promoção imediata dos produtos portugueses e os que se dedicam a outro tipo de diplomacia económica.
Entre os momentos difíceis por que passou, há o que tem a ver com as suas declarações à Rádio Nacional de Angola. Luanda não confirmou ainda uma data para a primeira cimeira bilateral, espelho da parceria estratégia lançada pelo Presidente da República em 2010. O que tem a dizer a este compasso de espera?
Essa polémica, que nasceu três semanas depois da minha entrevista, não foi propriamente provocada pelas minhas declarações, mas pela forma como foram entendidas e discutidas em Portugal. Protestei contra a violação do segredo de justiça que afecta pessoas que, sem serem julgadas, têm de ser consideradas presumíveis inocentes. Esse foi um acto grave que não deveria ter sido praticado.
Também acontece com cidadãos portugueses, só que os ministros não dão entrevistas a criticar.
Os danos causados ao país por uma conduta que é manifestamente violadora de princípios fundamentais do processo penal são graves. Ao contrário do que foi dito não pedi desculpas por se fazerem processos, tecnicamente não eram desculpas do ponto de vista diplomático, disse que era uma conduta que não nos merecia provação e pela qual estávamos a prejudicar ilicitamente cidadãos estrangeiros.
Os danos causados ao país têm a ver com a não realização da cimeira?
O Chefe de Estado angolano apresentou isso como uma consequência da situação global. Devo dizer todavia, porque é importante, que as relações com Angola são hoje normais. Fui convidado recentemente para visitar Angola e, do ponto de vista substantivo, as coisas processam-se com normalidade.
A cimeira vai acontecer?
Se quisermos ser formalistas teremos de dar tempo ao tempo. Mas do ponto de vista substantivo, no que é mais crucial, a vida vai decorrer normalmente. Está prevista uma reunião em Angola, outras se seguirão, as questões que interessam aos dois países vão ser discutidas.
Porque é que o debate em Portugal é sempre que nós precisamos do dinheiro angolano, e não conseguimos como país inverter a leitura, e dizer que Angola também precisa de Portugal?
Mas é verdade. As duas coisas são verdadeiras.
Angola precisa de Portugal para quê?
Nós estamos na Europa, eles em África. Nós temos a pertença à União Europeia e à NATO que nos dá condições e possibilidades que ajudam À cooperação internacional com Angola.
Portugal pode abrir portas a Angola?
Exactamente, como Angola nos dá oportunidades do ponto de vista económico e de cooperação em África, nós concedemos oportunidades q eu Angola tenha uma rede natural de contactos que, de outro modo, podia ser difícil.
Damos legitimação internacional?
Não é legitimação, é a circunstância de mover-nos em espaços diferentes, esse intercâmbio reforça um e outro país. Há possibilidades normais e naturais de contactos em vários aspectos. Os contactos internacionais entre os Estados não se resumem, apenas, aos negócios. Há questões culturais, de educação, de investigação.
Há a ambição de Luanda de mudar o estatuto junto da União Europeia?
Ajudaremos Angola no que são as suas ambições legítimas. A questão de princípio com Angola, como com os outros Estados da CPLP, é que não vejo nenhuma posição em que tenhamos de nos colocar numa posição de inferioridade ou que eles se tenham de colocar em posição de inferioridade. A não ser a questão da Guiné-Bissau, que é o regresso da legalidade democrática, que espero que venha a acontecer.
Há negócios portugueses contratados com a Venezuela no valor de seis mil milhões de euros. A situação naquele país é volátil. Há segurança jurídica nestes negócios?
Seguimos atentamente a evolução da situação na Venezuela, em que há alguma perturbação na vida normal. Temos esperanças que as coisas retomem o seu curso. A Venezuela nunca deixou de cumprir as suas obrigações para com Portugal. Ligam-nos relações de simpatia e amizade para com Venezuela, onde há uma comunidade portuguesa muito importante e interesses económicos muito relevantes.
Confirma-se o envio de um C-130 para a República Centro-Africana?
Confirma-se. Deve ser interpretado como um acto de aprovação pelas preocupações que levaram os países da União Africana a intervir.
Quando é que vai?
A data ainda não está fixada.
Ter sido presidente da FLAD ajuda a manter os norte-americanos nas Lages?
Não, poderá eventualmente ajudar porque me dá um conhecimento um bocadinho mais aprofundado dos Estados Unidos que teria se não tivesse sido presidente da FLAD. Nesse sentido talvez venha a ajudar nalguma coisa.
Como está actualmente a situação?
Estamos à espera que o relatório pedido pelo Congresso norte-americano ao secretário da Defesa avaliando comparativamente as vantagens e desvantagens de diminuição de efectivos nas Lages e noutras bases seja entregue para uma decisão final.
A hipótese do transbordo de armas químicas sírias, como parte da solução internacional do conflito, poderia favorecer o futuro das Lages?
Poderia ou pode. O objectivo primordial da nossa oferta foi o de cumprir com o nosso dever de solidariedade com as Nações Unidas para a transferência e neutralização das armas químicas. Esse foi o principal objectivo, mas secundariamente não deixa de ser importante evidenciar que os Açores têm uma importância geoestratégica relevante e que não se limita, apenas, ao uso pela força aérea de aliados, neste caso os Estados Unidos, mas tem também importância do ponto de vista naval. Penso que isso também será tomado em consideração globalmente no relatório norte-americano. Espero que isso aconteça.
O famoso telegrama da embaixada norte-americana em Lisboa ao Departamento de Estado sobre a sua presidência da FLAD complicou-lhe a vida como ministro? Ou a antipatia da administração Bush ajuda-o?
Não penso ter sido alvo de qualquer antipatia da administração Bush em termos centrais. É preciso não confundir a posição de alguns funcionários norte-americanos no exterior e a administração Bush. Isso não foi relevante.