Há que admitir que a dimensão “exótica” é o que primeiro chama a atenção no filme de Felix van Groeningen, nomeado este ano para o Óscar de melhor filme estrangeiro depois de se ter tornado num pequeno fenómeno de culto ao longo dos últimos meses.
De facto, quando foi a última vez que um filme belga chegou ao nosso circuito comercial? Só que esse aparente exotismo - um filme belga cujas personagens principais tocam numa banda de música bluegrass - é igualmente uma das motivações principais da sua história. Didier, cantor e músico da tal banda de música bluegrass, tem uma visão idealizada da América que a presidência de Bush, e a doença da sua filha, vão ajudar a desfazer (tudo se passa no imediato pós-11 de Setembro); a mulher, Elise, tatuadora e cantora no grupo, continua a ter uma fé subterrânea a que se agarra nos momentos difíceis. De certo modo, Van Groeningen quer contrapor duas abordagens diferentes, a fé e o racionalismo, através de uma história de amor que procura construir uma ponte entre ambas, contada de modo fragmentado ao som da música tradicional americana, em constante salto temporal ao longo de uma década a partir do primeiro encontro de Didier e Elise, e com o modo como a doença da filha afecta a relação como fulcro narrativo.
O problema central é que esta história de casal às voltas com criança doente já foi feita antes - mais recentemente em Declaração de Guerra, de Valérie Donzelli - e, se lhe tirássemos a dimensão exótica, o pano de fundo musical e a fragmentação da narrativa, Ciclo Interrompido resumir-se-ia a apenas mais um melodrama de luxo. Ainda por cima, algumas das opções de mise en scène, sobretudo em direcção ao final, denunciam em excesso a origem do filme numa peça teatral (co-escrita pelo actor principal, Johan Heldenbergh, e assaz aclamada por terras flamengas). Felizmente, a música, interpretada pelos próprios actores, é uma enorme mais-valia - ou não fosse a country americana música de e sobre vidas difíceis - e Van Groeningen encena certeiramente as canções como momentos centrais para a narrativa, conseguindo aí a pontaria emocional que parece faltar por vezes. E é também pela aposta inteligente na música, pela entrega dos actores (Heldenberg e Veerle Baetens são excelentes) e pela fluidez com que o montador Nico Leunen salta de época em época que Ciclo Interrompido justifica um interesse que transcende o mero exotismo da sua origem.